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O fim de um jejum: Com a ajuda da pé-quente Coligay, o Grêmio é o campeão gaúcho de 1977

Há 43 anos, neste mesmo 25 de setembro, o Grêmio encerrava um jejum de oito anos sem títulos. Para qualquer clube grande ficar muitos anos sem conquistas é um problema. Não importa que os adversários estivessem mais fortes, que o elenco estivesse sendo reestruturado, que o árbitro tenha falhado. O tempo vai passando e a cobrança da torcida só aumenta.

A última taça levantada pelo Grêmio era a do Campeonato Gaúcho de 1968. Na época, o clube era detentor da hegemonia local. A conquista representava o heptacampeonato estadual (1962-1968), que vinha logo após um pentacampeonato (1956-1960). Mas desde então, entrou em uma seca particular e ainda viu o arquirrival brilhar. Entre 1969 e 1976, o Internacional não apenas conquistou o inédito octacampeonato gaúcho, como foi bicampeão nacional, ao vencer a Copa Brasil de 1975 e 1976. O ano de 1977 começou para os tricolores sob essa pressão.

O Grêmio começou bem. Chegou para o primeiro clássico tendo vencido as cinco partidas disputadas pela competição. Mesmo assim, o histórico justificava que fosse o alvo das piadas. Em sua coluna no jornal gaúcho Zero Hora, o humorista Carlos Nobre zombou: “O pensamento do dia: ‘Sim, o Gre-Nal é a cachaça dos gaúchos, mas a pior ressaca só dá nos gremistas’” (NOBRE, 1977, p. 47). Mas Nobre queimou a língua e quem acordou de cabeça quente após o confronto foram os colorados, que perderam de 3 a 0. Talvez já tenha sido efeito da Coligay, torcida que adiante ganharia o rótulo de pé-quente e havia estreado uma semana antes, na partida contra o Santa Cruz, na qual o Grêmio também saiu vitorioso.

O mau momento do clube serviu de estímulo para a criação da torcida, uma forma de ajudá-lo a sair dessa situação, conforme conta o líder do grupo, Volmar Santos: “O Grêmio há muitos anos não ganhava o campeonato e entrei dentro do estádio e vi que a torcida estava muito morna, achei que faltava ânimo para aquela torcida e aí me veio a ideia de formar uma torcida organizada” (SANTOS, 2015, p. 5).

Proprietário da Coliseu, uma boate gay de Porto Alegre, mobilizou frequentadores/as da casa para formar o grupo. Também confeccionaram bandeiras e roupas extravagantes e contrataram uma charanga. Queriam ser uma torcida marcante e diferente. Chamaram atenção não apenas por isso. Seu apoio constante e animação é até hoje enfatizado por jornalistas e torcedores/as.

Contando com o novo apoio, o Grêmio seguiu com um bom desempenho no estadual. O mesmo fez o Internacional. E a última partida da fase final foi entre as duas equipes no Beira-Rio.

Na ocasião, a Coligay foi convidada para desfilar em campo, antes da partida. Para Volmar, o gesto tinha o intuito de debochar deles/as e do Grêmio. De todo modo, aceitaram e aproveitaram a oportunidade para se destacar, com charanga, perucas, plumas e paetês (COLIGAY…, 1977). Também foram confeccionadas uma série de faixas com dizeres que incentivavam a paz e o respeito, entre os quais: “Esporte é para todos, O mais importante é cultivar amigos, A Coligay saúda a Camisa 12 e toda a torcida colorada, A Coligay saúda Eurico Lara, Força Azul e os 74 anos de glória do nosso Grêmio” (NO COMEÇO…, 1977, p. 48). Apesar das mensagens, no momento do desfile, a rivalidade preponderou e vaias e xingamentos partiram do lado colorado da arquibancada, enquanto aplausos vieram da parte do estádio ocupada pelos tricolores (ibidem).

Com a bola rolando, o Grêmio venceu, o que fez com que os dois rivais terminassem aquela fase com o mesmo número de pontos, levando-os a uma partida extra pela disputa do título. O jogo derradeiro aconteceu no dia 25 de setembro. Para o Grêmio, que jogava em casa, bastava uma vitória para sagrar-se campeão, pois tinha obtido vantagem por ter vencido o rival na fase final. Ao Internacional, restava a esperança de impor um novo jogo, para isso precisando vencer o duelo no Olímpico.

A Coligay, prestes a viver sua primeira disputa junto ao clube, realizou um pedágio, nomeado de “pedágio da vitória”, a fim de recolher contribuições para promover uma grande festa no caso de alcançarem o título. Na esquina das avenidas João Pessoa e Venâncio Aires, vestidos com seus famosos kaftas, encheram o lugar com bandeiras, levaram a charanga e paravam os carros pedindo doações (TORCIDA, 1977, p.42).

No dia do jogo, chegaram cedo para aguardar a abertura dos portões, vindo direto da boate, onde passaram a noite se divertindo (AS TORCIDAS…, 1977; TORCIDA, 1977).

Coligay com suas bandeiras, na arquibancada do Estádio Olímpico, na final do Campeonato Gaúcho de 1977, entre Grêmio e Internacional. Fonte: Zero Hora (1977).

O jogo envolveu muitas emoções. Aos 22 minutos de jogo, foi marcado um pênalti a favor do Grêmio. O atacante Tarciso, batedor oficial e com boa média de acertos, lançou a bola por cima do travessão mantendo o empate sem gols. Mas não tardou para o placar ser inaugurado. Em um embate de ânimos cada vez mais exaltados, aos 42 minutos, ainda no primeiro tempo de jogo, o atacante André Catimba fez a festa dos/as gremistas. O momento tornou-se ainda mais memorável pois, na comemoração, o jogador tentou executar um salto mortal, mas interrompeu o movimento de impulsão ao sentir uma distensão muscular, caindo de forma desajeitada. Com a aproximação do fim da partida, a torcida tricolor não conteve a comemoração do título, pulando das arquibancadas e ocupando o campo. Trinta minutos passados da invasão, sem condições de retomar o jogo, o árbitro declarou seu encerramento.

Em mais uma evidência da especial relevância desse título, no dia seguinte, o Zero Hora dedicou uma das matérias do conjunto dedicado à conquista do estadual para retratar as oito edições que a antecederam. Intitulada “Sofrimento”, narrava brevemente cada uma das derrotas para o arquirrival.

Também na edição seguinte à partida, o jornal reservou uma página inteira para tratar da história da constituição da nova torcida gremista que, desde o início do Campeonato, chamava a atenção dos/as frequentadores/as do Estádio Olímpico: a Coligay.

Aquele estadual abriu os caminhos para a conquista do Campeonato Brasileiro de 1981 e da Libertadores e do Mundial, em 1983. Mas mesmo sem saber as grandes glórias que os aguardavam, a torcida estava em absoluto êxtase. O jejum estava encerrado: o Grêmio era o novo campeão. E com a ajuda da pé-quente Coligay.

Capa do jornal Zero Hora do dia 26 de setembro de 1977. Fonte: Zero Hora (1977).

 

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Referências

AS TORCIDAS: Chinelos, laranjadas, gritos e bandeiras: Olímpico lotado. Folha da Manhã, Porto Alegre, p.44, 26 set. 1977.

COLIGAY invade. Zero Hora, Porto Alegre, p.34, 19 set. 1977.

NO COMEÇO, o azul no beira-Rio. Zero Hora, Porto Alegre, p.48, 19 set. 1977.

NOBRE, Carlos. Sem título. Zero Hora, Porto Alegre, p.47, 13 abr. 1977.

SANTOS, Volmar. Depoimento de Volmar Santos: Projeto Garimpando Memórias. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEFID/UFRGS, 2015a.

TORCIDA: Coligay: história e pedágio da vitória. Zero Hora, Porto Alegre, p.42, 26 set. 1977.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luiza Aguiar dos Anjos

Atleticana, boleira, professora e pesquisadora. Interessada principalmente nas existências invisibilizadas nas arquibancadas e campos.

Como citar

ANJOS, Luiza Aguiar dos. O fim de um jejum: Com a ajuda da pé-quente Coligay, o Grêmio é o campeão gaúcho de 1977. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 57, 2020.
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