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O Galo é resistência e alvinegro por natureza

Os coletivos e as torcidas antifascistas existem há décadas no futebol, em todos os cantos do planeta. Como já dizia a ”celebridade” azul, MC Rebaixada: ”na Terra do Queijo, do trem de ferro e da mineração…”, não seria diferente, não é mesmo? Os três principais times da capital mineira, Galo, América e Cruzeiro, possuem representação nesse quesito. Dessa forma, são fundamentais para dar visibilidade às minorias sociais e à luta contra o sistema vigente. O alvinegro, do eterno Rei, como o maior das Gerais, não poderia ficar para trás. Assim, a torcida mais fanática do estado, compreendendo a necessidade de mobilização, criou alguns coletivos e uma torcida organizada. Estes movimentos interligam o futebol com as diversas lutas sociais, que visam ao combate às opressões, explorações e a inclusão de todas às minorias nesse universo.

Torcida Mineirão
Faixa da torcida no Mineirão. Foto: Cadu Passos

A Resistência Alvinegra, torcida organizada antifascista do Clube Atlético Mineiro, integra pessoas de diferentes partidos, movimentos sociais, idades, orientações sexuais, entre outros. A R.A nasceu há pouco mais de um ano. Foi planejada por um pequeno grupo de belo-horizontinos atleticanos, que perceberam a crescente demanda coletiva pela construção de uma torcida popular, atuante, destemida e combativa. Nesse contexto pandêmico, salvar a vida da população – principalmente da preta, pobre e periférica – se tornou complicado, tendo em vista, as ações ineficazes, ou inexistentes, do genocida e de seus ministros cúmplices. Com isso, os revoltosos com a situação do país se uniram aos movimentos, já existentes, de torcidas e coletivos organizados.

Torcida
Componente da torcida, em manifestação, em Belo Horizonte. Foto: autor desconhecido

 A internet foi bombardeada por táticas e visões distintas sobre tomar ou não as ruas brasileiras. Principalmente, após o fenômeno do Black Lives Matter, no coração do imperialismo. Vários famosos entraram nas discussões, inclusive, nomes importantes do rap nacional, como o Emicida e o atleticano Djonga. Nesse boom, as redes sociais da Resistência Alviengra, no Facebook, Instagram e Twitter cresceram assustadoramente. Assim como as pessoas interessadas em fazer parte do grupo.

Os integrantes da R.A, como torcedores organizados aliados do povo, perceberam a necessidade histórica de se comprometer com os mais desassistidos. Nesse sentido, marcaram presença em diversos atos e ações sociais em Belo Horizonte. Em contrapartida, a grande rivalidade entre as torcidas, foi deixada de lado. Torcedores de diferentes times do país tomaram as ruas da capital exigindo justiça e mudanças, em um lindo ato antifascista, antirracista e anticapitalista, respeitando às recomendações da Organização Mundial da Saúde.

O segundo semestre de 2020 ficou caracterizado pelo avanço da ‘’Primavera das Torcidas Antifascistas’’. Então, os principais veículos liberais de comunicação, da grande mídia, se viram obrigados a fazer matérias sobre essa gigante movimentação, envolvendo torcidas, outros coletivos partidários e movimentos sociais. 

Com a volta das competições nacionais, depois de um bom tempo paralisado, a CBF e as federações de futebol estaduais permitiram que as torcidas e os coletivos levassem seus materiais para a arquibancada. Logo depois, os camaradas da R.A, aproveitando essa oportunidade, levaram bandeiras com símbolos do Galo e da própria torcida, nos jogos em que o mando de campo era nosso. Imediatamente, divulgamos as imagens das bandeiras nas plataformas digitas e nos fortalecemos com o apoio de diferentes públicos.

Marielle
Bandeiras da torcida no Mineirão, em jogo pelo Campeonato Brasileiro 2020. Foto: Cadu Passos

Além disso, o caso que mais repercutiu foi quando levamos a bandeira da falecida Marielle Franco – ex-vereadora do Rio de Janeiro, socialista, LGBT, cria da Maré e socióloga – que foi brutalmente assassinada em março de 2018, e até hoje, procuramos respostas para três perguntas. Quem matou? Quem mandou matar? Por quê? ‘’Marielle vive, Marielle viverá! Mulheres negras nunca param de lutar’’! Nesse ínterim, ela virou semente e vive no coração das pessoas que almejam um mundo equalitário e diverso.

A nossa torcida, inspirados na história dessa grande mulher, criou e levou uma bandeira da ex-parlamentar, contra o São Paulo, no Mineirão. Entramos com ela, apenas, para tirar fotos. Uma vez que o Estatuto do Torcedor, infelizmente, proíbe essas faixas durante as partidas. A CBF, que dispensa maiores apresentações, notificou o Atlético por estar fazendo manifestação política dentro do estádio. Esta notificação, além de proibir a volta da bandeira da Marielle para a arquibancada, também decretou que não poderemos nos identificar como uma “torcida antifascista”.

Resistência Alvinegra on Twitter: "Dia histórico! Inauguração das nossas  primeiras bandeiras! Mais um ato Antirracista e Antifascista em BH!  #ForaBolsonaro #MariellePresente #mariellevive #QuemMandouMatarMarielle  #ResistênciaAlvinegra #Antifa… https ...
Bandeira da Marielle Franco, em manifestação, em Belo Horizonte. Foto: Cadu Passos

O artigo do Estatuto que proíbe manifestações político-religiosas, antes de mais nada, no estádio é muito ”curioso”. Futebol é cultura e expressão social, obviamente é muito político. Não faltam exemplos que façam a lamentável e muito ouvida frase “ah, não se mistura futebol com política!” cair por terra. Além disso, é ainda mais curioso o fato de a censura ter acontecido no estádio Mineirão, o famoso Estádio Governador Magalhães Pinto. Governador este, que leva o nome de um político, e pior, de um dos maiores adeptos e apoiadores do Regime Militar, que assombrou o Brasil por tenebrosos 21 anos.

Enfim, apesar da oposição e da repressão, não podemos desistir. Porque, como diz o admirável escritor e apoiador da Resistência, Fred Melo Paiva, “[…] o Atleticano tem a força do injustiçado. Quanto mais apanha, sua torcida mais cresce. O Atlético é a Palestina do futebol – não desiste nunca, e contra uma artilharia pesada reage nem que seja no bodoque.” E assim, resistirá!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ANDRADE, Lucas; MAGALHãES, Artur de Abreu. O Galo é resistência e alvinegro por natureza. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 58, 2021.
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