O futebol e as falácias argumentativas – parte 2: uma lista
No mês passado (como você pode ler aqui), apresentei a introdução a este texto, que se propõe a ilustrar o funcionamento das falácias argumentativas — mas usando, para isso, o futebol como mote. Abaixo, sem mais demora, começo a apresentar a lista de falácias que afirmei ter colecionado, explicando-as.
Rapidamente, uma definição do que sejam falácias argumentativas: elas são recursos retóricos hipócritas que – hoje, talvez mais do que nunca – usamos com o intuito de vencer debates, quando na verdade deveríamos estar buscando nos aprimorar por meio deles e do contato que eles nos propiciam com a alteridade.
Bem, todas as falácias aqui reunidas são ilustradas por meio de diálogos entre torcedores do Mambueira, do Juvenília, do Coxeia e do Braguilha, quatro dos tantos times que participam do mais interessante campeonato jamais disputado em toda a história (ou seja, o meu campeonato imaginado). Às falácias, portanto.
- O SILOGISMO INTERESSADO
Nesta falácia argumentativa, a estratégia é escolher arbitrariamente duas premissas, supor que existe uma relação entre elas, tomar essa relação como absoluta e, a partir daí, chegar a uma inferência que “prova” o próprio ponto.
— Meu Mambueira é de longe o melhor time da nossa liga.
— Qual o quê! Se o meu Juvenília é o líder do campeonato!
— E isso importa? Importa é que sapecamos quatro a zero no Braguilha. Qua-tro. E o Braguilha, vamos lá, o Braguilha meteu o quê? O Braguilha meteu nada menos que cinco no seu Juvenília. Cin-co! Quem é que perde de cinco para o Braguilha?! Quem, meu Deus?! Então assim: é óbvio que o Mambueira é mais time que o Juvenília…
Naturalmente, o segredo para o funcionamento dessa falácia é a escolha que se faz das premissas que se vai usar. Por exemplo: considere que o Mambueira tenha tomado um vareio do Coxeia nessa mesma temporada (o mesmo Coxeia que, uma semana antes, perdeu de três para o Juve). Nesse sentido, o segredo para o hipócrita torcedor do Mambueira vencer o debate em sua falaciosa postura intelectual é, absolutamente, nunca tocar no nome do Coxeia na hora de fazer os seus estratégicos silogismos.
- AD HOMINEM
Esta modalidade argumentativa está inclusive dicionarizada. O Houaiss a explica assim: “Argumento em que se usam as próprias palavras do adversário para contestá-lo”[1]. Contudo, no uso do AD HOMINEM como falácia, é feito um deslocamento: em vez de se atacar o argumento do adversário, ataca-se o próprio adversário, de forma a gerar dúvida sobre o seu caráter e desconfiança sobre o seu lugar de fala. O objetivo é claro: colocar em dúvida, por consequência, os seus argumentos, mas sem que para isso seja necessário combater tais argumentos diretamente, ou mesmo apresentar um argumento próprio convincente.
É o que se pode ver no que diz o torcedor do meu querido Mambueira, em resposta ao torcedor do líder Juvenília:
— E quem é você para me dizer qual é e qual não é o melhor time do campeonato? Se você nem gosta de ir ao campo! Ou então me diz: a quantos jogos do Juvenília você foi neste ano? Três? Quatro? Afe! Se eu fui a todos os jogos do meu Mambueira! To-dos. Ah, cala a boca. Você nem gosta de futebol.
Na estratégia desta falácia argumentativa, trabalha-se na expectativa de, desmoralizando o lugar de fala do adversário, desmobilizar, por consequência, o seu argumento.
— Porque vocês, torcedores do Juvenília, são absolutamente ridículos. Se perigar, é capaz de eu ter assistido a mais jogos do seu time que você. E ainda querem opinar sobre qual elenco é melhor…
- A FUTUROLOGIA
Aqui, a falácia argumentativa se dá em dois lances. No primeiro, refuta-se a realidade: o macete é sugerir o presente como um acaso excêntrico, um ponto fora da curva, uma discrepância em relação ao bom senso e a uma arrojada lógica (ai…) atemporal. E aí vem o segundo lance, uma jogada de mestre: colocado o presente em seu lugar de desimportância, faz-se o prognóstico de como, no longo prazo, a “verdadeira realidade” se revelará.
— Olha, não tem discussão: meu Mambueira é claramente o melhor time da nossa liga.
— Cara, eu nem sei mais como te dizer. Sério mesmo, velho. Se o meu Juve é o líder; se temos mais pontos; se ganhamos mais jogos; se nosso saldo é melhor! Pois como, então?! Não sei mais o que te dizer, cara.
— Cara, eu não vou discutir com você. Você precisa estudar mais futebol. Vai estudar, cara. Vai estudar. Ou melhor, deixa o campeonato acabar e a gente conversa. Porque é o seguinte: esse seu Juve? Ridículo. É só isso, entende? É ridículo. Simples assim. Olha… Cê já ouviu a história do elefante em cima da árvore? Então: essa é a história do seu Juve. Na história, a gente olha o elefante em cima da árvore e não sabe dizer como ele foi parar lá, não é mesmo? Então. Esse o seu Juvenília. Ninguém sabe como ele foi parar lá, mas de uma coisa todo mundo sabe: não demora para ele cair. Porque é um elefante em cima de uma árvore, né. Então assim. Não demora. É só esperar… Olha, quando chegar o fim do campeonato a gente conversa. Afe, ridículo.
O curioso desta falácia é que, por mais ridícula que seja a construção do argumento, o sujeito o profere e segue realmente convencido de que provou um ponto. No que chega o final da temporada e o Juvenília acaba levando o título, como seria de se esperar, o mambueirense ainda assim resiste inabalável, e não tarda mesmo em dizer:
— Gente, mas vocês são sortudos demais! Porque… você viu os resultados? Só vitória apertada!, placar de meio a zero… Ai, Ai. Time horrível esse seu, viu. Olha, pode cravar: na temporada que vem esse seu Juvenília cai. Não tem outra: cai. Cai mas que cai e é sem jeito. Ai, ai. Time ridículo.
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A lista de falácias continua no mês que vem.
[1] HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 3.0. Objetiva, 2009.