145.37

O futebol olímpico e as disputas entre COI e FIFA

Copa Além da Copa 19 de julho de 2021

Antes de existir a Copa do Mundo, existiam as Olimpíadas. Aliás, a disputa de poder entre o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a FIFA é que fez com que surgisse um torneio especificamente voltado ao esporte mais popular do mundo.

Se nas primeiras Olimpíadas modernas, as de Atenas em 1896, o futebol sequer foi jogado, devido ao desinteresse na modalidade, ele logo ganhou destaque e começou a crescer, num processo de expansão irreversível.

Esse texto é complemento aos episódios 41 e 42 do podcast Copa Além da Copa. Para ouvir, clique aqui (a partir do meio e do final de julho de 2021, respectivamente).

Futebol olímpico 1912
Final do dos Jogos Olímpicos de Estocolmo 1912 entre Reino Unido e Dinamarca. Foto: Wikipédia

A ascensão do futebol

Os primeiros torneios olímpicos de futebol aconteceram nos Jogos de Paris, em 1900, e St. Louis, em 1904, ainda quando era um esporte de exibição – ou seja, sem disputa oficial. No entanto, o surgimento da FIFA justamente em 1904, na capital francesa, fez com que ela assumisse a organização do futebol olímpico em 1908 em Londres. Aliás, foi essa a primeira competição tocada pela entidade máxima do futebol.

A partir de então, o futebol foi integrado às Olimpíadas, com o título valendo medalha de ouro. Logo, porém, veio a Primeira Guerra Mundial, interrompendo o ciclo olímpico e, mais do que isso, deixando explícita a conexão entre os contextos político e esportivo. Nos Jogos de 1920, por exemplo, na cidade belga da Antuérpia, países derrotados na guerra, como Alemanha, Hungria e Império Otomano, deixaram de ser convidados.

Nas Olimpíadas seguintes, novamente em Paris, o futebol mostrou o quanto havia crescido em 24 anos: de um esporte secundário, passou a ser central, disputado em quatro estádios diferentes, sempre com grandes públicos. O fato de que o Uruguai, uma seleção sul-americana, tivesse conquistado a medalha de ouro mostrava o potencial global do esporte, que começava a ficar grande demais para o evento olímpico.

A partir desse momento, o COI e a FIFA se desentenderam sobre a participação de atletas amadores nos jogos. A ideia olímpica projetada pelo Barão de Coubertin, idealizador da competição, era que pudéssemos medir o homem que salta mais alto ou que corre mais rápido entre pessoas comuns, que não vivessem daquilo. Mas o futebol crescia, vários países já tinham federações profissionais e aquele era um movimento que não podia ser parado.

Por isso, depois das Olimpíadas de 1928, criou-se a Copa do Mundo em 1930 e o futebol ficou de fora dos Jogos de Los Angeles em 1932.

O domínio comunista

Após um retorno do futebol nas Olimpíadas de Berlim em 36, veio novamente uma guerra mundial que interrompeu o ciclo olímpico. Terminado o conflito, o mundo se viu dividido entre duas grandes esferas de influência, comandadas por EUA e União Soviética.

O futebol ainda marcava presença nos Jogos Olímpicos, mas a Copa do Mundo já estava consolidada e apenas amadores podiam participar do torneio olímpico. Depois de tanto tempo, a distância entre futebolistas amadores e profissionais era abissal.

Quem levou grande vantagem com isso foram as seleções de futebol de países comunistas: seus atletas eram funcionários do Estado. Em tese, não eram profissionais do esporte. Esses países então passaram a mandar suas seleções principais para as Olimpíadas, com jogadores experientes e de alto nível, contra os combinados dos outros países, normalmente compostos por jovens amadores.

Tudo isso resultou num domínio fora do comum pelos comunistas: entre 1948 e 1992, os países do leste europeu conquistaram 23 das 28 medalhas olímpicas do esporte. Grandes seleções do bloco comunista ascenderam neste período, como é o caso dos “Mágicos Magiares”, a seleção húngara que conquistou o ouro em Helsinque, em 1952.

Essa hegemonia só começou a ser amenizada a partir dos Jogos de Los Angeles, em 1984, quando o COI decidiu permitir a participação de jogadores profissionais. Mas, como a FIFA não queria uma concorrência para a Copa do Mundo, um acordo foi feito: seleções europeias e sul-americanas (até hoje os únicos continentes a disputarem finais de Copa do Mundo) poderiam enviar profissionais que não tivessem jogado uma Copa ainda, e o restante das seleções poderia contar com força máxima.

URSS
Partida entre a URSS e a Venezuela nos Jogos Olímpicos de 1980. Foto: Wkipédia

As mulheres chegam ao futebol olímpico

O futebol ajudou a modernização dos Jogos Olímpicos como um todo: após a participação dos profissionais nos jogos de 1984, a regra do amadorismo cairia para quase todos os demais esportes. A FIFA, por sua vez, seguia inquieta com a possibilidade de uma outra competição que pudesse ofuscar seu principal produto, a Copa do Mundo, e pressionou por uma resolução mais séria para a disputa olímpica do futebol.

Para as Olimpíadas de 1992, foi feito um teste com seleções formadas apenas por jogadores com 23 anos ou menos. A experiência agradou tanto ao COI quanto à FIFA e passou a ser o modelo aplicado desde então. Ao lado do boxe, que até hoje proíbe profissionais, o futebol masculino é o único esporte com restrições de competidores nos Jogos Olímpicos.

Mas ainda faltava um passo: o futebol feminino.

Vale mencionar que o criador dos Jogos Olímpicos modernos, o Barão de Coubertin, era radicalmente contra a ideia de mulheres esportistas e chamava esportes femininos de “uma aberração estética”.

A primeira Copa do Mundo feminina foi organizada pela FIFA em 1991. Na verdade, a entidade máxima do futebol relutou em usar a sua principal marca, “Copa do Mundo”, para a competição, e a batizou oficialmente de “Primeiro Campeonato Mundial da FIFA de Futebol Feminino”. Realizada na China, a disputa foi um enorme sucesso e teve uma média de público superior a 19 mil pessoas por jogo.

João Havelange, presidente da FIFA, elogiou muito a Copa do Mundo feminina de 1991. Disse que “o futebol feminino agora está estabelecido”. A competição foi vencida pelos Estados Unidos, que já despontavam como a maior potência da modalidade, e como as Olimpíadas de 1996 aconteceriam exatamente por lá, em Atlanta, aliou-se a fome à vontade de comer.

Na época, outros esportes coletivos como basquete, vôlei, handball e até hóquei sobre a grama já faziam parte do programa olímpico, tanto na versão feminina quanto na masculina. O futebol foi a última adição, aceito em uma votação em 1993 junto com o vôlei de praia (masculino e feminino), o softball (versão adaptada do baseball para mulheres), a esgrima feminina e o ciclismo de montanha.

Como o futebol feminino estava longe de mover rios de dinheiro como o masculino e a Copa do Mundo para mulheres ainda engatinhava como marca, não havia necessidade de criar restrições de atletas nas Olimpíadas. As norte-americanas fizeram o que delas se esperava e levaram o ouro para casa.

EUA Futebol feminino
Seleção dos EUA em jogo contra a Suécia nas Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016. Foto: Wikipédia

Ainda faz sentido o futebol olímpico?

O futebol é o esporte mais popular do mundo por uma larga margem. A Copa do Mundo, sem nenhuma outra modalidade e com apenas trinta e duas nações, concorre com as Olimpíadas, com todas as modalidades e todas as nações, em audiência global. A título de comparação, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, dois eventos realizados no Brasil, empataram em número de espectadores de televisão no planeta, com cerca de 3,2 bilhões.

Ao contrário do que acontece com atletas de todas as outras modalidades olímpicas (talvez com exceção dos jogadores de basquete e baseball que atuam nas grandes ligas norte-americanas), disputar as Olimpíadas não é o auge da carreira para um futebolista com status de estrela. Não existe qualquer comparação com uma Copa do Mundo, nem sequer com as maiores competições de clubes.

A cada edição dos Jogos Olímpicos, as velhas discussões ressurgem. Os clubes se recusam a liberar jogadores que são importantes para as competições que disputam. Aqui mesmo, no Brasil, presenciamos as disputas entre Flamengo e Palmeiras com a CBF para evitarem que Pedro e Weverton fossem ao Japão. O rubro-negro e o alviverde venceram. O futebol masculino nas Olimpíadas é, com raras exceções, esvaziado de estrelas.

Enquanto o futebol feminino ainda cresce em prestígio e ganha muito com a competição olímpica, o futebol masculino vê nas Olimpíadas um estorvo para o seu apertado e bilionário calendário.

Felizmente, muitos dos atletas lá presentes sabem que dificilmente terão a chance de disputar uma Copa do Mundo e que, portanto, as Olimpíadas são uma oportunidade enorme. A FIFA pode tratar o produto como estorvo, mas os jovens jogadores, principalmente das periferias do futebol, sonham com a medalha.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Copa Além da Copa

Perfil oficial do Podcast Copa Além da Copa. A história, a geopolítica, a cultura e a arte que envolvem o mundo dos esportes.

Como citar

COPA, Copa Além da. O futebol olímpico e as disputas entre COI e FIFA. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 37, 2021.
Leia também:
  • 173.17

    Neoliberalismo, esporte e elitismo descarado

    Gabriela Seta Alvarenga
  • 158.30

    Munique’72: os jogos olímpicos por um anuário alemão de época

    Wagner Xavier de Camargo
  • 150.4

    Breaking, b-boy Perninha e Olimpíadas de 2024

    Gabriela Alvarenga