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O Bacharel dos gramados

Bacharel foi o primeiro capitão da história do Paraná Clube, teve passagens de destaque por clubes como Botafogo e Guarani, além de ter sido um dos poucos poupados, há 30 anos, na década perdida do Palmeiras, morreu jovem, aos 35 anos, vítima de uma fatalidade seguida por um erro médico.

Articulado na fala, daí o apelido, Vágner também foi bem dentro dos gramados e se firmou como um dos bons defensores brasileiros da década de 1980, com boas passagens por Internacional, Palmeiras, Botafogo, Guarani, Fluminense e Paraná, entre outros clubes.

Nascido em 11 de dezembro de 1954, no Rio de Janeiro, mais precisamente em Madureira — “o meu lugar”, salve, Arlindo Cruz!—, Vágner de Araújo Antunes trilhou uma trajetória digna no futebol brasileiro.

Com a malemolência típica do carioca e que era característica nata de Vágner, que vivia com um sorriso no rosto, apesar do bigodão intimidador, o que se esperava quando deu seus primeiros chutes no Madureira, era que fosse jogar no ataque.

Porém, seu drible mais elaborado foi justamente o que lhe rendeu o apelido. Por não guardar o nome de todos, chamava a qualquer um de bacharel. Outra versão para o apelido é que Vágner se expressava bem quando precisava falar com a imprensa.

Acabou na zaga por conta da raça e da força nas disputas pela bola, mas aliou a essas características a elegância e habilidade incomuns para um zagueiro de meados dos anos 1970. Fez relativo sucesso capaz de o alçar a voos maiores, quando se transferiu para o Joinville e a partir do clube catarinense trilhou sua carreira por Internacional e Cruzeiro.

O Bacharel palestrino

Já experiente, Vágner Bacharel chegou ao Palmeiras em 1983. O contexto é aterrador: o Alviverde não conquistava um título sequer desde 1976, uma fila que incomodava a exigente torcida a qual pressionava qualquer jogador que ousasse vestir a camisa do clube.

Ainda assim, Bacharel assinou contrato e como já era esperado foi alvo de críticas. A desconfiança era enorme, mas aos poucos o zagueiro ganhou seu lugar na equipe titular e editou uma das grandes duplas de zaga da história palmeirense com o lendário Luís Pereira.

Depois da despedida de Luís Pereira, coube a Bacharel assumir a liderança do grupo e em 1986 surgiu a grande oportunidade de encerrar a fila palmeirense e entrar na história do clube. Àquela altura, Vágner Bacharel era um dos únicos poupados pela torcida que aprendeu a gostar da disposição do zagueiro.

Contra a Inter de Limeira, porém, mais uma vez, o Palmeiras não conseguiu o título e diante de um Morumbi lotado, ampliou o jejum de conquistas na “década perdida”. Mesmo sem culpa no cartório e com moral com os torcedores, Bacharel ficou marcado pelo fracasso e seu ciclo no Alviverde chegou ao fim. No Palmeiras, ainda assim, Vágner Bacharel contabilizou em cinco temporadas, 260 jogos e 22 gols, além da dupla com Luís Pereira e a idolatria numa época de “porcos magros” pelos lados de Palestra Itália.

Outros caminhos

Em 1987, Bacharel passou pelo Botafogo com a mesma regularidade que lhe era comum, mas sem nenhum diferencial para oferecer, acabou não se firmando no clube de General Severiano. No ano seguinte, o zagueiro desembarcou no Guarani e fez parte da campanha que levou o time de Campinas à decisão do Campeonato Paulista contra o Corinthians.

Novamente um insucesso e dessa vez com requintes de crueldade: o gol de Viola, que garantiu o 20º título alvinegro no Paulistão, saiu na prorrogação e terminou o sonho de levantar a taça do bom time bugrino. A falta de um título, mais uma vez, tirou de Bacharel a chance de dar continuidade ao seu trabalho e após o vice-campeonato, o zagueiro precisou procurar outro clube.

Durante o segundo semestre de 1988 e todo o ano de 1989, Vágner Bacharel passou por Fluminense e Vila Nova. Até que em dezembro de 1989, um novo clube surgiu em Curitiba com a ideia de mesclar jogadores experientes e com rodagem nacional a jovens talentos.

A última aula no Paraná

Sem dúvidas, aos 35 anos e com passagens marcantes em grandes camisas do futebol brasileiro, Vágner Bacharel tinha o perfil ideal para assumir o desafio de vestir a camisa de um time recém-nascido. O clube em questão era o Paraná, que surgiu da fusão entre Colorado e Pinheiros.

Com a experiência adquirida na carreira que já se aproximava do fim, Bacharel assumiu não apenas a titularidade como a ganhou a faixa de capitão como o primeiro cherifão da história do novo clube. O líder que foi em toda a carreira estava ainda mais engajado em levar o Paraná à elite do futebol como era o projeto arrojado de seus dirigentes. Para isso, tudo começaria no Campeonato Paranaense e Bacharel fazia ótimas partidas até o dia 14 de abril de 1990.

Foi o fatídico sábado de abril de 1990 que o destino escolheu para uma tragédia se abater na vida do zagueiro. O Paraná enfrentava o Campo Mourão e numa disputa de bola aérea — comum como acontece nos dias de hoje — Vágner chocou-se com Charuto, o lateral do time adversário.

Apesar de forte, quem presenciou a cena garante que não houve maldade no lance em que os dois jogadores entraram olhando a bola e acabaram batendo as cabeças. Bacharel caiu desacordado e quando reanimado, passou a reclamar de fortes dores na coluna. Os médicos o imobilizaram e o zagueiro foi imediatamente conduzido ao Hospital Universitário Evangélico, em Curitiba. Nesse momento começou o drama de Bacharel e seus últimos dias de vida.

Uma fatalidade seguida por falhas médicas

No hospital, exames não apontaram lesões na coluna do atleta. Após dois dias de internação, medicado e avaliado pelo médico do Paraná Clube e também o médico do Hospital Evangélico, ambos ortopedistas, Bacharel recebeu alta.

Poucas horas após chegar em sua casa, a esposa de Vágner, Renata de Souza Antunes, contou que o marido passou a sentir dores de cabeça, vomitou e convulsionou. Renata levou Vágner de volta ao hospital, mas dessa vez a internação foi feita pelo neurologista Charles London.

Na tomografia pedida pelo doutor Charles, a primeira feita em Vágner desde o acidente, o diagnóstico de traumatismo craniano. Houve uma piora rápida no quadro de saúde e o jogador foi internado na UTI.

Não houve melhora e a família pediu a transferência para o Hospital do Cajuru. Lá foi constatada a morte cerebral no dia 19 de abril e às 9h da manhã de 20 de abril de 1989, Vágner Bacharel sofreu uma parada cardíaca e morreu.

Os desdobramentos na Justiça

Em 1991, após inquérito aberto pelo Conselho Regional de Medicina do Paraná, dois dos três médicos envolvidos foram punidos. Charles London foi absolvido enquanto André Luiz de Oliveira e Inolan Guiginski de Oliveira foram condenados.

Já em 15 de dezembro de 1995 houve um veredicto da Justiça. O juiz Valter Ressel, da 16ª Vara de Curitiba, considerou os dois médicos culpados pela conduta inadequada no atendimento, o Hospital Evangélico pela negligência e o Paraná Clube como corresponsável, por isso, ordenou que as instituições arcassem com a indenização à família.

De acordo com Renata Antunes, viúva de Bacharel, houve atraso nos pagamentos e o caso foi parar na Justiça novamente até que a situação fosse regularizada em 2019. Inacreditáveis e indecentes 29 anos após a morte do jogador.

Não é possível afirmar que o jogador teria sobrevivido se tivesse recebido o atendimento adequado, não é possível saber o quão diferente poderia ter sido aquele 14 de abril de 1990. No entanto, é possível afirmar que Vágner Bacharel completaria 65 anos se estivesse vivo e que foi vítima de uma fatalidade seguida por erros médicos, mas que em 35 anos de vida, por onde passou, Bacharel deu aula de dignidade no futebol.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. O Bacharel dos gramados. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 1, 2020.
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