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O contra-ataque delas: Copa do Mundo Feminina

O mês de Junho chegou com uma agenda movimentada para os amantes do futebol, pois logo nas primeiras semanas do mês o Campeonato Brasileiro entrou em pausa para o Brasil sediar os torneios da Copa América, que é a principal competição de seleções dos países pertencentes à COMMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol), porém, outra competição não menos importante também acontece neste mesmo período e é para ela que este texto procura construir suas reflexões, a Copa do Mundo Feminina.

A Copa do Mundo Feminina já conta com sua oitava edição, que neste ano está sendo sediada na França. O torneio integra atualmente 24 seleções, e ocorre a cada quatro anos, tendo a última edição realizada no Canadá, com a seleção dos Estados Unidos campeã, acumulando assim 3 títulos, sendo então a maior campeã, em segundo lugar encontra-se a seleção alemã com 2 títulos.

Já a nossa seleção brasileira, apesar de ter participado de todas as edições, ainda não conquistou nenhum título, com uma de suas melhores atuações na edição de 1999, conquistando o terceiro lugar, na de 2007, onde conquistou o amargo título de vice-campeã contra a Alemanha, inclusive foi após esse vice campeonato que as jogadoras dentro de campo e em rede nacional, fizeram um apelo emocionante pedindo mais apoio ao futebol feminino. Nesta edição, nossa rainha Marta foi eleita a melhor jogadora da competição. Em 2011, a seleção também teve um bom desempenho chegando até as quartas de final.

 Para contar a história de criação deste torneio, é válido retrocedermos um pouco e pensarmos na história do futebol feminino dentro do Brasil, esporte este, proibido por lei durante longas décadas. É após este contexto, por volta da década de 1980, que o futebol feminino volta a se restabelecer dentro da legalidade brasileira.

O Imparcial, 15 de janeiro de 1941. Foto: Reprodução.

O caminho foi (e ainda é) longo para que esse esporte fosse reconhecido e respeitado, porém, foi no final desta década que a FIFA (Federação Internacional de Futebol), iniciou um movimento na tentativa de dar maior visibilidade ao futebol feminino, em um evento realizado na China, que ficou conhecido como Torneio Internacional da China, uma tentativa bem sucedida de testar a viabilidade de um torneio mundial de mulheres acontecendo de fato.

Na ocasião, 12 países participaram, quando por fim, em 1991, acontece a primeira Copa do Mundo feminina, com sede também na China, com novamente 12 seleções participantes, e a seleção estadunidense conquistando seu primeiro título.

Seleção brasileira feminina em 1988. Foto: Acervo Museu do Futebol/Suzana Cavalheiro.

Desde então, como dito anteriormente, oito edições se passaram sem grandes novidades ou olhares da mídia voltados para isso, mas a edição de 2019 surgiu trazendo algumas novidades e conquistas no contexto brasileiro, uma delas é a transmissão de todos os jogos da seleção brasileira feminina pela TV Globo. Vale recordar, que na edição de 2015, momento em que a expectativa em cima da seleção brasileira começava a crescer, e que a CBF custeou uma estrutura de alto nível para a seleção,  o SportTV e a Band transmitiram alguns dos jogos, mas nada comparado com uma cobertura mais completa dos jogos que vão acontecer nesta edição. É a primeira vez que veículos de comunicação apresentam grande interesse na cobertura deste Mundial, nunca especulou-se tanto sobre este evento antes mesmo dele acontecer. O apoio realmente se expandiu mundo afora, na Inglaterra por exemplo, inúmeros veículos de comunicação estão noticiando diversas informações sobre o evento, jornais importantes identificam o torneio como o “maior evento esportivo do ano”, já na França a expectativa é alta, principalmente com o vislumbre da ideia de que a seleção feminina francesa possa ser campeã em seu próprio solo, um ano após a seleção masculina conquistar também uma Copa do Mundo.

Sem dúvidas, são conquistas louváveis no que diz respeito aos desafios constantes que o futebol feminino enfrentou, especialmente os desafios que essa modalidade sempre se deparou no Brasil. Outro acontecimento que movimentou comentários em torno da temática, foi o fato da Panini lançar sua terceira edição do álbum de figurinhas da Copa do Mundo Feminina, desde 2015 o Brasil recebe esta edição feminina da Copa em versão de figurinhas, porém este ano a repercussão sobre a atitude foi maior, e mostra que o futebol feminino apesar de todo crescente apoio e adesão ainda é algo que incomoda fragilidades masculinas, reflexo disso foram os comentários feitos através de redes sociais. Frases como “Futebol feminino e cerveja sem álcool não tem graça nenhuma”, “Ninguém liga” e “Deveria colocar foto das jogadoras peladas, acho que seria mais atrativo” mostra o reflexo de uma sociedade que reproduz práticas e comentários machistas dentro e fora do campo de discussões sobre futebol. E ainda há quem diga que o futebol é apenas um esporte, apartado de toda esfera social, política e cultural.

Neste contexto percebemos que ao passo que grandes conquistas são feitas, como a possibilidade de assistir ao vivo todos os jogos da nossa seleção, esse espaço ainda precisa ser disputado para que sua relevância não precise ser contestada, ironizada ou sexualizada.

Afinal, sabemos que comentários nesse sentido jamais seriam reproduzidos se estivéssemos lidando com a seleção masculina de futebol. Até porque, as diferenças entre ambas as seleções vão desde comentários como este, até os abismos entre as folhas salariais de uma seleção para outra, patrocínios, entre outras coisas. Para ilustrar melhor essas disparidade, saiu recentemente no Observatório da Discriminação Racial do Futebol, que a FIFA destinou apenas 1% de suas verbas para premiar as seleções femininas. Pelos dados, a Fifa vai distribuir a todas as seleções que disputam a Copa na França neste mês um total acumulado de US$ 30 milhões. O valor representa pouco mais de 1% das reservas nos cofres da Fifa e muito inferior aos US$ 400 milhões que as 32 seleções do masculino receberam em 2018 na Rússia. É o que aponta o site do Observatório.

Por isso, é no bojo de toda a efervescência desse momento, que somos convidados a assistir esse torneio que traz contra-ataques necessários dentro e fora de campo. Independente das vencedoras, a conquista é de todas elas, que enfrentam disputas diárias para além das quatro linhas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marianna Andrade

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem experiência na área da Antropologia e estuda as torcidas organizadas e as relações de gênero no futebol.  Compõe o Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da EFLCH (GEFE) e o LELuS (Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e Sociabilidade). Contato: [email protected]

Como citar

ANDRADE, Marianna C. Barcelos de. O contra-ataque delas: Copa do Mundo Feminina. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 12, 2019.
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