Nem um mês. Vinte e poucos dias após o tetra alemão, o fim da Copa, vivemos, a meu ver, um dos momentos mais difíceis da história do futebol brasileiro. O Maracanazzo foi um sonho ruim perto do pesadelo de 2014. A crise do fim dos anos 1980 e início dos 1990, ainda nos dava esperança com uma geração jovem talentosa e vitoriosa na base e os clubes em parcerias com grandes patrocinadores. Agora não. O fim do Mundial desvelou uma crise em todos os sentidos. Das questões técnicas dos jogadores ao financeiro dos times.

E as decisões tomadas pela CBF? Para uma seleção que sofreu com questões psicológicas, o técnico que ficou marcado pelo nervosismo em 2010. Para coordenação, um agente de jogadores. Fica uma desconfiança da qualidade e lisura do trabalho. Afasta o torcedor.

Gilmar Rinaldi, o novo coordenador da seleção brasileira. Foto: Bruno Domingos – Mowa Press.

Se olharmos para a situação dos clubes, ainda mais preocupação. Dívidas milionárias. Vejamos o Botafogo, por exemplo. Um grande do país envolto em um momento de preocupação. Ameaça de não jogar. Realidade de não pagar. Fraudes. E não é só ele. Administrações a beira do caos. Em campo, jogos ruins, pouca qualidade técnica. Pela primeira vez em 23 anos, o país não colocou uma equipe entre os semifinalistas da Libertadores. Os times brasileiros perderam espaço até no virtual, estão fora do jogo Fifa 2015.

Uma crise de cuidado com os novos jogadores, a ligação com empresários, os “clubes empresas” que só visam o lucro, queimam a geração. Muito se diz sobre safra. Se colhermos muito, antes do período certo, esgotamos a lavoura. Aí, Adrianos vão se perder com a fama repentina. Ronaldinhos vão desanimar antes do prazo diante de tanta riqueza. Brunos e Brenos vão se achar acima do bem e do mal. Rússias, Ucrânias e Arábias levarão nossos meninos para um calabouço de esquecimento. Serão 16 anos sem títulos de Copa até a Rússia.

E a imprensa? Críticas veladas, mas nada que nos acorde para a real situação. Talvez não seja isso que queiramos ler, ouvir. Repare nas reportagens mais lidas dos sites de notícias. Tem mais cara de fofoca do que jornalismo. Esporte é entretenimento, mas não só.

Talvez a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte seja uma luz. A chance de deixarmos as administrações amadoras para trás. De punir quem não cumpre com o que deve. Seria um começo. Mas a chacoalhada que o futebol brasileiro precisa, não vem só daí. O poço é fundo, mas tem saída. Basta que os responsáveis queiram.

Esse texto foi originalmente publicado no blog Comunicação, Esporte e Cultura e cedido para publicação nesse espaço.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Chico Brinati

Professor de Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Pós-doutor em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Como jornalista, atuou como produtor e editor na TV Integração, afiliada Rede Globo em Juiz de Fora-MG. Foi repórter de campo e plantonista da Rádio Panorama FM. Escreveu a coluna "Caneladas & Canetadas" no jornal "JF Hoje". Autor do livro "Maracanazo e Mineiratzen: Imprensa e Representação da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1950 e 2014".

Como citar

BRINATI, Chico. O fundo do poço. Ludopédio, São Paulo, v. 62, n. 5, 2014.
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