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O futebol nos Jogos Bolivarianos de 1938: primórdios da seleção colombiana

Eduardo de Souza Gomes 19 de junho de 2019

A seleção colombiana de futebol masculino tem recebido destaque da mídia internacional nos últimos anos. Com boas campanhas nas últimas duas Copas do Mundo, tal como jogadores de renome mundial (como James Rodríguez e Falcão Garcia), os colombianos vivenciam nessa década um dos melhores momentos enquanto torcedores do selecionado nacional.

Seleção colombiana de futebol masculino que disputou a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. Foto: Divulgação/Colômbia.

Antes do cenário atual, a geração mais vitoriosa da seleção colombiana foi a dos anos 1990, com nomes como Valderrama, Higuita, Rincón, Andrés Escobar, Asprilla, Aristizabal, entre outros. Boa parte desses atletas começaram a se destacar ainda na década de 1980 (quando pela primeira vez um clube do país venceu a Libertadores da América, com o Atlético Nacional em 1989), tendo a Colômbia engatado pela primeira vez a disputa de três Copas do Mundo seguidas (1990, 1994 e 1998), além de uma emblemática goleada contra a Argentina em 1993 por 5×0, em pleno Monumental de Nuñez. Esse ciclo foi encerrado com o título da Copa América em 2001, jogando em casa, sendo essa a única conquista do país em competições oficiais de futebol masculino até hoje.

Seleção colombiana de futebol masculino que disputou a Copa do Mundo de 1990, na Itália. Foto: Wikipedia.

Mas, antes do auge vivenciado na atualidade e nos anos 1990, se faz possível perguntar: quando se iniciou o percurso da seleção colombiana de futebol masculino? Neste post de hoje, abordarei algumas questões relacionadas a essa temática, notadamente acerca da presença do futebol nos Jogos Bolivarianos de 1938, que foi uma das primeiras competições oficiais onde a Colômbia enviou uma equipe de futebol.

Historicamente, o país só veio a formar um selecionado nacional que fosse entendido como “oficial” no início de 1938. Sua primeira partida ocorreu em fevereiro desse mesmo ano, no âmbito dos Jogos Centro-Americanos e do Caribe, um dos eventos que serviram como modelo para a construção dos primeiros Jogos Bolivarianos, inaugurados em agosto na cidade de Bogotá.

No Sul-Americano de seleções (atual Copa América), a Colômbia só viria a fazer sua estreia em 1945, sendo a penúltima das dez seleções atualmente filiadas à Conmebol a iniciarem sua participação na competição continental mais importante da América do Sul (a última, foi a seleção da Venezuela, que estreou no Sul-Americano apenas em 1967, oito anos antes da mudança de nome da competição, que desde então passou a ser conhecida como Copa América).

Esse cenário só explicita o quanto o futebol do país na década de 1930 se encontrava em um contexto ainda incipiente no âmbito internacional, tendo essa situação se modificado paulatinamente apenas após seu processo de profissionalização, iniciado em 1948.

A partir de 1936, além da Conmebol, o país passou a ser filiado também à FIFA. Isso possibilitou a idealização e consequente formação de uma equipe. A estreia do selecionado de futebol colombiano se deu em 10 de fevereiro de 1938, em uma derrota por 3×1 para o México, no âmbito dos já citados Jogos Centro-americanos e do Caribe. Mesmo com a derrota, essa partida marcou o início da trajetória do país no futebol de seleções.

No âmbito dos Jogos Bolivarianos de 1938 em Bogotá, e tendo como fontes alguns periódicos do período, é válido ressaltar que já no final de julho desse mesmo ano, se faz possível encontrar algumas referências à competição de futebol que viria a ocorrer no âmbito desse evento, sendo destacado inclusive o sorteio que formou posteriormente os confrontos do certame:

Com a assistência de todos os capitães das equipes de futebol que participarão dos Jogos Bolivarianos, se celebrará na segunda-feira às três da tarde uma importante reunião, durante a qual se farão os sorteios para a ordem dos eventos em questão.

A essa reunião assistirão, ademais, o árbitro mexicano contratado pelo governo nacional, senhor Esteban Tejada, o presidente da Liga de Fútbol de Cundinamarca e o presidente do Comitê Olímpico Nacional.

Este sorteio tem grande importância, pois dele sairá o programa definitivo dos encontros de futebol com a ordem em que haverão de participar as diversas equipes. (El Espectador, 30 jul. 1938, p. 6, tradução nossa).

A partida que inaugurou o evento de futebol no âmbito dos jogos, foi um jogo entre Colômbia e Peru. Tendo os dois países passado por um conflito bélico entre 1932-34, por disputas de fronteira, mas que desde a Olimpíada de 1936 em Berlim haviam sinalizado uma reaproximação diplomática, tal jogo inicial se explicitou como emblemático para inaugurar o evento. A grande recepção recebida pela delegação peruana deu o tom diplomático que a partida se inseriu. Todavia, algumas confusões marcaram a realização do jogo até que o mesmo ocorresse.

Marcado inicialmente para ocorrer em 08 de agosto de 1938, a partida inaugural do torneio de futebol movimentou opiniões na imprensa e na sociedade como um todo. Em El Espectador, foi destacado que “todos os amantes do futebol bogotano estão hoje pendentes do encontro entre Colombia x Peru, que terá lugar […] no campo da Ciudad Unviersitaria, e com o qual se iniciará o torneio desse esporte nos Jogos Bolivarianos.” (El Espectador, 02 ago. 1938, p. 5, tradução nossa).

As apostas para a partida eram que o Peru saísse vencedor. Até mesmo entre os dirigentes colombianos, era apontado o Peru não só como favorito desse jogo, mas de todo o torneio de futebol, por ser a seleção mais antiga e desenvolvida dentre todas as que participariam do evento. Todavia, o que é importante notar, para além dos comentários acerca dos possíveis placares, são os discursos diplomáticos, presentes nas falas de alguns dos dirigentes mais importantes na organização dos Jogos Bolivarianos. O Coronel Leopoldo Piedrahita, organizador dos jogos, e Alfredo Gómez Vanegas, subdiretor de todo o evento, abordaram a partida desta maneira, respectivamente:

Coronel Leopoldo Piedrahita, diretor dos Jogos Bolivarianos:

Vamos ver jogar um bom futebol. Serão adversários nobres, e a satisfação do triunfo se repartirá entre vencedores e vencidos. Como colombiano e como diretor geral dos Jogos Bolivarianos, tenho plena segurança de que nossos compatriotas aclamarão constantemente aos próprios e a nossos galhardos irmãos.

Alfredo Gómez Vanegas, subdiretor dos Jogos Bolivarianos:

Ao menos podem abrir os jogos com um “prato forte” – falando em um jargão futebolístico –, que saberá despertar a afeição pelos jogos. O triunfo se repartirá por igual. O comitê organizador dos jogos espera ver demonstrada a tradicional cultura bogotana, nessa partida da próxima segunda-feira. (El Espectador, 02 ago. 1938, p. 5, tradução nossa).

Os olhares para a realização dessa partida foram muitos. E, também, foram abordados pela imprensa peruana e seus dirigentes. Como exemplo, destaca-se abaixo a fala de Alfredo Hohaguen Díez Canseco, presidente da embaixada peruana nos jogos. Mesmo sendo de conhecimento de todos que a seleção peruana era entendida como superior à colombiana, Díez Canseco não deixou de adotar um tom diplomático em seu discurso e aposta sobre a partida:

Pelas referências que tenho, sei que os colombianos estão em magníficas condições. Os jogadores de meu país não puderam se adaptar, todavia, a altura de Bogotá, porém considero daqui até segunda-feira há tempo suficiente. É natural que os jogadores do Peru sejam superiores aos colombianos, e podem ganhar, porém asseguro que de nenhuma maneira será um triunfo por um score muito alto. (El Espectador, 02 ago. 1938, p. 5, tradução nossa).

Os interesses mercadológicos na construção do espetáculo dos Jogos Bolivarianos, se fizeram notados quando foi debatida a possibilidade de modificar a data da partida entre Colômbia e Peru. Inicialmente agendada para o dia 08 de julho de 1938, às 10 horas da manhã, “várias empresas bancárias e particulares” (El Espectador, 03 ago. 1938, p. 3, tradução nossa) elaboraram uma petição para alterar o jogo para um dia antes, o domingo, sugerindo que fosse realizado ao meio-dia. Assim, se tornaria possível abarcar um número maior de espectadores e, naturalmente, também de consumidores.

Por fim, as forças do mercado prevaleceram, tendo o espetáculo inaugural do futebol nos jogos se iniciado no domingo, 07 de agosto de 1938. O resultado final da partida foi o esperado: vitória do Peru, com placar final de 4×2 (El Espectador, 08 ago. 1938, p. 3.). Todavia, como forma de destacar o emocionante confronto, algumas confusões ocorreram na partida e geraram não só a expulsão de atletas em campo como a invasão do mesmo por torcedores, quebrando um pouco do “olhar diplomático” proposto por todos antes do certame:

Quando <El Sapo> Mejía avançava com a bola, até a porteira peruana, Jorge Alcalde o interrompeu e agarrou o colombiano pela blusa, o fazendo rodar. Mejía se levantou e ambos trocaram alguns golpes, que provocaram que grande quantidade de público invadisse o campo, fazendo notórios protestos. O campo foi desocupado e os jogadores expulsos, e quando, todavia, se debatia o incidente, se abriu de novo o jogo. Instantes depois os espectadores lançaram estrondosos gritos. (El Espectador, 08 ago. 1938, p. 3, tradução nossa).

Estádio El Campín, sede histórica da seleção colombiana de futebol. Foto: Wikipedia.

 

A primeira vitória colombiana na competição, em uma vitória por 2×0 sobre a seleção da Venezuela em 12 de agosto de 1938, foi muito festejada (El Espectador, 13 ago. 1938, p. 1 e 6.) A postura de seu povo, incorporado na pele dos torcedores, tal como os discursos da pátria em seus grandes “palcos”, foram sempre exaltados.

Após a partida inaugural contra o Peru e a vitória contra a Venezuela, curiosamente, os jogos de futebol foram menos noticiados no âmbito da imprensa que cobriu o torneio nos Jogos Bolivarianos. Todavia, a cobertura sobre os palcos em que os jogos ocorriam, que eram os recém-criados estádios Ciudad Universitaria e El Campín, continuava sendo pautas importantes da imprensa colombiana. Mas esse, é tema para outro texto…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Edu Gomes

Historiador, professor e pesquisador do esporte. Doutor e mestre em História Comparada, com ênfase em História do Esporte, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com período sanduíche na Universidad de Antioquia (UdeA), Colômbia. Graduando em Educação Física (Claretiano). Atua como pesquisador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (UFRJ). Professor na Educação Superior e Básica. Editor e colunista de esportes do Jornal Toda Palavra (Niterói/RJ), além de atuar como repórter e comentarista da Rádio Esporte Metropolitano. Autor dos livros intitulados "A invenção do profissionalismo no futebol: tensões e efeitos no Rio de Janeiro (1933-1941) e na Colômbia (1948-1954)" (Ed. Appris, 2019) e "El Dorado: os efeitos do profissionalismo no futebol colombiano (1948-1951)" (Ed. Multifoco, 2014). Organizador da obra "Olhares para a profissionalização do futebol: análises plurais" (Ed. Multifoco, 2015), além de outros trabalhos relacionados à História do Esporte na América Latina.

Como citar

GOMES, Eduardo de Souza. O futebol nos Jogos Bolivarianos de 1938: primórdios da seleção colombiana. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 24, 2019.
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