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O Movimento Verde e Amarelo: uma nova forma de elitismo ou a Seleção Brasileira tem a torcida que merece?

É dezembro de 2022, ano da Copa do Mundo do Qatar. Elon Musk fez a maior presepada de sua vida se tornando acionista majoritário do Twitter, e o Brasil vem aos trancos e barrancos tentando se arredar dos quatro (ou seis) anos de obscurantismo político e econômico que assombraram o país, ainda que as sequelas tanto do coronavírus quanto do fascismo submergirão por mais alguns verões.

Sempre fui apaixonado por futebol, porém confesso que, nestes últimos anos de insciência, a minha relação com o esporte ficou abalada, nunca fui tão pouco ao estádio, nunca acompanhei tão poucos jogos pela tevê. O contexto social brasileiro incidiu com força gerando medo do desemprego e horror a violência. Fora isso, o sentimento de nulidade em não poder participar com mais energia dos processos políticos em um contexto que fez com que os brasileiros cruzassem os dedos por dias melhores.

E claro, nesse contexto, o futebol também me decepcionou, tanto na imersão ultra capitalista que o afasta cada vez mais de sua identidade com a classe trabalhadora, bem como as afiliações e o uso do futebol como escalada política da extrema direita.

Mas tudo bem, ainda que sem muita expectativa com o que virá no futuro social do Brasil, eu esperava (e ainda espero) me reconciliar com o futebol através da Copa do Mundo. O futebol é o único fenômeno social em que me permito entrar em contradições totalmente conscientes – ainda que com limites, pois deixei de ter admiração pelo Flamengo após o episódio dos meninos do Ninho do Urubu.

 Contudo, ainda consigo torcer pelo meu time, o Vila Nova Futebol Clube, tentando anular na minha cabeça as posições políticas lamentáveis da atual diretoria, me apegando aos meus companheiros de classe trabalhadora que vestem o vermelho no dia de jogo, esperando que os gols anestesiem um pouco a semana árdua de trabalho. E me apegando a lembrança que meu time no passado combateu e foi perseguido pela Ditadura Militar.

“O Futebol tem dessas coisas” e os motivos que nos levam a contemplá-lo são inúmeros, e nada melhor que uma Copa do Mundo para o brasileiro buscar um pouco de paz e relembrar memórias afetivas dos gols de Romário, Ronaldo, Batistuta, Maradona, Salas, Zamorano, Zidane, Henry, Stoichkov, Robben, Iniesta, Messi, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Edimilson[1] em lances mágicos assistidos no momento que estávamos bebendo uma cervejinha, juntando os amigos, familiares e escutando um pagodinho depois do jogo. Cenário perfeito pra eu me achegar novamente ao futebol. Cito aqui os jogadores de outros países junto dos brasileiros porquê diferentemente da rivalidade que parte da mídia fomenta para com nossos vizinhos, a realidade é contrária, o brasileiro é apaixonado por futebol e sabe muito bem admirar o futebol de outras nações, por isso consumimos ligas estrangeiras e assistimos a Champions League.

 No entanto, o país sede da Copa não empolga nenhum pouco. O Qatar, carrega consigo um governo autoritário, de violação aos direitos humanos como o trabalho escravo, a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres, homossexuais e imigrantes, mas que deu o maior lance para a lucratividade da FIFA. A Copa teve início com muita censura e repressão.  Entretanto, ainda tenho expectativa de me reconciliar com o futebol, acompanharei esta Copa até o fim, torcendo por resultados inesperados, jogadas bonitas, lances plásticos e a cientificidade tática e estratégica que é colocada em campo no duelo entre seleções.

Copa Qatar
Fonte: Wikipédia

Neste exercício de reconciliação, voltei a fazer o que eu sempre gostei: assistir aos jogos, “cornetar” os amigos, discutir os resultados, participar dos bolões e principalmente ler bastante sobre futebol, algo que sempre banquei para me contextualizar historicamente sobre cada partida, cada jogador, e pra entender o futebol enquanto um fenômeno social que extrapola o “jogo”. Esse esforço sempre me foi essencial para entender os significados de eventos sociais como partidas entre Sérvia x Suíça, Estados Unidos x Irã, a presença de turcos, nigerianos e ganeses na Seleção alemã e para entender porque Marrocos ergueu a bandeira Palestina em comemoração a sua classificação frente a Espanha. O futebol vai muito além das quatro linhas.

Com essa agitação diligente de acompanhar os jogos e ler bastante sobre futebol, me deparo com uma notícia que me causou assombro, uma matéria na Revista Fórum intitulada: “Torcida de Playboy, Movimento Verde e Amarelo tenta tirar bandeira da Gaviões da Fiel na Copa do Qatar”. Antes de ler a matéria já me vieram alguns questionamentos, o primeiro deles: que diacho é “Movimento Verde e Amarelo”? Teria esse algum tipo de relação com os “bolsonaristas” que estavam bloqueando ruas e acampando na porta de quartéis? Seriam estes um dégradé fascista que foi parar no Qatar?

Outra questão que previamente me intrigou com essa manchete, foi o conflito por causa de bandeiras. No universo das torcidas organizadas de times rivais, um dos objetivos das brigas é tomar a bandeira do time rival, captura-la como um troféu. Não foi esse o caso, na matéria foi explicado que os “verde-amarelos” haviam chegado primeiro que os torcedores da Gaviões e reivindicaram o espaço para si.

Confesso que após assistir jogos de toda a fase de grupos ainda não tinha ouvido falar dos torcedores do MVA (Movimento Verde e Amarelo), e o caminho neural que me fez correlacionar os mesmos com os partidários de Bolsonaro foi natural. Após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições, o restante do Brasil retoma aos poucos a vontade de vestir a amarelinha da seleção brasileira, que desde 2014 vem sendo apropriada por uma elite de discurso conservador e um nacionalismo seletivo. Ficou sempre gravado na minha mente a foto do casal branco que foi às manifestações contra Dilma Rousseff com o uniforme verde e amarelo, acompanhados da babá negra empurrando o carrinho com seu bebê.

Não obstante, a matéria da Revista Fórum é bem rasa, e nas poucas linhas a respeito do tema não consegue explicar direito do que se trata o MVA. Na verdade, mesmo procurando por outras matérias que trataram do tema, não temos uma clareza do que é este “movimento”.

Em busca de mais informações, me deparei com outra matéria, agora do Portal Uol, que noticia a visão das torcidas organizadas brasileiras sobre o MVA: “Não tem negros”.  Segundo o Presidente da Gaviões da Fiel é “a primeira organizada que nasce da burguesia. As organizadas dos clubes são todas oriundas da periferia e da classe trabalhadora, dos excluídos. Eles (MVA), foram na contramão e você vê isso pelos patrocínios”

Com estes indícios achei interessante investigar sobre uma “torcida organizada” da seleção brasileira, algo inédito até então. Obviamente que diferente de muitas análises jornalísticas, que pouco se esforçam em inserir este movimento no contexto econômico brasileiro e no conjunto social do futebol, – compondo uma sinfonia blasé – é preciso entender esse movimento enquanto integrante destes processos.

O Movimento Verde e Amarelo se apresenta de forma massiva por duas vias, seu website e suas páginas em redes sociais. Seu sítio é bem organizado e ao adentrá-lo logo verá uma chamada para fazer parte do movimento. Você clica e se depara com planos que variam de gratuito à R$500, cada qual com seus benefícios. O gratuito te garante prioridade na compra de 4 ingressos (Da Copa?). Já o mais caro lhe proporciona descontos em produtos do próprio MVA, prioridade na compra de ingressos, elegibilidade em eventos sociais com ídolos do esporte, eventos exclusivos de sócio ouro e uma tal de “experiência MVA”, algo que não está bem explicado, com otimismo pressuponho que seja participar da torcida em jogos, manejar algum instrumento e ficar ali do lado da “diretoria”.

No início pareceu que a “torcida organizada” misturou-se com a ideia de sócio torcedor, você paga pra ter prioridade em eventos, ingressos e “torcer junto da galera”, paga-se pelo privilégio embora não fique claro quem concede a prioridade na compra dos ingressos.

Chama atenção aos valores muito altos, se compararmos com o sócio torcedor do Flamengo que oferece um número muito maior de benefícios por R$321,00. É preciso levar em conta que quando você assina o sócio torcedor de seu time, e boa parte da arrecadação é para o crescimento do mesmo. No caso do MVA a finalidade dessa renda, parece ser para ter o privilégio de curtir com a galera num jogo de seleção. O sítio também conta com uma loja de produtos onde você adquire os produtos da marca “MVA” e os preços parecem acessíveis até o momento.

Movimento Verde e Amarelo
Fonte: reprodução

Oriundo da burguesia, o MVA foi criado em 2008, e hoje, tem como líderes principais, dois jovens aparentemente endinheirados oriundos de torcidas universitárias respectivamente da FGV e USP. Um deles notadamente tem relação com as famigeradas “Atléticas”, que após anos, voltaram a fazer parte do ambiente universitário no fim da década de 2001-2010.

As Atléticas, consistiam em organizações estudantis, que durante o período da Ditadura Militar, foram criadas para organizar eventos esportivos e festas universitárias com o intuito de desmobilizar os estudantes que engajavam na luta política contra o autoritarismo e a violência (torturas, perseguições etc.) que caracterizaram os anos entre 1964-1985.

Naquele tempo, os estudantes eram os principais protagonistas do enfrentamento nas ruas contra o obscurantismo do regime ditatorial brasileiro, bem como se alistavam para fazer parte das organizações de esquerda que lutavam para libertar o país da tirania militar. As Atléticas, utilizavam o esporte como bandeira, todavia, seu empenho estava mais na organização de festas e na despolitização.

Nos anos 2000, estas organizações voltam com o mesmo intuito, agora ainda mais organizadas, vinculadas a magnas empresas promotoras de eventos, com shows musicais de grande porte e o esporte em segundo ou terceiro plano. São várias as polêmicas destes eventos que envolvem violências contra a mulher, racismo e homofobia. O fato é que se trata-se de uma fórmula que vem dando certo e ganhando espaço nas universidades brasileiras. Vários eventos deste tipo são considerados elitistas dentro da universidade.

Em seu início, o MVA começou enquanto um movimento modesto, desarticulado, contando com poucas pessoas que se encontravam em jogos da seleção brasileira de futebol e posteriormente participando de alguns eventos de outros esportes. Seus membros elegeram o discurso de que quando se trata de seleção brasileira, o brasileiro não sabe torcer, nas palavras de um de seus líderes “uma torcida muito abaixo do que poderia ser”.

Embora não sejam “bolsonaristas” – hipótese que levantei no início deste texto -, o MVA, seguindo a cartilha de despolitização das Atléticas, tem como regra não discutir política em seus grupos de WhatsApp, e o membro que o fizer é banido. Porém, como já noticiado pela imprensa, bolsonaristas parecem muito confortáveis nos eventos organizados pelo MVA. É possível ver em fotos e vídeos que os partidários do candidato derrotado nas eleições de 2022, coadjuvam muito bem junto aos “verde-amarelos”. Entretanto temos de ser justos e não colocar esta alcunha ao movimento, bolsonarismo e MVA não são a mesma coisa.

Entretanto, esquivando-se da política, o MVA também produz outro tipo de antagonismo, tanto com as torcidas organizadas dos clubes brasileiros, quanto com o futebol em si. Nesse sentido, é valido lembrar que, em 2020, as torcidas organizadas foram as ruas em meio a pandemia, se contrapor aos movimentos antidemocráticos, reavivando as torcidas antifascistas. Recentemente, as torcidas organizadas, foram responsáveis por dispersar alguns bloqueios de rodovias feitos por àqueles que não aceitaram a derrota eleitoral.

Dissociar a política do futebol é vendar os olhos para o real significado do esporte. Sem política, nunca entenderíamos os significados de uma rivalidade entre Real Madrid e Barcelona, bem como esta rivalidade é um instrumento didático para explicarmos o fascismo espanhol. Não me imagino gostando de futebol sem conhecer a história do F.C. Start e “a partida da morte” ou sem reverenciar Didier Drogba, o jogador que parou uma guerra. Ainda que, é pela dimensão social e política do futebol e a sua transformação dentro da realidade brasileira que podemos entender o MVA.

É possível ver que, em seus primórdios, o movimento realmente contava com a participação de poucas pessoas, muitas vezes duas ou três indo aos estádios, tentando buscar a empatia do torcedor brasileiro. Todavia, em 2014, o MVA começa a ascender e encorpar seu número adotando de forma ostensiva o formato com eventos e festas, tal qual o das Atléticas. Também amplia sua organização com embaixadas em quase todos os estados brasileiros.

Na copa da Rússia em 2018, o MVA ganha notoriedade na imprensa, com a composição de canções que tentariam impulsionar a seleção que fora então eliminada pela hoje finada “geração belga”. Com a eliminação, os “verde-amarelos” prometeram voltar ainda maiores para a Copa do Qatar.

E de fato, nos quatro anos entre Rússia e Qatar, o MVA teve uma crescente, mostrou-se mais organizado, aprimorou seu formato angariando mais brasileiros endinheirados para compor suas fileiras. Soma-se a isso, o apoio massivo de empresas de vários ramos – dentre elas, grandes marcas de bebidas e indústria farmacêutica – junto a influencers que nos tempos ultramodernos de redes sociais, vendem melhor que ninguém estas marcas.  Com isso o MVA conseguiu acesso a jogadores, personalidades importantes, bastidores e um posto vip (para aqueles que desde sempre foram vips) em eventos da própria CBF.

Inserida no ramo empresarial com mais intensidade do que nas nuances da sociedade brasileira, a “torcida” que reivindica pra si o status de “organizada da Seleção Brasileira”, de fato não possui negros. Embora seus líderes neguem, em suas páginas e redes sociais, onde visualizamos seus eventos, ações, concentrações e festas, é possível encontrar pessoas negras em uma quantidade muito pequena, quase nula, o protagonismo é totalmente branco.

Um fato que ilustra bem o que descrevo sobre o que o MVA preza é a chamada escolha do “Capitão MVA”, “honraria” que não é concedida a qualquer um, ou pelo menos qualquer um que não tenha capital em marketing. Como em um dos vídeos que consultei, a faixa é passada para o CEO da CIMED (grande empresa do ramo farmacêutico). O capitão recebe a faixa e o destaque para liderar os “verde-amarelos” nos jogos e eventos.

É importante dizer que em 2013 o Movimento Verde e Amarelo foi registrado como uma organização sem fins lucrativos, e tem um projeto social. Seus responsáveis constataram a “necessidade de desenvolver ações na área do esporte, cultura, social e lazer para atender regiões em vulnerabilidade social”. O projeto que se encontra cadastrado na plataforma Polen[2], informa que o MVA Social possuí uma sede com quadra poliesportiva, campo de futebol, salas de aula, salão de eventos, cozinha e banheiros.

Segundo a plataforma, o MVA Brasil Social disponibilizou para o público jovem, o Programa de Aprendizagem do Governo Federal, atendendo inicialmente 40 jovens, com o foco de desenvolver competências pessoais, relacionais, produtivas e cognitivas que contribuam para a inclusão social de jovens pertencentes a famílias em situação de vulnerabilidade social.

A plataforma ainda noticia que em 2015, o Movimento Verde Amarelo Brasil Social foi a primeira organização sem fins lucrativos do Vale do Paraíba à fechar parceria com o Instituto Embraer para implantar o curso “Miniempresa”, que tem o objetivo programa  despertar a competência empreendedora, fortalecer os princípios éticos e proporcionar uma vivência empresarial aos estudantes e tem o reconhecimento da Associação Junior Achiviement, entidade americana que é a maior e mais antiga organização não governamental de educação prática em negócios, economia e empreendedorismo do mundo. Beneficiando 35 estudantes da rede pública com educação empreendedora.

Movimento Verde e Amarelo
Fonte: reprodução

Entretanto a própria página informa que não foram postados materiais de transparência e o projeto não recebeu nenhuma doação até momento em que este texto é escrito. No portal de transparência, a empresa MVA Brasil Social encontra-se inapta por omissão de declarações. Embora conste em seu website, não encontrei nenhum registro das atividades sociais do MVA, salvo algumas fotos e vídeos que registram visitas à hospitais. Posso estar enganado, mas o “MVA Social” me parece uma jogada empresarial, que não surtiu o efeito esperado e não mereceu atenção publicitária por parte de seus membros que encontraram outro foco.

Na Copa do Qatar, dificilmente encontraremos uma maioria de proletários assistindo aos jogos. O custo médio envolvendo passagens, hospedagem, alimentação e ingresso para assistir a um jogo da seleção tem custas em torno de 20 mil reais e com mais jogos esse valor aumenta consideravelmente. Assistir uma Copa do Mundo in loco realmente é para poucos, e em um país como o Qatar nem se fala. Entretanto, não é preocupação do MVA dar protagonismo a pessoas negras a não ser que elas sejam famosas. Outro ponto de antítese com as torcidas organizadas dos clubes brasileiros.

Contudo, mesmo com o impulso empresarial, os relatos são que a “torcida organizada da Seleção Brasileira” ainda é pouco empolgante principalmente quando comparada com as torcidas de outras seleções.  No meu entendimento, o MVA – que crítica a apatia do torcedor brasileiro para justificar seu lugar na história e seu status quo – é um reflexo da crise social do futebol brasileiro e das transformações que aconteceram nos últimos anos.

Em síntese, nos anos entre 1994 e 2002, a sociedade brasileira ainda estava acostumada com jogadores que contemplavam nos estádios, em seus clubes, comporem a seleção nacional. Vinte anos após a conquista da última Copa do Mundo, encontramos uma seleção que nos termos do professor Jeferson Tenório, colunista do UOL, passou por um processo de “desnacionalização”, um grupo composto em sua maioria por jogadores que deixaram o país cedo para alcançar protagonismo no futebol internacional.

Ainda segundo o colunista do UOL, este processo diminuiu a expectativa até sobre a convocação, em que os brasileiros anteriormente ansiavam com a participação de jogadores do seu clube do coração. Algo que é importante considerarmos, na medida em que o tempo e estas circunstâncias diminuíram cada vez mais a identificação da maioria da população brasileira com os jogadores da seleção. Basta pensar que na década de 90, imaginávamos os jogadores da seleção celebrando as vitórias com uma feijoada, rabada e os baianos Edilson e Vampeta comendo acarajé, tomando uma cervejinha. E o que temos agora? Jogadores desconhecidos da maioria dos brasileiros comendo carne banhada a ouro que custa nove mil reais.

Mesmo que o brasileiro ame o futebol, nem todos terão condições de acompanhar as estrelas internacionais no futebol estrangeiro, suas ligas não figuram na tevê aberta e os serviços de tevê fechada tem seus preços distantes da maioria da população. O que nos resta é ir ao estádio assistir o Germán Cano brilhar. Ao menos é o que nos restava.

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil, ficou na história não apenas pelo vexatório 7×1, mas também por protestos que escancararam a contradição de se gastar bilhões com um evento desse calibre num país com déficits em saúde, educação e crescente desemprego.  E como disse o Ronaldo “Fenômeno”: “não se constrói Copa do Mundo com hospitais”.

O evento no Brasil ainda evidenciaria as mudanças que transformariam a cancha social do futebol nacional numa prática cada vez mais elitista e seletiva. A conversão dos velhos e históricos estádios – palcos de celebração da classe trabalhadora – em “arenas”, demonstram o quanto a experiência do futebol se tornou segregacionista.

Outrora, os estádios que já dividiam a população por classe social, em cadeiras, arquibancadas e a clássica “geral”, tiveram seus assentos diminuídos se espelhando na experiência europeia, organizando o espaço em setores que vão das letras A até Z, com shoppings centers e camarotes acoplados, em que se paga cada vez mais pelo privilégio do lugar, aumentando a experiência de consumo. Mesmo clubes de médio e pequeno porte aderiram ao modelo arena esportiva, que pode comportar também shows e eventos musicais.

Nesta nova ordem, que hierarquiza o futebol, o campeonato brasileiro foi aos poucos, rebaixado para o segundo escalão de ligas nacionais, se tornando um mercado acessório que exporta jogadores jovens e com seus clubes dificilmente fazendo frente aos clubes europeus.

Não obstante, o pouco empolgante Movimento Verde e Amarelo é um espelho da Seleção Brasileira, que acumula resultados pífios em Copas do Mundo liderados por um “craque” que não é craque, mas sim, um produto de novo tipo do futebol. Neymar a grande esperança brasileira, é um sucesso estrondoso em termos de marketing, algo que não se repete no futebol.

Foi um bom coadjuvante em seus tempos de Barcelona, mas não conseguiu ter êxito como protagonista. Não preciso compará-lo a Messi ou Cristiano Ronaldo, seria até desonesto, basta relembrar que Mohamad Salah, Robert Lewandowski e Karim Benzema alcançaram mais êxito que Neymar. Em termos de seleção nacional, Arjen Robben e Luka Modric foram muito mais além, pra não citar seu jovem companheiro de clube, Kylian Mbappé, que já é campeão do mundo.

Com Neymar, a seleção brasileira aparenta estar tal qual seu “craque”, preocupada em vender. Como já foi exposto por vários jornalistas, a convocação para seleção nacional é mediada por critérios de marketing, o que também determina o calendário de amistosos da equipe que deixa de se testar contra equipes europeias para protagonizar grandes eventos em amistosos contra países de capitalismo emergente, promovendo a transnacionalização de grandes empresas. O produto “Neymar” vende mais do que joga, porém, faz um gol ali e outro acolá. É assim que construímos mais uma eliminação, desta vez contra a Croácia.

Neymar JR
Neymar faz, de pênalti, seu primeiro gol na Copa 2022 na vitória por 4 a 1 sobre a Coreia do Sul. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

E me parece ser este o fio condutor do Movimento Verde e Amarelo, vender mais que torcer, publicizar mais do que gritar nos estádios. Não é à toa que atraiu a simpatia elogios de Fred dos Desimpedidos – a maior celebridade do futebol que não jogou futebol, que é amigo de um monte de jogadores de futebol e vende futebol mais que jogador de futebol – ao passo que ganhou críticas das camadas populares.

Entender o MVA é importante, não apenas para pensar o mundo do futebol, mas para entendermos os impactos e novas orbes que emergirão em meio às práticas sociais que surgem, e também as que foram perdidas. É importante frisar o contexto em que este movimento emerge: um país devastado por uma pandemia, que sofreu uma desaceleração industrial e que precisa reconstruir a sua economia – vários países precisam. Também é importante frisar a derrota política e o desgaste dos outros verde-amarelos, sem esquecer que o fascismo está articulado no mundo inteiro e se organiza como uma corporação.   

 Por conseguinte, é essencial refletirmos que o Movimento Verde e Amarelo não pode ser classificado enquanto uma torcida organizada. Prefiro abranger o MVA enquanto um movimento empresarial que aglutina as experiências das Atléticas e sócio torcedor num patamar ainda maior e que por enquanto reforça elitização da experiência esportiva e promove em termos marxistas, o que chamamos de integração dos processos produtivos.  Um modelo aplicável ao esporte, mas que pode transcender à outras realidades.

Ah, é claro, esperei para terminar este texto aguardando alguns desfechos da Copa, estou quase reconciliado com o futebol depois de contemplar Lionel Messi, que as atuações me fazem rememorar os grandes jogadores que entregaram tudo o que podiam para dar alegria para seu povo. Um salve ao Walter Casagrande, ao Raí e ao Juninho Pernambucano, grandes vozes do extracampo, que buscam o bem estar do nosso povo fora das quatro linhas.  

Notas

[1] Refiro-me estritamente ao golaço de Edmilson contra a Costa-Rica em 2002! Caso você não se recorde.

[2] https://polen.com.br/movimento-verde-amarelo

Referências

Foer, Franklin. How Soccer Explains The World. An Unlikely Theory of Globalization. HarperCollins-ebooks, 2004. 

Michetti, Miqueli e Von Mattenheim, Sofia L. Gênero e violência simbólica em eventos esportivos universitários paulistas.  Scielo, 2019. Disponível em  < https://www.scielo.br/j/cpa/a/6T84NfrySvhTymfS3MvMk8n/?format=html >. Acesso em 07-12-2022

Matérias de periódicos e sítios

<https://revistaforum.com.br/esporte/copadomundo/2022/11/29/torcida-de-playboy-movimento-verde-amarelo-tenta-tirar-bandeira-da-gavies-da-fiel-na-copa-do-catar-127928.html> . Acesso em 04-12-2022

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/copa-do-mundo/2022/12/05/sem-negros-e-com-patrocinio-existe-torcida-organizada-da-selecao.htm . Acesso em 05-12-2022

 < https://movimentoverdeamarelo.com.br/ >. Acesso em 03-12-2022

< https://movimentoverdeamarelo.com.br/mva-social/ >. Acesso em 02-12-2022

 < https://polen.com.br/movimento-verde-amarelo >. Acesso em 02-12-2022

<https://www.lance.com.br/fora-de-campo/conheca-o-movimento-verde-e-amarelo-torcida-organizada-da-selecao-brasileira.html >.  Acesso em 12-12-2022

 <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/11/28/viu-esta-bandeira-no-jogo-do-brasil-entenda-o-que-e-o-movimento-verde-amarelo.ghtml>.  Acesso em 15-12-2022

<https://www.cartacapital.com.br/esporte/bolsonarismo-elitismo-o-que-e-o-movimento-verde-e-amarelo-que-acompanha-o-brasil-no-catar/ >. Acesso em 06-12-2022

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Alexandre de Paula Meirelles

Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pertence ao grupo de estudos Capitalismo e História - Instituições, Cultura e Classes Sociais. É professor e pesquisa temas inerentes ao desenvolvimento do capitalismo moderno. Nos tempos de brilhantina foi atacante "camisa 11"  e artilheiro do Curva de Rio F.C.  com mais de mil gols marcados.

Como citar

MEIRELLES, Alexandre de Paula. O Movimento Verde e Amarelo: uma nova forma de elitismo ou a Seleção Brasileira tem a torcida que merece?. Ludopédio, São Paulo, v. 162, n. 23, 2022.
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