160.28

O desbravador Colorado na Sul-Americana

Marcos Vinicius Ferreira Ramos 28 de outubro de 2022

O troféu conquistado pelo Internacional em 2008 foi o primeiro das cinco conquistas brasileiras na competição

Sport Clube Internacional
Fonte: Reprodução - Acervo Histórico Sport Clube Internacional

Em 2008, a possibilidade de um clube brasileiro ganhar a vaga na Libertadores após o título da Sul-Americana não era cogitada pela CBF, desse modo os clubes brasileiros mandavam à campo formações alternativas e a competição internacional era deixada em segundo plano.

Porém, naquele ano, o Internacional apostou suas fichas na competição por dois motivos: a precoce eliminação para o Sport nas quartas de final da Copa do Brasil e o insucesso no Brasileirão, onde as chances de beliscar uma vaga no G-4 eram remotas.

Ao fim do primeiro turno, o Colorado ocupava a 10ª colocação, com apenas 26 pontos, e teria que fazer um returno próximo a perfeição para conseguir chegar entre os quatro melhores da liga nacional. Por isso, a insistência na Sul-Americana, que mesmo sem garantir uma vaga na Libertadores de 2009, tinha o peso do ineditismo, logo que nenhum clube brasileiro havia levantado esse troféu na história.

Na ocasião, o clube colorado era comandado por Tite, e o atual técnico da Seleção Brasileira traçou seu caminho até a final da competição sob a desconfiança da diretoria e a descrença do torcedor, que cobrava resultados convincentes de um time reativo, que poucas oportunidades de gol criava na partida.

Traços de um esquema tático que quatro anos mais tarde consagrou Adenor Leonardo Bachi no comando do Corinthians.

O início da caminhada colorada

As primeiras duas fases no antigo modo de disputa da competição funcionavam como uma espécie de Pré-Sul-Americana, em que os brasileiros e argentinos se integravam apenas na segunda fase do torneio e duelavam em confrontos locais por uma vaga para a etapa seguinte.

Dessa forma, o chaveamento incomum proporcionava clássicos locais e naquele ano, o Gre-Nal foi sorteado. O Inter tinha um confronto indigesto na estreia: o arquirrival e líder do Brasileirão.

No entanto, o interesse do Grêmio nesse clássico era nulo, já que a prioridade girava em torno do título do Campeonato Brasileiro, que além de ser mais atrativo financeiramente concedia uma vaga na Libertadores de 2009.

Portanto reservas foram postos em campo na Copa Sul-Americana, e numa competição internacional ganharam ritmo de jogo e minutagem em campo para o resto da temporada. No banco de suplentes, a equipe considerada titular acompanhou de perto os companheiros de clube venderem caro a vaga para o rival local.

Em 180 minutos, nenhum vencedor, o jogo de ida, no Beira-Rio, marcou 1 a 1 no placar, balançaram as redes do confronto Daniel Carvalho para os colorados e Léo para os tricolores. A igualdade se repetiu no Olímpico, porém, em um jogo mais movimentado e com o dobro de bolas nas redes.

Fora de casa e precisando do resultado, o Internacional fez o que se esperava de uma equipe que buscava algo no torneio e enfrentava um esquadrão completamente reserva, abriu o marcador com Nilmar e ampliou a vantagem com Índio.

Com dois gols de vantagem na partida, a primeira vitória estava próxima de acontecer até que uma alteração de Celso Roth, técnico do Grêmio, deu ritmo ao time da casa e por muito pouco não estragou os planos do clube colorado. Perea entrou no lugar de Makelele e diminuiu o placar e pouco tempo depois, Soares deixou tudo igual.

Nos critérios de desempate, os selecionados de Adenor passaram de fase. Apesar disso, perceberam que o resultado ficou longe do esperado, logo que empataram não uma, mas duas vezes com a equipe reserva do maior rival, que por muito pouco não surpreendeu ao conseguir a classificação.

Sul-Americana ou Brasileirão?

Reprodução - CBF
Fonte: Reprodução/CBF

Oitavas de final à vista e um time chileno pela frente. O Internacional mediria forças com a Universidade Católica, num confronto que valeria vaga nas quartas de final da Sul-Americana.

A primeira partida aconteceu no Estádio San Carlos de Apoquindo, no Chile, e para a surpresa de todos, Tite levou a campo um time misto para o duelo diante da Católica. Ainda assim, o colorado conseguiu arrancar um empate longe de casa. Barrientos, aos 42 minutos da primeira etapa, inaugurou o marcador para os chilenos, enquanto no apagar das luzes, Adriano deixou tudo igual e deu números finais ao duelo.

O motivo da utilização de alguns suplentes era o duelo três dias depois contra o Grêmio pelo Brasileirão, que o Inter venceria por 4 a 1. Placar elástico que fez Adenor repensar pela primeira vez em quatro meses no comando do Internacional a prioridade da Sul-Americana na reta final da temporada, logo que a distância de quatro pontos para o G-4, foi a menor entre o colorado e a zona de classificação para Libertadores no returno do Campeonato Brasileiro.

Contudo este pensamento durou exatamente uma semana para ser desconstruído, pois os resultados seguintes no Campeonato Brasileiro fizeram o técnico reconsiderar a sua atitude de escalar reservas na competição que poderia trazer um troféu inédito para o Inter.

Contra a Universidade Católica, no Gigante Beira-rio, outra escalação alternativa e o resultado estava claro que não seria uma vitória, contudo a desclassificação não viria, logo que se ninguém balançasse as redes na partida a vaga ficaria com o clube gaúcho.

E assim aconteceu, 0 a 0 nos 90 minutos e a classificação estava assegurada, porém o torcedor que saiu de casa para assistir o duelo válido pelas oitavas de final, ficou na bronca com a equipe que apresentou um futebol pobre tecnicamente e principalmente com Adenor por conta da escalação de time B na Sul-Americana.

O futebol convincente no clássico Gre-Nal tinha ficado para trás e a confirmação desse fato veio no duelo contra o Coritiba, no Estádio Couto Pereira, quando o Internacional foi derrotado e levou para casa um sonoro 4 a 2 na bagagem.

Com as chances de conseguir a vaga no G-4 reduzidas a pó, Tite de uma vez por todas decidiu ir em busca do título da Sul-Americana. Os lampejos de bons jogos do time no Brasileirão se encaixariam melhor num torneio de tiro curto disputado em mata-mata, do que em uma exaustiva competição de pontos corridos que exigia a regularidade de boas atuações.

A primeira vez a gente nunca esquece

Foto: Reprodução - Site Sport Clube Internacional
Fonte: Reprodução/Site Sport Clube Internacional

A sina de não conseguir vencer na Sul-Americana incomodava tanto comissão técnica e jogadores, quanto a diretoria e a torcida, que em meio a tantas incertezas sobre a classificação para a fase seguinte, ao menos podiam comemorar a invencibilidade com quatro jogos e quatro empates.

No entanto, a sensação que se tinha do clube gaúcho era que aos trancos e barrancos o colorado seguia em frente no torneio, mas a qualquer momento seria desclassificado quando enfrentasse uma equipe competente e com peso histórico.

No top 8 da competição, o Internacional mediria forças com o Boca Juniors, simplesmente o dono de um bicampeonato da competição em 2004 e 2005 que foi convidado pela Conmebol para a edição daquele ano.

Contudo, o xeneizes semelhantemente ao Grêmio, resolveram dar prioridade a liga nacional. O Campeonato Argentino até 2011 se dividia em duas partes, Torneio Abertura e Clausura, na ocasião o Boca disputava o título do Abertura ponto a ponto contra San Lorenzo e Tigres.

Portanto, o duelo frente ao Boca Juniors seria um divisor de águas para Tite e seus comandados, onde o colorado seria eliminado de forma vexatória para um time que iria à campo com uma escalação praticamente sub-23 ou conseguiria a classificação e a primeira vitória para seguir rumo ao inédito troféu.

Contra os argentinos seu Adenor não deu sorte ao azar e escalou o que tinha de melhor no seu elenco, Alex, camisa de número 10 do clube gaúcho estava entre os onze escalados e estreava na competição após ter sido poupado nas outras quatro partidas do torneio.

Em 2008, o construtor de jogadas do Internacional viveu sua maior fase goleadora da carreira, ao todo foram 19 gols em 34 partidas disputadas, números que colocaram o meio campista como o artilheiro do Inter naquele ano. Alex não só foi o principal jogador do colorado na reta final do torneio, mas também o símbolo da mudança de atitude de uma equipe desacreditada que cresceu no momento certo da competição.

No Gigante Beira Rio com a presença de um público de 36.640 torcedores, o Internacional venceu o Boca Juniors por 2 a 0, ambos os gols marcados por Alex em chutes de fora da área. Estava decretada a primeira vitória dos comandados de Tite na Sul-Americana, contudo a semifinal ainda não era realidade, faltavam noventa minutos diante do xeneizes para alcançar a sonhada classificação e o fim de um trauma chamado La Bombonera.

O colorado nos anos de 2004 e 2005 também encontrou o Boca Juniors pelo caminho na Sul-Americana e as lembranças não eram das mais empolgantes, principalmente quando se tratava do estádio que abriga as maiores histórias do clube argentino.

Na ocasião foram duas eliminações construídas fora de casa e com goleadas por 4 a 2 e 4 a 1 respectivamente, nesses anos em que sofreu as goleadas na Argentina, o placar dentro dos seus domínios animava o torcedor, mas longe do Gigante Beira-Rio, a remontada auriceleste acontecia, então toda atenção na Bombonera seria necessária para exorcizar o trauma.

Porém, o Boca tentaria dificultar a vida do Internacional como em outros anos, justamente porque na partida decisiva escalaria uma equipe mais qualificada com Riquelme entre os titulares. Contudo, nem mesmo um dos maiores ídolos da história do Boca Juniors eliminaria Tite e seus comandados que conseguiram outra vitória, agora por 2 a 1, Magrão e Alex marcaram para o Internacional e o desconto ficou por conta de Riquelme para o Boca Juniors.

Pela primeira vez o caminho estava livre de tormentos para o clube gaúcho e agora restavam apenas quatro partidas rumo ao troféu da Sul-Americana, o próximo adversário seria outro convidado da Conmebol, mas não da América do Sul.

A melhor exibição em 180 minutos

Há um passo da grande final, Internacional e Chivas Guadalajara resumiriam as respectivas temporadas em dois jogos. O colorado por todo retrospecto de frustações nas outras duas competições que havia disputado e o rojiblanco pelos insucessos na Libertadores e Campeonato Mexicano.

Portanto, a semifinal seria um duelo de semelhantes, que buscavam na Sul-Americana um refúgio para salvar a – até aquele momento -, modesta temporada de 2008. O retrospecto das campanhas favorecia a equipe mexicana, justamente porque conseguiram vitórias logo no início da competição, mas para aquele momento do torneio os dois chegavam em pé de igualdade, por terem eliminado dois gigantes do futebol argentino: River Plate e Boca Juniors.

Um fator importante para aquela semifinal é que o Chivas não iria à campo com um time misto ou reserva, desse modo o Internacional pela primeira vez enfrentaria os titulares de um time adversário nos 180 minutos. O jogo de ida aconteceu no Estádio Jalisco, no México, o placar de 2 a 0 favoreceu o colorado que conseguiu uma vantagem importante para o duelo no Beira-Rio.

Em 2008, o retrospecto longe dos domínios da equipe rojiblanca contra os clubes brasileiros era ruim, em dois jogos, um empate e uma derrota. Vale ressaltar que em nenhuma das partidas o clube mexicano conseguiu marcar três gols, quantidade de tentos necessários para reverter a desvantagem criada dentro de casa.

A um passo da decisão, o Internacional teria o melhor cenário para por em prática seu melhor futebol, logo que o Chivas teria que se expor para descontruir a vantagem do colorado no jogo de ida. Nos últimos noventa minutos do duelo entre brasileiros e mexicanos, uma avalanche vermelha e branca invadiu o Beira-rio para apoiar Tite e seus comandados numa noite histórica, em que 37.703 torcedores acompanharam a goleada do Colorado por 4 a 0. D’ Alessandro e Nilmar marcaram duas vezes e sacramentaram a vaga na decisão contra o Estudiantes.

O 6 a 0 no placar agregado com uma exibição de gala mostrou a melhor atuação do colorado em 180 minutos na Sul-Americana, desta forma o Internacional desembarcava na final em seu melhor momento no torneio.

Imbatíveis até a segunda página

Desde da sua criação em 2002, a Copa Sul-Americana conviveu com uma tradição albiceleste nas finais até 2008. Nas seis edições anteriores, apenas em uma ocasião um clube argentino não esteve presente na decisão.

O Estudiantes buscava manter esta escrita e durante a competição se credenciou para ser a equipe argentina à manter tal feito. Ao longo da Sul-Americana, os pincharratas eliminaram: Independiente, Arsenal de Sarandí, Botafogo e Argentinos Juniors.

O hábito do país de levantar o troféu em quatro das cinco oportunidades que chegaram na finalíssima, criou uma concepção de times praticamente imbatíveis. Somente o Cienciano, do Peru, em 2003, teve o prazer de quebrar essa hegemonia após derrotar o River Plate de Maxi López, Marcelo Gallardo e companhia.

Dessa vez quem tinha a oportunidade de repetir o feito da equipe peruana era o Internacional, que conseguiu chegar neste ponto da competição com traumas do passado superados, no melhor momento do esquadrão em relação a rendimento e claro, não podemos esquecer, sem perder nenhuma partida. Contudo, o retrospecto na Sul-Americana nos jogos entre brasileiros e argentinos jogava contra o colorado.

Entre 2002 e 2007, o confronto entre as equipes dos dois países se repetiu por 34 ocasiões, com 14 vitórias argentinas, 11 vitórias brasileiras e 9 empates, até aí, nada de supremacia albiceleste, no entanto, quando mudamos este assunto para classificações o abismo surge entre os clubes de países rivais.

Nas 17 oportunidades em que se encontraram por uma vaga na próxima fase da Sul-Americana, os times da argentina levaram a melhor em 11 duelos, enquanto os brasileiros avançaram em apenas 6 confrontos.

Na contramão das estatísticas, o Internacional mostrou novamente sua força longe dos seus domínios. No Estádio Ciudad de La Plata, na Argentina, diante de um público de 35.000 pessoas, o colorado iniciou com o pé direito a decisão, aliás, com o pé esquerdo. O canhoto Alex marcou o gol solitário da partida que deu a vantagem para os comandados de Tite.

O Estádio Beira-Rio estava pronto para a apoteótica final, e as expectativas estavam altas sobre a conquista da Sul-Americana, já que bastava um empate para ser campeão. Outro fator que deixava confiante os 51.803 presentes no palco da decisão era a invencibilidade dentro de casa.

Porém, novamente, o duelo contrariou os números e aos 20 minutos do 2º tempo, Agustín Alayes abriu o placar para o Estudiantes e igualou o marcador no agregado. A derrota seguiu no tempo normal e encerrou a invencibilidade do colorado, mas não seria dessa vez que a tradição argentina seguiria no torneio.

Nilmar, aos 8 minutos do primeiro tempo da prorrogação, interrompeu a soberania albiceleste nas finais em que participou da Sul-Americana desde de 2004, e colocou o Internacional como o desbravador, ainda que por necessidade, da competição que antes era desprezada pelos clubes brasileiros e hoje é almejada por encurtar o caminho na direção da Libertadores da América com um troféu conquistado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Como citar

RAMOS, Marcos Vinicius Ferreira. O desbravador Colorado na Sul-Americana. Ludopédio, São Paulo, v. 160, n. 28, 2022.
Leia também:
  • 173.12

    É possível ser um torcedor sem se importar com o rival?

    Gustavo Andrada Bandeira
  • 167.18

    Um homem possível

    Gustavo Andrada Bandeira
  • 165.25

    Uma carreira e suas reviravoltas (e uma injustiça): Paulinho Wissmann

    Alexandre Fernandez Vaz