O desaparecimento dos negros argentinos e seus reflexos no futebol do país
Essa imagem causa estranhamento em muita gente. Alguns dirão que é pelo Pelé, maior jogador brasileiro, estar vestindo o uniforme da arquirrival Argentina, outros não saberão responder. A grande questão da imagem é um jogador negro com a camisa da Argentina. Pense em quantos você já viu. Há algumas razões para o estranhamento e elas podem ser entendidas conhecendo um pouco da história do país vizinho.
Segundo estudos, a população negra da Argentina é de 6%. Esse dado provoca algumas indagações, visto que o país foi explorado pela Espanha e chegou a ter cerca de 50% da população composta por negros escravizados. É bem verdade que os exploradores europeus preferiam escravizar os índios e só utilizavam negros quando a primeira opção era dificultada por algum motivo. Mesmo assim, a compra de africanos escravizados nos portos de Buenos Aires foi enorme. Então, o que aconteceu com os negros argentinos?
Após a abolição oficial da escravidão, as pessoas escravizadas foram abandonadas à própria sorte. Com péssimas condições de moradia, alimentação, higiene e saúde, elas foram os principais alvos das epidemias de cólera e febre amarela que assolaram o país nas décadas de 1860 e 1870. Aqueles que não morreram doentes, morreram nas guerras da Independência, na Guerra contra o Paraguai e em outros confrontos. Os homens negros do país eram enviados para as lutas nas linhas de frente, mesmo sem receber treinamentos e instruções. Isso explica os motivos da facilidade com que morriam enfrentando tropas adversárias bem preparadas.
Mortes por doenças e nas guerras são um ponto, mas há outro fato importante para entender a questão: mulheres negras não engravidavam de homens negros. Os traficantes de escravos se preocupavam e se empenhavam em barrar as relações sexuais entre as pessoas escravizadas, porque além do preconceito, argumentavam que a gravidez prejudicaria o desempenho no trabalho e que a mãe poderia morrer no parto, passando a ser uma a menos nos afazeres.
Não se pode esquecer que algumas mulheres de pele clara eram estupradas por homens brancos. O pensamento dos homens que as estupravam era que, caso engravidassem, as crianças seriam “menos negras”, logo, dariam menos trabalho. Aliado a baixa taxa de nascimentos de crianças pretas e a pele clara dos que nasciam frutos dos estupros, a quantidade de pessoas negras diminuiu drasticamente com o passar dos séculos e o que se percebeu foi o embranquecimento da população argentina.
Isso, claro, se reflete no futebol. Um exemplo do embranquecimento citado pode ser visto nos Da Graca, uma família de jogadores argentinos:
Por esses motivos é tão difícil que jogadores negros joguem pela seleção e pelos times argentinos; quando se vê algum, é comum que possua descendência indígena ou que seja de outro país.
A maioria dos atletas argentinos negros que tiveram destaque no futebol do seu próprio país atuaram no século passado. Aqui uma lista dos mais conhecidos e dos clubes onde jogaram:
José Laguna – Huracán (década de 1910)
Miguel Dellavalle – Belgrano (década de 1920)
Alejandro de los Santos – San Lorenzo e Huracán (1921/1931)
Rinaldo Fioramonte Martino – San Lorenzo (década de 1940)
Alberto Arcángel Britos Ramos – Independiente (1952/1959)
José Manuel Ramos Delgado – Lanús, Banfield (década de 1960)
Héctor Rodolfo Baley – Colón de Santa Fe, Talleres e Huracán (1975/1982)
Ernesto Picot – San Lorenzo (1947/1954)
Julio Luis Benavídez – Boca Juniors (década de 1930)
Jorge Trezeguet – Estudiantes de Buenos Aires, Almagro, Deportivo Español e Sportivo Italiano (década de 1970)
Miguel Ángel Ludueña – Belgrano, Talleres, Racing e Independiente (décadas de 1980 e 1990).
Bibliografia
BARREIRO, Ramiro. Onde estão os negros da Argentina?
BRANDÃO, Caio. Afro-argentinos no futebol.
GELEDÉS. A história dos negros argentinos: por que eles quase “sumiram” do mapa por lá?
BBC. Por que a escravidão foi praticamente apagada da história de Chile e Argentina: ‘Aqui não há negros’.