O Dia da Papoula na Premier League e a Memória de Conflitos (II): Iugoslávia
Dando sequência aos textos que discutem o “Poppy Day” (Dia da Papoula) na Premier League e a recusa de dois atletas a aderirem o símbolo em seus uniformes. NA primeira parte focamos no atleta James McClean que, atuando pelo West Bromwich na temporada de 2016/17, se recusou a usar a “poppy” rememorando os “The Troubles” na sua cidade natal, Derry. Nessa segunda parte, o alvo é o volante Nemanja Matic, um sérvio que atua pelo Manchester United. O atleta foi outro a recusar o uso da “poppy” em seu uniforme, desta vez rememorando a intervenção da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em seu país natal, a então Iugoslávia, na Guerra de Kosovo (1998/99).
Em seu Instagram, no dia 05 de novembro de 2018, Matic se pronunciou sobre sua escolha em não usar o símbolo, dizendo:
“Eu reconheço porque as pessoas usam papoulas, eu respeito totalmente o direito de todos de fazer isso e tenho total simpatia por qualquer pessoa que perdeu entes queridos devido ao conflito. No entanto, para mim, é apenas uma lembrança de um ataque que senti pessoalmente quando era um jovem assustado de 12 anos que morava em Vrelo, quando meu país foi devastado pelo bombardeio da Sérvia em 1999. Embora eu tenha feito isso anteriormente, refletindo, agora não acho que seja certo usar a papoula na minha camisa. Não quero menosprezar a papoula como símbolo de orgulho na Grã-Bretanha ou ofender ninguém, no entanto, somos todos produto de nossa própria educação e esta é uma escolha pessoal pelos motivos descritos. Espero que todos entendam minhas razões agora que as expliquei e posso me concentrar em ajudar a equipe nos jogos que temos pela frente”. (Tradução Nossa)
Com a recusa, o sérvio está confrontando um símbolo importante que tange a memória nacional inglesa. Segundo Pollak (1989, p.9) “a memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias.”, isso ressalta como um indivíduo que está fora das construções de memória de uma nação reage quando ele possuí uma visão diferente das que construíram a narrativa.
O conflito presenciado pelo jovem Matić e rememorado pelo então jogador fez parte de uma ofensiva da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contra a então Iugoslávia — país que, ao ser desmembrado, surgiria a Sérvia —, de Slobodan Milošević, em 1999. O momento era de conflitos no complexo território dos Balcãs, na Guerra de Kosovo, que queria se separar, ao passo que esse território era crucial para os iugoslavos. O aquecimento desse conflito se inicia com a morte de Josip Broz, Tito, que, segundo Dos Santos et al (2017) representou o processo de desunião étnica e uma série de conflitos nacionalistas em que se instauram os processos de independência de diversos países, e em 1998 é criado o ELK, ou Exército de Libertação de Kosovo, instaurando uma guerra civil que no já citado ano de 1999 teria intervenção da OTAN. De ambos os lados houveram massacres, acirrados ainda mais pela intervenção, sendo as mortes de cidadãos iugoslavos, cossovares, montenegrinos e sérvios. Estimativas do Human Rights Watch pontuam que na Sérvia, 201 pessoas morreram.
Referências
DOS SANTOS et al. “Intervenção da OTAN no Kosovo“. Fronteira, Belo Horizonte, v. 16, n. 32, 2º sem. 2017, p. 191-203. Acesso em: 09/11/2020.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, FGV, v. 2, n.3, 1989.