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O Futebol e as Quedas: fotografia de um jogo

Em tempos de ressaca da Copa do Mundo de Futebol, ainda estão frescas as muitas lembranças dos jogos realizados em diferentes campos dos estádios na Rússia. Várias seleções se apresentaram com lances e jogadas que empolgaram torcedores e torcedoras mundo afora.

Entre os dias 14 de junho (abertura) e 15 de julho (final), o futebol masculino obteve ainda mais visibilidade no panorama esportivo. Dentro e fora de campo, a cobertura jornalística nos apresentou informações diversas, tais como: a história de vida de jogadores; os diferentes ângulos de uma mesma jogada, em que programas esportivos debateram inclusive a estreia do árbitro de vídeo na Copa; os preparativos técnicos antes e após os jogos; a alegria e a tristeza das torcidas; e também a festa do encontro de diferentes culturas pelas ruas e estádios das cidades-sede, destacando inclusive, algumas imagens de desrespeito a algumas torcedoras – um exemplo é o vídeo que viralizou nas redes socias, de um grupo de homens brasileiros que se aproximaram de uma mulher russa e cantaram uma música ofensiva[1].

Entre o pontapé inicial no jogo de estreia – Rússia 5 x 0 Arábia Saudita – e o jogo da final, em que a França venceu a Croácia pelo placar de 4×2, conquistando a Taça Fifa e alcançando o bicampeonato, identifico que tivemos diferentes expectativas e experimentamos sentimentos variados. Nós, brasileiros e brasileiras, querendo ou não acompanhar o mundo futebolístico, de algum modo somos impactados em nossa rotina, em especial durante os dias de jogos da seleção brasileira.

Carregado de sentidos e significados variados, vivenciados dentro das quatro linhas, mas também fora dela, o futebol pode oferecer diferentes perspectivas e possibilidades de mobilizar as pessoas. Para alguns e algumas, pode ser paixão! Para outro(a)s, um negócio. Há também aquelas pessoas que o tomam como uma brincadeira, na “pelada da rua”, no recreio da escola ou no jogo virtual, em que vence a rodada quem escalar o seu time e conquistar as melhores pontuações com seus craques que “mitam”[2].

Trazendo a nossa conversa para dentro das quatro linhas, penso que tal qual os jogadores e as jogadoras do meio de campo, que transitam com relativa facilidade entre o ataque e a defesa, também é possível pensar o futebol como uma modalidade esportiva em que podemos transitar entre diferentes sentimentos e sensações. Nesse jogo, podem surgir também diferentes interesses e possibilidades. Pode ser um fator de aproximação ou de distanciamento das pessoas.

Seja como espectador(a) ou praticante, por trabalho ou por lazer, dentro ou fora das quatro linhas, ou em diferentes campos (várzea, piso sintético ou, inclusive, no de estudos), podemos concordar que o futebol é um elemento que mobiliza pessoas e recursos. Mesmo que haja pessoas que consigam ficar alheias a esse admirável (e por vezes, insano) mundo de paixões, negócios e brincadeiras.

Gosto do jogo e das emoções que ele pode mobilizar em mim e em outras pessoas. Gosto, em especial, quando o time do coração alcança o gol e a vitória. Imagina então quando conquista aquele título tão sonhado? A emoção é muito grande! De tão grande que é, quando estamos comemorando no estádio ou em grandes aglomerações de torcedores(as), vibramos e abraçamos pessoas que não conhecemos, como se fossem grandes amigos.

Essa emoção é antagônica, comportando também a tristeza: das sofridas derrotas; do gol que quase saiu naquela bola que bateu na trave e não tirou o placar do 0x0; do pênalti perdido, que, caso fosse convertido, poderia ter garantido o tão sonhado título; e tem ainda o sofrimento coletivo, presente na decepção daquela torcida que vê seu time do coração sendo rebaixado da série A para a série B do campeonato nacional. E penso que, nessas horas, é bem provável que haja torcida dizendo por aí: “- Bem que o Papai Noel poderia existir para realizar o nosso pedido de misericórdia e tirar o nosso time da segunda divisão!”

É isso, o jogo é feito de empates, de vitórias e também de derrotas.

Mas, o jogo é muito mais do que o resultado final. Ele é a somatória do que acontece em 90 minutos. Aliás, o futebol vai além desse tempo que, por muitas vezes, as transmissões de rádio, TV e a internet nos apresenta. Ele está no cotidiano dos treinamentos dos grandes, médios e pequenos times. Mas também está na invisibilidade de pequenos grandes times de garotos e garotas, que, ainda que não tenham a visibilidade da mídia, são visíveis nos campos de várzea, nas quadras de praças e nas ruas da cidade.

Tenho acompanhando nos últimos anos algumas ações da Prefeitura de Belo Horizonte envolvendo crianças e adolescentes, em campos de várzea e em quadras localizadas na regional Norte de Belo Horizonte.

Ali também vi brotar, tal qual a vegetação que parece escassa em alguns campos de várzea, muitos lances bonitos e de uma plasticidade ímpar, posicionamentos, sensações e sentimentos, muitas vezes, antagônicos: felicidade e tristeza; euforia e desânimo; ansiedade e calma; coletividade e individualidade; paixão e ódio; fartura e escassez.

E também vi, nos últimos meses, a influência que os jogadores na Copa do Mundo podem exercer no modo de jogar dos garotos da várzea.

No decorrer do mês de junho e julho, paralelo à realização da Copa do Mundo, o time infantil de futebol de campo de um dos núcleos que acompanho participou da Copa Centenário de Futebol Amador Wadson Lima[3]. Foi interessante perceber, durante a competição, como alguns garotos evidenciaram a repetição de gestos e atitudes de jogadores, tanto da seleção brasileira quanto de outras seleções. Copiavam os gestos de seus jogadores favoritos quando erravam um chute; comemoravam uma situação do jogo de modo similar aos jogadores das seleções; e em dois jogos, um dos atacantes do nosso time começou a se jogar em algumas divididas de bola (sendo inclusive xingado pela torcida adversária de Neymar cai, cai).

Mas, qual o problema de um jogador de futebol cair durante o jogo? Olha, sou suspeita para dizer porque a queda foi a motivação inicial para a escrita desse texto. Dizendo mais especificamente: a queda de um de nossos jogadores durante uma partida da fase classificatória da Copa Centenário foi a inspiração para uma foto. E, posteriormente, contemplando a foto e refletindo sobre a garra desse garoto e o cair do Neymar, pensei em compartilhar nesse texto, a imagem e algumas ideias sobre o futebol. Parte das ideias já foram apresentadas. Segue agora, a imagem:

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Patrick, jogador da categoria Infantil do São Bernardo E. C./Esporte Esperança, após a vitória de sua equipe no jogo com o A. A. Tupinense, no Campo Operário. Foto: Luciana Cirino.

Pois bem, se por um lado a queda pode ser entendida por jogadores(as) e torcedores(as) como uma atitude prejudicial ao bom desenvolvimento do jogo – em especial quando parece que é uma simulação -, compreendo que, por outro lado, essa é uma situação, muitas vezes, necessária e que valoriza o jogo. E, por que não, o jogador?

A valorização do futebol foi o que aconteceu durante o jogo entre o São Bernardo/Esporte Esperança e o Tupinense. Os garotos dos dois times se entregaram até os últimos segundos da bola rolando, tornando ainda maior a tensão para os dois lados.

E, em um lance de entrega à poeira do campo, o jogador Patrick dividiu corajosamente a bola com um garoto do outro time, no meio-campo, impedindo que o ataque adversário avançasse. Isso, já próximo aos minutos finais da partida.

Ali levantou-se uma das coisas mais belas que existe para mim na várzea: a poeira durante o jogo! Como eu não estava planejando fotografar essa cena que me encantou, não poderei compartilhar aqui, em uma imagem, esse cenário. Mas poderão utilizar a própria imaginação para reconstituir o momento que acabei de descrever.

O árbitro encerrou o jogo e foi aquele alívio! O time se uniu em uma correria de felicidade pelo campo. E, durante a comemoração pela vitória suada, me deparei com o jogador que tinha dividido a bola no lance do carrinho, com o rosto cheio de terra e areia que estavam coladas em sua pele. Sugeri a ele que eu tirasse uma fotografia para preservar a memória daquele dia. Ele concordou. Nossas decisões foram acertadas!

E eis que agora lhes indico minhas reflexões sobre as quedas no futebol: nem toda queda é ruim. Que nos valha a imagem desse garoto, que quase parece um jogador à milanesa!


[1] Leia algumas das reportagens a esse respeito: http://esporte.ig.com.br/futebol/copa-do-mundo-2018/2018-06-19/brasileiros-ofendem-russa.html (acesso em 03/08/2018) e https://www.otempo.com.br/superfc/v%C3%ADdeos-de-brasileiros-ensinando-russa-a-falar-sobre-sua-genit%C3%A1lia-geram-pol%C3%AAmica-1.1858054 (acesso em 03/08/2018).

[2] O Cartola FC é um jogo em que é possível montar um time de futebol e criar ligas para competir com outros jogadore(a)s. A expressão “mitar” é muito utilizada por jogadores e jogadoras desse fantasy game para expressar o ótimo desempenho de um jogador escalado no time virtual. Leia mais sobre o Cartola FC em: https://www.cartolafcbrasil.com.br/tutoriais/7/como-funciona-o-sistema-de-pontuacao-do-cartola-fc (acesso em 03/08/2018).

[3] Para saber mais sobre a Copa Centenário, acessar: https://prefeitura.pbh.gov.br/copa-centenario (acesso em 7/7/2018).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luciana Cirino

Integrante do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA), da UFMG.

Como citar

COSTA, Luciana Cirino Lages Rodrigues. O Futebol e as Quedas: fotografia de um jogo. Ludopédio, São Paulo, v. 110, n. 11, 2018.
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