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O fim do partido neonazista Aurora Dourada e o futebol grego

No último mês de outubro, o partido de extrema-direita, aliás, o partido neonazista Aurora Dourada foi excluído oficialmente do cenário político grego. Sim, eu sei que devem estar se perguntando o que uma coluna sobre futebol e extrema-direita tem a falar sobre o caso e, sim, eu sei que devem estar se perguntando lá no fundo “vai enfiar futebol em tudo?” Sim, o futebol como uma manifestação cultural – uma das mais marcantes do mundo moderno – está em tudo. Agora, se quiser ver um pouco da relação do futebol com o partido Aurora Dourada, continue a leitura.

A Grécia é um dos “países do futebol”, não há dúvidas disso. É só ver a forma como se comportam nos estádios, logo, é fácil compreender como o futebol participa da vida dos gregos.

Um ponto importante a se destacar é que no futebol grego, as equipes e, especialmente, as torcidas têm uma peculiaridade, a utilização deste por parte da extrema-direita é algo quase inexistente. O que é peculiar, pois na medida que em seus vizinhos o uso é bem corriqueiro tanto nos Balcãs – foco dos próximos textos –, no Leste Europeu de um modo geral e, claro, na Itália. Aliás, bem pelo contrário, grande parte das torcidas, pelo menos na maioria de suas frações, é tratada como organizações mais à esquerda. O AEK de Atenas, por exemplo, é comumente tratado como um time ligado a ideais anarquistas e com torcidas próximas a essa orientação. É comum ver nos estádios a expressão “amor ao clube e ódio à pátria”.

Durante os protestos em 2015 em torno do plebiscito que trouxe a população grega para participar diretamente da decisão de se sujeitar ou não aos vetos da União Europeia, um massivo apoio dos ultras locais pelo “não” foi visto. O apoio ao “não” fora expresso nas páginas oficiais, em faixas nos estádios e em espaços públicos. A campanha pelo “não” veio de diversos locais, desde os tradicionais AEK e PAOK, aos clubes com grandes torcidas como o Iraklis Thessaloniki, e também de equipes locais dos subúrbios atenienses como o Atromitos e Panionios. Além disso, a torcida organizada de um dos times mais populares do país, o Panathinaikos, apoiou o “não” com a exibição de faixas no estádio e em sua sede administrativa. O “não” venceu com 61%.

Obviamente ninguém está aqui defendendo que não existam extremistas de direita espalhados nas torcidas gregas e que também não possuam choques com a maioria progressista. O partido neonazista Aurora Dourada se aproveitava disso para conseguir adeptos, sendo um de seus principais focos de aliciamento as torcidas de futebol e basquete, em especial entre os ultras, como aponta Daniel Trilling (2020).

O Aurora Dourada foi fundado em 1985 e, como explica Michael Löwy (2015, p. 653-654), compõe um grupo de partidos abertamente fascistas e neonazistas. Sendo estes partidos: o Aurora Dourada, da Grécia; o Jobbik, da Hungria; o Setor Direito, da Ucrânia e o Partido Nacional Democrata, na Alemanha, sendo os partidos mais extremistas entre as diversas variações da extrema-direita europeia. Durante sua existência, não contou com uma popularidade significativa, entretanto, como afirma Löwy, está entre os partidos mais radicais da Europa.

O emblemático caso do meia Giorgos Katidis do AEK comemorando um gol com saudação fascista em 2013 causou desconforto em toda a Grécia, explicitando a memória do período da Segunda Guerra Mundial, em que milhares de gregos morreram lutando contra a expansão da Itália fascista. O meia foi prontamente banido da seleção de seu país e não voltou a vestir a camisa do clube que contou com enorme pressão dos ultras da equipe. Curiosamente, ou não, se transferiu para o Novara, da Itália, após o caso. Importante destacar que o Aurora Dourada prontamente usou o caso, defendendo o jogador, que, por sua vez, negou ser racista ou fascista. O que não mudou o tom das defesas do partido neonazista.

Como apontado por Daniel Trilling (2020), o partido usou o futebol para recrutar seus membros, especialmente entre os mais jovens, desde sua fundação. Tal prática, a de recrutamento foi uma constante no interior do partido, sendo basicamente uma tradição em sua estratégia de aliciamento.

O Aurora Dourada ganhou notoriedade nos anos 2000 especialmente com a crise econômica que assolou a Grécia. Com políticas contrárias à UE e xenófobas, explicitando o radicalismo do partido que apresentava como uma de suas mais marcantes características uma aberta devoção por Adolf Hitler e pelas ideologias nazistas.

Bandeira do Aurora Dourada. Foto: Wikipedia.

Em 18 de setembro de 2013, um assassinato expôs a necessidade de combate ao Aurora Dourada, Pavlos Fyssas foi atingido no peito por um golpe de faca, seu agressor deixou-o sangrar até a morte na calçada. Giorgos Roupakias, um membro do partido neonazista grego, voltou com calma para o carro e esperou ser preso.

Trilling (2020) expõe o diálogo entre Roupakias e os policiais: “Não me denuncie, sou um de vocês”, disse ele, segundo um policial que chegou ao local. “O que você quer dizer com você é policial?” perguntou o oficial. “Não, eu sou Aurora Dourada.” O agressor alegou que o assassinato era decorrente de uma briga de bar.

No início do mesmo ano, dois homens ligados ao Aurora Dourada haviam esfaqueado até a morte um homem paquistanês, Shehzad Luqman, nas ruas de Atenas. A diferença entre os dois assassinatos é que o de Fyssas foi amplamente divulgado pela imprensa grega e internacional causando uma comoção quase que instantânea.

A investigação do assassinato automaticamente se tornou uma investigação ao Aurora Dourada, resultando em um amplo processo criminal, sendo considerado o maior julgamento de nazistas desde Nuremberg, com mais de seis anos de processo e 450 sessões. Um total de 68 pessoas foram acusadas de dirigir ou pertencer à organização criminosa. Os réus, que incluem toda a liderança do Aurora Dourada, incluindo ex-parlamentares, foram acusados de dezenas de crimes adicionais, incluindo extorsão, tentativa de homicídio e porte de armas. O Aurora Dourada foi extinto em 7 de outubro de 2020.

Em se tratando do futebol há duas questões a se pontuar: 1) possivelmente, o Aurora Dourada, mesmo proibido, continuará usando as torcidas para aliciar simpatizantes; e 2) é possível que as torcidas sejam alvo para uma forma não oficial do partido neonazista. Tal como em todo o mundo o futebol grego não esteve salvo de neonazistas, mesmo com a Grécia tendo um histórico de resistência ao fascismo e as torcidas e os clubes tendo marcante características progressistas. O Aurora Dourada foi extinto, mas ele não acabou e nem a ideologia que o cerca. Que a Grécia, os gregos e os amantes do futebol naquele país fiquem atentos a isso.

Bibliografia

CAMUS, Jean-Yves. LEBOURG, Nicolas. Les droites extremes en Europe. Paris: Seuil, 2015.

LÖWY, Michael. “Conservadorismo e extrema direita na Europa e no Brasil”. In: Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 124, p. 652-664, out./dez. 2015, p. 652-664.

TRILLING, Daniel. Golden Dawn: the rise and fall of Greece’s neo-Nazis. The Guardian, Londres, 03 Março 2020. 


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Makchwell Coimbra Narcizo

Doutor em História pela UFU, Graduado e Mestre em História pela UFG. Atualmente professor no IF Goiano - Campus Trindade. Desenvolve Estágio Pós-Doutoral na PUC Goiás. Membro do GEPAF (Grupo de Estudos e Pesquisa Aplicados ao Futebol - UFG). Coordenador do GT Direitas, História e Memória ANPUH-GO. Autor dos livros: A negação da Shoah e a História (2019); A extrema direita francesa em reconstrução - Marine Le Pen e a desdemonização do Front National [2011-2017] (2020) dentre outros... isso nas horas vagas, já que na maior parte do tempo está ocupado com o futebol... assistindo, falando, cornetando, pensando, refletindo, jogando (sic), se encantando e se decepcionando...

Como citar

NARCIZO, Makchwell Coimbra. O fim do partido neonazista Aurora Dourada e o futebol grego. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 43, 2020.
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