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O jeitinho brasileiro e porquê de o Profut correr o risco de virar pó

Marcos Teixeira 9 de agosto de 2017

Quando o Profut foi criado, em 2015, havia a expectativa de, finalmente, os clubes de futebol mais perdulários do Brasil tomarem juízo e, na marra, equilibrarem suas contas. Muitos deles viviam no vermelho, devendo inclusive para o Governo Federal, que, por causa da comoção que causaria fechar uma entidade desportiva em virtude da praticamente impagável dívida, sempre amortizava juros ou fazia vistas grossas com os maus pagadores.

Dívidas renegociadas em condições especiais com a União. Essa era o proposta do Governo, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff, para que os clubes entrassem de vez nos eixos, de forma sustentável. No entanto, contrapartidas foram exigidas, como a limitação nos gastos do orçamento bruto em 70% com salários no departamento de futebol para impedir que o clube inflacionasse sua folha de forma irresponsável. A outra, a principal, era o período de carência de dois anos para que os clubes apresentassem Certidão Negativa de Débito (CND), que é emitido pela Receita Federal, condição sine qua non para a inscrição (e consequente disputa) dos campeonatos a partir de 2018.

Aí que o bicho pegou.

19-03-2015 - A presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de assinatura de Medida Provisória para modernizar a gestão e a responsabilidade fiscal do futebol brasileiro, no Palácio do Planalto (José Cruz/Agência Brasil)
19-03-2015 – A então presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de assinatura de Medida Provisória para modernizar a gestão e a responsabilidade fiscal do futebol brasileiro, no Palácio do Planalto. Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Mesmo com mais de 48 meses para honrarem sua parte do acordo, muitos emblemas simplesmente ignoraram a possibilidade de ficarem alijados da disputa, certamente por terem a certeza de que, no momento em que precisassem, políticos e dirigentes correriam para socorrê-los.

E este, no caso, atende pelo nome de Vicente Cândido, deputado federal pelo PT de São Paulo e antigo sócio em um escritório de advocacia do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, aquele que não pode sequer sonhar em pôr o pé para além das fronteiras do Brasil.

O movimento já existe e foi motivo de excelente reportagem do jornal Folha de S. Paulo da última terça-feira, 8 de agosto. Assinada pelos jornalistas Alex Sabino e Luiz Cosenzo, a matéria traz os bastidores da tentativa de parte dos dirigentes que não conseguiram honrar com seus compromissos para que o governo edite uma Medida Provisória prorrogando em um ano a obrigação da apresentação da CND, ou então, como defendem os mais entusiasmados da turma do pires na mão e nenhuma vergonha na cara, a retirada da condição do texto da lei.

De minha parte, duvido que qualquer tentativa de desatar a sangria dos combalidos e gastões clubes brasileiros obtenha algum êxito, por menor que seja. Amparados na paixão de milhões de torcedores, enxergam-se como vacas sagradas, intocáveis, pelos quais, no fim das contas, alguma mão generosa será estendida.

Num país onde a Samarco fez o que fez em Mariana e irá protelar de todas as formas para não arcar com as consequências de seus crimes, com enorme possibilidade de sucesso, inclusive nas esferas jurídicas, não é difícil de imaginar que o programa de refinanciamento das dívidas vire água.

E viva o jeitinho brasileiro!

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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. O jeitinho brasileiro e porquê de o Profut correr o risco de virar pó. Ludopédio, São Paulo, v. 98, n. 9, 2017.
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