52.6

O advogado do presidente

Marco Lourenço 23 de outubro de 2013

Alô, qual seu desejo?

Olá mestre, aqui é o…

Advogado do Zé da Medalha. Eu sei quem fala, sei de tudo. Que precisa?

Exatamente, Majestade vermelha. Eu estou prestando uma assessoria para uma importante entidade esportiva. Estamos com a seguinte situação. Alguns atletas se reuniram com apoio de alguns profissionais de outras áreas pedindo mudanças na gestão do esporte.

Pelo que sei, os jogadores querem mudanças no calendário.

Eita, eu sou um besta mesmo, o senhor sabe de tudo, não preciso explicar tanto e ir mais direto.

A Besta aqui sou eu e o “Senhor” fica em outro departamento. Mas qual o problema do seu feudo, com o perdão do termo saudosista?

Perdão. Enfim, eles estão cobrando algumas mudanças a partir de um documento com cinco pontos básicos. Dentre eles a garantia de férias de 30 dias, período de pré-temporada, limite de sete partidas por mês…

Presidente Marin, da CBF, durante coletiva de imprensa. Foto: Mowa Press.

Mas são boleiros, muito ricos! Basta esculhambá-los com ajuda dos nossos amigos da prensa.

Não conseguimos emplacar a ideia do “jogador vagabundo” como antigamente. As leis trabalhistas e os jornalistas os têm apoiado.

Percebe porque sou nostálgico? Os tempos estão confusos. A última vez em que tentei ignorar a lei na sua terra precisei contar com uns paladinos da justiça estrábica do seu Supremo Tribunal de Justiça.

Por isso que preciso de sua ajuda.

Mas e a nossa amiga poderosa? Não é ela que sustenta e cuida de tudo isso aí? Ela tem que defender suas vontades. O icônico Bob Ocean está aqui comigo. Ele está mais incomodado com isso do que com o calor e os espinhos de sua suíte.

Eles estão em silêncio. Esta reação parece bem forte desta vez, pois querem mexer tudo e com todos. Não querem só cuidar dos atletas de elite, mas de todos.

Já falei que esse papo de bem estar social, democracia e justiça complica tudo. Nos meus bons tempos acompanhava o imortal Avelã em visitas a alguns parceiros na África e na Ásia durante as partidas da sua seleção, e não tinha nada desse papo de liberdade, direitos, etc.

Entendo, está tudo um inferno.

Não amigo, você ainda vai conhecê-lo.

Mas como argumentar? Tudo está ajeitado! Os estádios, os campeonatos, os amistosos da seleção…

Olha, quer saber o que eu penso mesmo? É o seguinte. Sabe, estou trabalhando mais focado no mercado há mais de 200 anos, quando aquelas cabeças rolaram em Paris. É muito mais fácil quando tratamos tudo como mercadoria. Eu já fazia isso com minhas almas, mas minha clientela ainda engatinhava nessa economia. O que eu quero dizer é que esse esporte de chutar bola aí do seu condado caiu no gosto das praças, das tavernas e dos castelos, muita gente gosta. É um baita produto e acho que não sabem explorá-lo corretamente.

Que diabo! Está de acordo com os atletas?

Não precisa me bajular. Não estou apoiando ninguém, mas acho esse rebanho muito estúpido. Não tenho problema com humanos tapados, desde que não atrapalhem meus negócios. A acumulação pode desacelerar e assim terei que controlar mais pessoas e isso cansa muito minha cútis rubra.

Os jogadores-líderes do Bom Senso F. C. se reúnem com o presidente Marin da CBF. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Mas aqueles que apoiam o movimento sinalizam para o início de um processo que é benéfico ao futebol.

Credo! Que palavra feia. Acho que dá pra ajustar as coisas, como foi o desquite amigável da sua colônia com a terra das padarias. Aliás, estou com uma fome do cão.

Como assim?

Mudar pra não mudar. Troque os líderes, os discursos, mas mantenha o fluxo de caixa e de almas. Sei que algumas coisas estão diferentes, mas a essência da pirâmide ainda está presente.

Mas como? São muitos compromissos e interesses já firmados para o ano que vem. Receberemos um grande evento.

Olhe, eu sou o diabo, mas vou ser sincero. Não se deve confiar em mim.

Não tenho outra escolha, Mr. Red. Eles devem dar uma resposta daqui uns 10 dias.

Olha, faço muita gente rica com jogos de luta, corrida de máquinas ou mesmo este mesmo esporte no velho continente. Nesses lugares as coisas são mais organizadas. O mundo está diferente, não é possível manter o poder sem violência ou sem ao menos uma contrapartida para o rebanho.

Entendi. Obrigado mestre.

Não me agradeça. Eu te espero daqui sete meses. Sente algum desconforto na próstata?
Haha. Estou brincando. Ou não.

Assim que desliguei o telefone fiquei pensando.

Ele me disse isso pra acreditar que nada vai mudar?

Certas coisas devem mudar pra outras permaneceram iguais?

Ou… será que ele pensa que saiu do controle?

Marquei o proctologista para semana que vem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. O advogado do presidente. Ludopédio, São Paulo, v. 52, n. 6, 2013.
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