Santiago, 10 de março de 2016

Hoje à noite, às 21h45, o Atlético Mineiro fará o seu jogo teoricamente mais difícil pelo grupo 5 da primeira fase da Copa Libertadores. A peleja será contra a agremiação de maior tradição do futebol chileno, o Colo Colo, dono do estádio Monumental, mesmo local onde o clube mineiro foi derrotado por 2 a 0 na estreia dessa competição no ano passado. Entretanto, desta vez, o jogo promete ser bem melhor para os mineiros, pois apesar da equipe atleticana ter mantido a base do plantel, os escalados de logo mais que se diferenciam daquela partida conferem, de modo geral, qualidade bastante superior: Rocha, Erazo e Douglas Santos; Cazares; Pratto e Robinho ocuparão os respectivos lugares de Patric, Jemerson e Pedro Botelho; Dátolo; Jô e Maicosuel. Sem dúvida, apenas o zagueiro equatoriano tem menos qualidade técnica que o nosso “Blackenbauer” – assim foi carinhosamente recebido pelos adeptos do Monaco –, porém, pelo menos ainda, não houve muito comprometimento no padrão de jogo da equipe.

Embora o Colo Colo tenha enfiado sonoros três gols na Universidad Catolica no último domingo – sem levar nenhum –, situação que lhe conferiu a liderança do Clausura, a imprensa chilena vem tratando a equipe mineira como a grande favorita para liderar o grupo, uma vez que, no ano passado, os colocolinos chegaram com ótimas chances de classificação na última rodada do grupo 1 da Libertadores, podendo perder a partida por um gol de diferença, resultado que se manteve até os oitenta minutos. Todavia, eles foram eliminados pelos atleticanos através de um golaço de fora da área de Rafael Carioca, um gol que lembrou, guardadas as devidas proporções, aquele do Éder contra a Rússia na copa de 1982.

Consequentemente, a partida de logo mais tem um clima de revanche; e é dessa maneira que se vai construindo as tradicionais rivalidades futebolísticas sul-americanas, a exemplo do que já vem se consolidando, desde os anos 1990, entre los Mineros e os clubes Olimpia, do Paraguai, e o Lanús, da Argentina.

O time belo-horizontino aterrissou em Santiago para os preparativos desse combate anteontem, los periodistas chilenos receberam os atletas com certo estardalhaço, mas só deu voz mesmo a alguns falantes de sua língua, isto é, ao técnico uruguaio Diego Aguirre, que manteve cautela em suas declarações – hablando de la grandeza de Colo Colo –, e ao centroavante argentino Lucas Pratto, que já jogou em terras mapuches, onde realizou uma temporada de destaque pela Universidad Catolica. Assim, acostumada a calçar as chuteiras da humildade, a equipe mineira, obviamente, não deixou rondar o discurso eufórico “do já ganhou”, e não foi evocado el fantasma tijuanense, como ocorrido no dramático jogo contra o Tijuana pelas quartas-de-final da Libertadores de 2013, momento em que a torcida usou máscaras mortuárias no Independência, em clara alusão à supressão dos mexicanos, contagiando negativamente os jogadores e o clima no estádio. Só um poder maior, uma força dionisíaca, revelada nessa peleja pelo máximo goleiro da história do clube, o São Victor do Horto, para equiparar e abalar as misteriosas entidades astecas presentes. A defesa do pênalti no último lance do jogo nos garantiu, ali, saberíamos mais tarde, a maior conquista da trajetória centenária atleticana. Evoco-te hoje, grandioso São Victor!, porque no ano passado contra o mesmo Colo Colo, não esqueçamos, seus ânimos adormeceram e falhaste no primeiro gol.

Por outro lado, lá na ponta esquerda, distinto polo de força é a presença acentuada de Robinho, visto que praticamente todos os holofotes da imprensa foram direcionados a ele, también acostumbrado a hablar español, em virtude de suas experiências pelo Real Madrid. O atacante foi tratado como o grande astro da equipe, ou como alguém que carece de atenção especial por parte da defesa colocolina, que, diga-se de passagem, vai muito bem no campeonato nacional. O recém contratado, que marcou seu primeiro gol no último domingo pelo Mineiro, contra o Tombense, enfiando ainda mais dois, foi muito aclamado pelos periodistas: “Ahora Colo Colo se prepara para detener Robinho”; “El crack brasileño que no perdona a los equipos chilenos”; “Robinho, un historial de temer”; “Robinho da otro plus y jerarquía a un grupo consolidado”; “Él, el verdugo” (ele, o carrasco). Mesmo que sua boa desenvoltura com a língua local, e com os pés, seja legítima, pois de fato aceita a alcunha de craque sem falsa modéstia, Robinho pouco falou. Talvez por orientação dos próprios dirigentes. Assim, o atacante vai aprendendo também a desenvolver o “jeitinho mineiro”, e quem sabe seu futebol volta a ter aquela alegria que o fez brilhar pela seleção brasileira, levando-o ao índice estratosférico de ser um dos que mais vestiu a amarelinha em toda a história, além de ser o jogador que mais meteu gol no selecionado chileno, por isso é destacado por aqui com tanta intensidade. Se lembrado apenas mais uma vez pelo general Dunga (ops!, técnico), Robinho figurará entre os dez jogadores mais convocados da história da seleção. Talvez não esteja longe disso, pois ele é bem melhor que Hulk e Ricardo Oliveira juntos, não? Esses jogadores, além do “norte-americano” Kaká, figuraram na lista para os próximos jogos das eliminatórias sul-americanas para a copa na Rússia. Outros fatores estão a favor do ídolo santista, pois dizem que ele é “excelente de grupo”, com exceção de um caso de desventura ímpar quando ele atuava pelo Manchester City, mas na cola do Jô (aí, já viu, né…?!), o cara ainda puxa um pagode, como ninguém, transbordando o ambiente de alegria.

A estreia de Robinho pelo Galo foi por volta dos quinze minutos do segundo tempo contra o Independiente del Valle pela Libertadores, dia 24 de fevereiro. Com o Independência lotado, o Atlético começou o jogo arrasador. O time partiu para cima, fazendo o único gol da partida logo aos três minutos. Marcos Rocha fez um cruzamento de longa distância, meio que uma enfiada de bola surpreendente para Lucas Pratto, fazendo com que o Mário Henrique Caixa “comesse mosca”, atrasando a narração da jogada. O que não ocorreu com o Pequetito, da Rádio Globo/MG, que magistralmente narrou assim o importantíssimo gol de nosso centroavante.

O time parecia que golearia facilmente, mas caiu muito o rendimento no segundo tempo, sobretudo depois de o técnico Aguirre retirar o melhor jogador em campo até então, o Cazares. Ele estava distribuindo muito bem as jogadas, com uma agilidade impressionante. Dessa forma, a primeira aparição de Robinho pelo Atlético foi ofuscada por vaias e xingamentos furiosos da torcida quando o equatoriano saiu e ele entrou. Uma pena!, pois, de fato, era o Patric quem deveria deixar a equipe. Assim, a entrada de Robinho receberia aplausos duplicados. Contudo, não quero entrar no âmbito das competências do técnico neste momento, é hora de apoiá-lo. Afinal, obteve duas vitórias em duas partidas até então, bem diferente das duas derrotas iniciais do Atlético no ano passado.

 

Colo Colo – o adversário

 

O Club Social y Deportivo Colo Colo foi fundado no dia 19 de abril de 1925 na cidade de Santiago; ou seja, completou recentemente 90 anos de uma grandiosa história, confundindo-se com o próprio futebol do país andino. É a agremiação com o maior número de títulos chilenos, com trinta e um troféus pelo principal campeonato nacional, seguido de longe pela Universidad de Chile (La U), com seus dezessete títulos. É o único time do comprido e estreito país a ser campeão da Libertadores, feito ocorrido em 1991 diante do Olimpia do Paraguai, exatamente no ano em que estreou a iluminação de seu estádio, o Monumental David Arellano, inaugurado em 1989, com capacidade para aproximadamente cinquenta mil pessoas.

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Estádio Monumental David Arellano com a Cordilheira dos Andes ao fundo. Jogo: Colo Colo 3 x 0 Universid Catolica (06/03/2016). Foto: Gustavo Cerqueira Guimarães.

O nome do estádio é em homenagem ao primeiro ídolo da equipe, falecido no dia 03 de maio de 1927, um dia após se chocar tragicamente contra um jogador do Real Valladolid, na Espanha. É importante salientar que David Arellano é também lembrado por meio da tarja negra presente acima do escudo do clube, em alusão a sua memória, um sinal de luto.

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Escudo do Colo Colo.

Seu nome é igualmente lembrado na letra do hino do clube, “Como el Colo Colo no hay”, composto por Carlos Ulloa Díaz, em 1943. O hino é sempre executado no início dos jogos e cantado pela sua torcida ao final deles. A força da equipe é traduzida em títulos, tornando o Colo-Colo o mais popular do país, confundindo-se com a própria nação chilena, feitos estes expressos em seu marcante cântico oficial: “y em las lides deportivas pone siempre su chileno corazón  (…) [y] representa nuestra raza sin igual”. Veja-se, a seguir, em livre tradução, el himno del equipo, composto por Carlos Ulloa Díaz, em 1943, intitulado “Como el Colo Colo no hay”.

Cantemos todos, de Arica a Magallanes / pelo Colo Colo, exemplo de valor, / por sua nobreza não há ninguém que o iguale / porque defende com glória o tricolor. // Colo Colo é como o grande araucano / sem que vai à luta jamais descansar / porque a memória de David Arellano / sempre o guia pelo caminho triunfal. // Colo Colo, Colo Colo, / o time que conseguiu ser campeão, / e nas lidas esportivas / põe sempre seu chileno coração. // Colo Colo, Colo Colo / representa a nossa raça sem igual / por seu impulso e coragem / nos gramados como o Colo Colo não há. // Colo Colo é valente, forte e grande, / de sangue altivo e nobre coração, / seu nome vibra do mar até os Andes / e há em seus triunfos esforço e emoção. // Louros deixa por todos os caminhos, / que virilmente lutando conquistou, / chama imensa de glória é seu destino / que brilha sempre com fogo de campeão. // Colo Colo, Colo Colo, / o time que conseguiu ser campeão, / e nas lidas esportivas / põe sempre seu chileno coração. // Colo Colo, Colo Colo / representa a nossa raça sem igual / por seu impulso e coragem / nos gramados como o Colo Colo não há.

O hino traz, além de Arellano, a figura do araucano, pertencente ao povo indígena “que va a la lucha jamás sin descanzar“. Na época da conquista espanhola esse figura emblemática habitava a região de Arauco, no Chile Central, espalhando-se posteriormente pelos pampas argentinos. O povo indígena talvez seja a maior representação de força da equipe, pois a sua figura é estampada no peito dos jogares através do escudo colocolino, tornando-o um dos mais singulares do futebol mundial. Isso faz com que o clube se conecte à história de suas lutas, não se esquecendo de seu personagem mais central: o índio mapuche.

Hoje, fortuna melhor para a nação atleticana: “Vai pra cima deles, Galô!”, mas com cautela, porque o empate em terras chilenas é um excelente resultado. Por fim, cantemos todos de norte a sul (de Arica a Magallanes), de leste a oeste (do mar até os Andes) e do céu ao inferno (de São Victor a Patric), pois o nosso clube não é andino, mas é Campeão do Gelo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Cerqueira Guimarães

Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG. É graduado em Psicologia e Letras pela PUC-Minas. Autor dos livros de poesia Língua (2004) e Guerra (inédito). Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado, PNPD-CAPES (2013-2018), sobre a relação do futebol com as artes na Faculdade de Letras da UFMG. Atualmente, é editor da revista FuLiA / UFMG

Como citar

GUIMARãES, Gustavo Cerqueira. O Atlético Mineiro nos Andes. Ludopédio, São Paulo, v. 81, n. 5, 2016.
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