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O Barça coletivista

Victor de Leonardo Figols 7 de agosto de 2013

Às vésperas da Guerra Civil, em 1936, o então presidente do FC Barcelona e deputado a favor da República e defensor do nacionalismo catalão, Josep Sunyol, foi fuzilado por soldados franquistas quando passava por uma região de conflito. Em meio ao início iminente da guerra, a cidade de Barcelona e outras regiões da Espanha viviam uma onda de confiscos de propriedades.

Em meio ao conflito, no dia 15 de agosto de 1936, membros do grupo anarco-sindicalista CNT-FAI (Confederación Nacional del Trabajo-Federación Anarquista Ibérica) fixaram cartazes dizendo que o FC Barcelona estava expropriado pela CNT-FAI. Os cartazes foram colocados no estádio do clube, o Les Corts, e nos escritórios do clube.

Estádio Les Cortes em 1930. Foto: autor desconhecido (disponível na Wikipédia).

Imediatamente a essa ação, empregados do clube catalão se reuniram e formaram um comitê. Este comitê de empregados fazia parte de um movimento sindical baseado em fundamentos ideológicos comunistas. Todavia, os dezesseis empregados fixos do clube decidiram por formar um comitê próprio, esse novo comitê decidiu por meio de votação que os cartazes do CNT-FAI deveriam ser retirados do estádio, mas temendo represálias por parte dos anarco-sindicalistas, então a retirada dos cartazes não foi efetivada.

O novo comitê formado pelos empregados fixos do clube buscou se legitimar frente à CNT-FAI e à outros grupos dentro do clube, o argumento deles era que o confisco do FC Barcelona por parte dos empregados do próprio clube poderia ser visto como um projeto revolucionário, reforçando a ideia de uma hegemonia de classe. Os empregados do FC Barcelona entendiam que o confisco do clube por parte deles era legítimo, e não deveria haver intermediários, no caso o CNT-FAI. Vale lembrar que, o comitê de empregados não dissolveu com a junta diretiva, apenas assumiu as ações, uma vez que não havia mais presidente.

Empregados no poder

A formação do comitê não foi apenas para salvar o clube do confisco da CNT-FAI. O grupo formado pelos empregados do clube substituiu a junta diretiva do FC Barcelona, e passou tomar decisões que buscavam beneficiar o clube. Vale lembrar que o clube estava sem presidente desde a morte de Sunyol.

Em meio ao caos da guerra, e a real iminência do clube desaparecer, o coletivo de empregados decidiu, por meio de votação, não cobrar as entradas dos sócios nos meses de agosto e setembro. Essa iniciativa pode ser vista como uma tentativa de conter a diminuição do número de sócios, que desde o início da guerra passou a ser cada vez maior.

A segunda ação que o comitê de empregados tomou, na tentativa de manter o clube vivo mesmo durante a guerra, foi um corte nos salários dos jogadores. Em assembleia, o comitê anunciou aos jogadores que o clube não teria condições de pagar o salário dos profissionais. Em comum acordo, os jogadores aceitaram uma redução salarial, mas a essa altura, a prática esportiva se tornava cada vez mais precária.

Barça Coletivista. Ilustração: Oriol Ocaña – viudade.net.

Para manter a vida futebolista do clube, o comitê passou a aceitar fazer jogos amistosos. Durante os meses de agosto e setembro daquele ano, meses em que não havia nenhum campeonato oficial estruturado, o FC Barcelona realizou jogos, a maioria deles eram beneficentes, para ajudar as vítimas da guerra e os refugiados. O FC Barcelona também participou de jogos amistosos para ajudar os milicianos. Mas com o passar dos meses, tornava-se cada vez mais difícil jogar futebol.

Por outro lado, nesse mesmo período a Federação Catalã de Futebol, tentava organizar um campeonato, mas sofria com o número de equipes que participaram da competição. Até clubes mais bem estruturados, como o RCD Espanyol e o FC Barcelona, sofriam com problemas econômicos, e a precariedade era cada vez maior. Mesmo em meio à guerra, o FC Barcelona conseguiu a filiação de alguns sócios. O comitê gestor buscou meios de aumentar o número de sócios, uma vez que boa parte da vida econômica do clube era sustentada pelos sócios.

Aqui cabe uma ressalva, durante a Guerra Civil Espanhola, o número de sócios do FC Barcelona diminui drasticamente, eram mais de sete mil sócios antes de começar a guerra, ao final, em 1939, o clube contava com quatro mil sócios. A ação de comitê de empregados em tentar angariar sócios foi significativa, uma vez que eram os sócios que mantinham economicamente o clube.

Uniforme do Barcelona usado nos anos 40 sem o distintivo do clube. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Buscando dar uma maior representatividade aos sócios nas decisões do clube, o comitê decidiu convidar ex-dirigentes para fazer parte do comitê gestor, os empregados entendiam que era impossível convocar uma assembleia para se votar em uma nova junta diretiva, então buscou apoio de ex-dirigentes que já haviam sido eleitos pelos sócios em outra ocasião. No dia 30 de agosto de 1936, foi formado um conselho diretivo.

Mesmo com um novo conselho formado, o comitê de empregados não foi dissolvido, na prática o clube ficou mais de um ano e meio sendo conduzido pelos próprios empregados, com total apoio de três ex-dirigentes da gestão de Sunyol, que faziam parte do conselho diretivo.

Enfim, boa parte da documentação deste período se perdeu, mas sabe-se que de agosto de 1936 a novembro de 1937 o FC Barcelona foi comandado pelos próprios funcionários. Foi uma experiência coletivista, durante um dos períodos mais duros da história da Espanha.

Referência:
SODRÉ I SABATÉ, Josep M. & FINISTRES, Jordi. El Barça em guerra (1936-1939). Barcelona: Angle Editora, 2006.

Esse texto foi originalmente publicado no blog O Campo e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. O Barça coletivista. Ludopédio, São Paulo, v. 50, n. 2, 2013.
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