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O (não) torcer pela seleção brasileira: A falta de organização torcedora

No jogo entre Brasil x Chile, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo no Catar em 2022, as seleções se enfrentaram no simbólico estádio do Maracanã com quase 70 mil[1] pessoas. A seleção brasileira já classificada em primeiro lugar, atropelou o Chile pelo placar de 4×0. Os visitantes irão para a Copa somente por um milagre.

Mas, o que chamou a atenção foi a passividade do torcedor que foi ao jogo ou que vai aos jogos da Seleção. Historicamente e culturalmente Torcidas Organizadas brasileiras não viajam para fora do país para torcer pela Seleção. Além disso, majoritariamente os frequentadores dos jogos são compostos por famílias ou torcedores que “apenas” assistem ao jogos, sendo apenas espectadores.

As formas organizadas de torcer pelas seleções da América do Sul e Europa

Na América do Sul de língua espanhola, a forma organizada de torcer é conhecido como barras. A imprensa intitula de barra brava, mas, o termo é compreendido como pejorativo pelos torcedores. O que nos chama atenção é o fanatismo e a organização torcedora das seleções aqui da América do Sul.

 Iniciaremos falando sobre o fanatismo na torcida da seleção colombiana com sua barra oficial intitulada de La Fiebre Amarilla. Essa torcida viaja por toda América do Sul, independente do país. Pela seleção do Peru, a barra oficial é La Blanquirroja, conhecida e admirada pelo seu alento e fanatismo.

Perú
La Blanquirroja alentando no “banderazo” para partida contra o Paraguai, que está valendo a vaga para repescagem da Copa do Mundo de 2022. Foto: Selección Peruana de Fútbol/Twitter.

Na Venezuela , é La Barra Vinotinto que defende as cores venezuelanas, apesar de nunca ter ido para Copa. Na Bolívia, a barra La Verde leva a cumbia boliviana e a murga para as canchas do país. No Chile, a barra oficial é a Marea Roja, conhecida pelas lindas festas. A seleção paraguaia conhecida como Albiroja, não tem uma unidade.  Contudo, as festas são organizadas pelas barras do Cerro Porteño e Olímpia. A Celeste Olímpica, alcunha da seleção uruguaia, não tem uma barra definida, mas conta com massivo apoio popular. Já a famosa e tradicional seleção argentina tem um histórico importante no qual veremos na sequencia.

A seleção argentina e a relação com as barras

A seleção da Argentina conta com grande apoio das barras de todo país, no qual viajam com a seleção há décadas. Uma das viagens mais conhecidas foi para a Copa do Mundo no México em 1986, no qual Argentina sagrou-se campeã. Os barras argentinos enfrentaram hooligans ingleses, seis anos após a Guerra das Malvinas. Nessa Copa, foi a primeira vez que os torcedores se encontraram após a Guerra, causando descontrole por diversas partes de Ciudad de México, capital do país. Na briga estava o atual presidente do Vélez Sarsfield, Raúl Gámez, que naquele ano era capo (chefe) de La Pandilla de Liniers, a barra do Vélez.  

Atual presidente do Vélez, Raúl Gámez, brigando com um torcedor inglês
Atual presidente do Vélez, Raúl Gámez, brigando com um torcedor inglês. Foto/Reprodução: Twitter

Nesse sentido, em 2009, foi criada a organização Hinchadas Unidas Argentinas (HUA), tinham como objetivos reunir as barras de diversos times para ir ao Mundial na África do Sul, em 2010. Nesse grupo estavam presentes os torcedores dos principais times da elite do futebol nacional e torcedores de equipes da segunda e terceira divisão. Embora tenham sido o principal grupo de apoio da seleção argentina, a HUA dissolveu-se antes da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. A justificativa foi devido não conseguirem ingressos com a Associação de Futebol Argentino (AFA). O líder do grupo era o famoso torcedor do Independiente, Pablo Álvarez, o Bebote. Na ocasião, o grupo ficaria em Porto Alegre[2], com apoio logístico da Guarda Popular do Internacional, já que  a barra do Inter e do Independiente (La Barra del Rojo) são torcidas amigas.

Ainda, existem os Ultras (torcidas organizadas da Europa), que se organizam para torcer pelos seus times, mas também pelas suas seleções. Os grupos mais conhecidos entre os Ultras são: os ingleses, alemães, poloneses, sérvios e  grande parte dos países do Leste Europeu.  O professor João Malaia escreveu sobre isso no texto hooligans-ultras-barras, relacionando o torcer pelas seleções nacionais.

A seleção brasileira e as torcidas organizadas

Apresentado um panorama breve sobre o apoio que as seleções nacionais possuem, vemos que a nossa Seleção conta com pouco apoio na organização torcedora. No jogo contra o Chile, torcedores cantavam músicas para o Flamengo enquanto outros torcedores vaiavam. Nesse sentido, entendemos que a falta de apoio ou alento é a falta de organização torcedora. Uma organização torcedora parecida com das seleções vizinhas. 

Refletindo sobre o jogo Brasil x Chile, mencionado no início deste texto, me encontro num questionamento: por que uma seleção com cinco Copas do Mundo, única penta campeã -sendo primeira tri campeã e primeira tetra – que empilha títulos continentais, não tem uma organização torcedora? Além disso, é a única seleção que esteve presente em todas as edições do Torneio.

Se pararmos para pensar, muitas seleções que possuem uma forte organização torcedora tem pouca ou nenhuma tradição em Copas do Mundo. A exemplo de Venezuela e Bolívia.

Foi criada em 2013, a primeira torcida organizada para a seleção brasileira, a Núcleo BR, que tenta modificar a forma de torcer, através de canções de apoio, ou para responder com músicas as provocações dos vizinhos hermanos. A organização cresceu nos últimos anos, mas ainda não se massificou. Algumas músicas já são conhecidas, porém, precisa de alguns anos ainda para criar raízes nas arquibancadas.

Torcida Núcleo BR
Torcida Núcleo BR. Foto/reprodução: Twitter

Esse é um primeiro passo na organização torcedora para a Seleção, mas ainda estamos anos luz atrás das seleções hermanas da grande Latino América. Entretanto, a Núcleo BR, está fazendo um papel importante, não apoiando apenas no futebol, mas em diversas modalidades esportivas quando o Brasil disputa.

Além disso, que possamos retomar os símbolos nacionais como nossos, no qual foi cooptado por uma extrema direita brasileira classista, apropriando-se da camisa da Seleção e da bandeira nacional.

O futebol é nosso, a Seleção é do povo, e temos que nos orgulhar da Amarelinha, que irá buscar o Hexa nesse ano.

Vai Brasilllllllll

Notas

[1] Site  oficial da CBF

[2] Ver mais na reportagem da ESPN Brasil intitulada de “Baleado, anfitrião de barra-brava no Brasil resolve falar: ‘ Criaram um monstro que não existe’. Publicado no dia 18 de jun. de 2014.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elias Cósta de Oliveira

Historiador, mestrando, pesquisador, sócio inadimplente, amor platônico por um time de bairro e apreciador de batidas de limão.Participante do STADIUM (Grupo de Estudos de História do Esporte e Práticas Lúdicas) da Universidade Federal de Santa Maria/RS

Como citar

OLIVEIRA, Elias Cósta de. O (não) torcer pela seleção brasileira: A falta de organização torcedora. Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 16, 2022.
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