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O “Defensor da Pátria” de volta à Champions League

Marco Antunes de Lima 3 de julho de 2017

13 de dezembro de 1954, o campo do estádio Molineaux apresentava sua nova iluminação e a partida era transmitida para toda a Inglaterra pela rede BBC. O Wolverhampton Wanderers, campeão inglês da temporada anterior, enfrentava amistosamente o mais temido e conhecido time europeu do início da década de 1950: o Budapest Honved. O time húngaro era a base da seleção húngara que encantou o mundo no início dos anos 50, e que fora campeã olímpica e vice campeã mundial. Craques como Ferenc Puskas, Sandor Kocsis, Zoltán Czibor entre outros encantavam o mundo do futebol espalhando o retrato dos Magiares Mágicos pelo mundo.

Os ingleses, poucos anos antes tiveram a sua seleção derrotada pela húngara em duas oportunidades, inclusive em Wembley, onde foram derrotados por 6 a 3. O Wolverhampton tentava ali mostrar que o futebol inglês, criador, era o melhor futebol do mundo. E os Wolves venceram a partida por 3 a 2, levando ao êxtase os mais de 55.000 mil torcedores e principalmente a imprensa local inglesa que denominaram os Wanderers como “Campeões do Mundo”, afinal haviam batido o time a ser batido na Europa.

Programa Oficial da partida entre Wolverhampton e Honved, em 13 de dezembro de 1954(Reprodução)
Programa Oficial da partida entre Wolverhampton e Honved, em 13 de dezembro de 1954 (Reprodução).

Após essa memorável partida, televisionada, e que as imagens se espalharam pela Europa uma nova discussão surgiu. O jornalista Gabriel Hanot, do conceituado jornal esportivo francês L’Equipe sugeriu que não bastava vencer os húngaros do Honved para serem considerados os melhores, haja vista que haviam outras fortes equipes na Europa, como o Milan e o Real Madrid, também afirmando da necessidade da criação de um campeonato europeu de clubes.

Em 2 de abril de 1955, o jornal francês convideu 16 clubes de diversos países europeus e criou a Cope de Clubs Champions Europenne, que conhecemos hoje em dia como a taça da Liga dos Campeões da UEFA. Por incrível que possa parecer, os dois clubes (Wolverhampton e Honved) que “incentivaram” a criação do mais famoso campeonato de clubes atualmente não foram convidados para participar da primeira edição da Copa: o Chelsea foi o convidado inglês (acabou não participando) e o Vörös Lobogó (atual MTK) representou os húngaros.

O Budapest Honved talvez seja um dos mais famosos clubes da história do futebol. Seu estilo de jogo encantou o mundo na primeira metade dos anos 50, vindo mesmo a disputar partidas contra Botafogo e Flamengo em terras brasileiras. Ferenc Puskas, o maior jogador húngaro de todos os tempos defendeu as cores do Honved e era sua principal estrela.

Este clube húngaro surgiu em 1909 com o nome de Kispest AC, em referência à região de Budapest com o mesmo nome. Até 1949 o Kispest era um modesto clube húngaro tendo conquistado apenas uma Copa da Hungria em 1926. Mas tudo mudou em 1949, quando se instalou definitivamente o regime comunista na Hungria pós-guerra e o Kispest foi incorporado pelo Ministério da Defesa húngaro, se tornando o clube do forte exército. O novo nome adotado: Budapesti Honvéd Sport Egyesület. O termo Honvéd, em húngaro, significa algo como Defensores da Pátria. Nada mais apropriado para um time extremamente ligado ao exército e que iria passar a representar a Húngria por todo o mundo.

Ferenc Puskás marcou 352 gols em 341 partidas pelo Budapest Honvéd. Foto: Nationaal Archief Fotocollectie Anefo.

A partir da adoção do clube pelo Ministério da Defesa o Honved passou a brilhar, primeiro em território húngaro e posteriormente por todo o mundo. Mas devemos deixar claro e lembrar que seu principal atleta, Ferenc Puskas, que ganharia o título de major do exército, já atuava pelo Kispest AC desde 1947. No início dos anos 50 o Honved venceu por 5 vezes o disputado campeonato húngaro e disputou inúmeros amistosos internacionais, encantando o mundo do futebol e, quando batido, fazendo com que os torcedores dos adversários se achassem os melhores do mundo. O Honved era, sem dúvida nenhuma, na primeira metade da década de 50 a equipe a ser batida.

Como mencionado anteriormente o Honved não participou da primeira edição da Copa dos Campeões da Europa, mas na segunda edição os “Defensores da Pátria” estavam lá. Com o clube ainda com as suas estrelas o Honvéd supreendentemente foi eliminado pelo Atlétic Bilbao da Espanha após uma derrota por 3 a 2 e um empate por 3 a 3. Mas algo que definiu o fim daquele grande Honved pairava o campo daquele segundo jogo, que talvez não tenha permitido a classificação do Honved. Importante e necessário destacar que o empate por 3 a 3, que eliminou os húngaros não aconteceu na Hungria, mas sim em Bruxelas, no famoso Estádio Heysel. Na segunda metade do ano a Hungria passava por um dos momentos mais trágicos de sua história recente: a Revolução Húngara contra o controle soviético estourou e o país passou por quase uma guerra civil e sofria com o contra-ataque dos soviéticos, que esmagaram os revolucionários e causaram o caos na sociedade húngara. O Honved, que se encontrava excursionando pelo mundo quando do estouro da Revolução não conseguia voltar para casa, por isso a segunda partida foi disputada em Bruxelas e, podemos supor que o clima não era dos melhores para os craques do time húngaro.

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Sándor Kocsis jogou pelo clube entre 1950-57. Foto: Nationaal Archief Fotocollectie Anefo.

O Honved, após dissipado o momento revolucionário retornou à Hungria, mas a maioria das suas estrelas não, se recusaram a retornar à Hungria ocupada pelas tropas soviéticas. Entre elas Ferenc Puskas, que foi defender o Real Madrid e Sandor Kocsis, que passou a defender as cores do Barcelona. O Honved passaria a ficar 25 anos sem conquistar o título húngaro.

O final dos anos 70, mais precisamente a partir temporada 1979/1980 marcou o ressurgimento e a segunda fase de ouro do Honved. Ainda controlado pelo exército húngaro, e com a Hungria com seu futebol não mais surpreendente no cenário europeu o Honved passou a ser a grande equipe que era e brilhou na década de 80. Venceu por 8 vezes o campeonato húngaro entre 1980 e 1993, se tornando uma das grandes forças húngaras. Entretanto o sucesso do Honved foi somente local. Apesar das diversas participações na Copa dos Campeões da Europa os resultados foram inexpressivos, sendo constantemente eliminados nas fases iniciais do torneio.

Com o fim do bloco dos países socialistas no fim dos anos 80 e início dos anos 90 e com a introdução do capitalismo ocidental na Hungria o Honved também foi afetado. Já em meados de 1991 o clube passou a se chamar Kispest Honved e ainda conseguiu um título húngaro na temporada 1992/1993, mas o clube começou a declinar-se. Para azar do Honved, ao participar da recém renomeada Liga dos Campeões da UEFA os húngaros vieram a enfrentar ainda na primeira fase o poderoso e rico Manchester United da Inglaterra, sendo eliminados por 5 a 3 no placar agregado.

Com o fim do regime socialista e com o início da nova era dos países da Cortina de Ferro no mundo do capitalismo ocidental o Honved viveu o pior momento de sua história, tanto futebolisticamente quanto financeiramente. O declínio máximo chegou em 2003: com problemas financeiros devido à empresa dona do clube ter cometido fraudes no pagamento de taxas e impostos, empregando os jogadores de forma irregular, o Honved veio, pela primeira vez a ser rebaixado de divisão na Húngria. Era o pior momento da história. O martírio da segunda divisão durou apenas um ano, mas o Honved se tornara agora um time mediano para fraco dentro do cenário húngaro.

As coisas começariam a mudar a partir de Julho de 2006. O grupo americano The Hemingway Group, de investimentos em franquias na Hungria comprou o Honved, que passara novamente a se chamar Budapest Honved FC desde 2003, quando o Kispest Honved praticamente faliu. Esse grupo, liderado pelo americano de origem magiar George Hemingway, também atual presidente do clube, passou a gerir o clube e tentar reacender o Honved. Não com investimentos pesados, mas com uma gestão controlada e voltada principalmente para a formação de jogadores nas categorias de base o Honved conseguiu conquistar por duas vezes a Copa da Hungria e alavancou participações na Copa da UEFA/Liga Europa, com certa modéstia.

E o investimento, principalmente na base da equipe deu resultado nesta última temporada de 2016/2017. Base jovem esta que vem conquistando títulos importantes nas categorias menores desde o início da década. Ninguém realmente esperava; a equipe do Honved não era favorita, mas, após 24 anos o Honved voltou a vencer o campeonato húngaro e conseguiu retornar à Liga dos Campeões da UEFA. Com uma vitória por 1 a 0 sobre o Videoton na 33ª rodada os Defensores da Pátria levantaram a Taça do Campeonato Húngaro mais uma vez. O Budapesti Honvéd, clube que foi inspiração para a formação da mais importante liga de clubes disputada atualmente retorna a essa mesma liga para tentar sucesso na próxima temporada. Se formos analisar tecnicamente sabemos que o Honved tem poucas chances de chegar na fase de grupos da próxima temporada da Liga dos Campeões da Europa, mas que seria muito interessante a presença de um clube lendário neste campeonato isso sim seria.

Em 2011, tive a oportunidade de visitar a cidade de Budapeste, na Hungria, por alguns poucos dias. Como turista e também como apaixonado por futebol sai procurando produtos relacionados ao futebol húngaro pelas ruas centrais de Budapeste. O que mais achei não foram produtos dos clubes populares de Budapeste como o Ferencvaros ou o MTK, mas sim camisas e produtos remetendo à seleção da Hungria dos anos 50 e a camisa do Honved atual(com o símbolo atual), com o nome de Ferenc Puskas nas costas. Pude perceber, que apesar do clube ter perdido força no futebol húngaro a lenda do Honved ainda permanece sendo um nome ainda muito constante no imaginário futebolístico húngaro.

Abaixo um vídeo com os melhores momentos do jogo que garantiu ao Honved o título do campeonato húngaro de 2016/2017.

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Marco Antunes de Lima

Graduado em História pela USP e editor do Ludopédio.

Como citar

LIMA, Marco Antunes de. O “Defensor da Pátria” de volta à Champions League. Ludopédio, São Paulo, v. 97, n. 3, 2017.
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