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O novo rico

Leandro Marçal 24 de abril de 2018

De Crocs nos pés, cabelo estrambólico e colorido, celular de última geração para selfies diárias com mensagens motivacionais depois de levantar barras mais pesadas que sacos de cimento rejeitados, quadros do Romero Britto na parede da sala, um jacaré no canto da camisa, ódio à cor vermelha, muita reclamação no Twitter e no Facebook, o novo rico pede espaço.

Torce por um time de fora do Brasil – esse país nojento, nada funciona por aqui – e rejeita a classe à qual pertencia. São outros tempos.

Seus fins de semana são regados a bebidas caras em baldes de gelo. Quando chega, todos notam a presença e o barulho. Se não acelera a motoca de traseira empinada, aparece com o carro de som mais alto que seu QI. É para impressionar, quem não gosta disso?

A calça fica mais volumosa quando é o centro das atenções e olha torto para quem não ri das piadas de elite. Tem certeza que é mais bonito com o bolso cheio.

Dia desses, imaginou o dia em que terá o próprio time de futebol. Ele sonha em ter um clube para chamar de seu. Poderia ser até de tradição, mas daria nova roupagem. Mesmo que fosse nesse país meia boca, só para começar.

riquinho
Desenho Riquinho.

Criaria uma camisa diferente de todas as anteriores. Com cores sem significado algum, mas fluorescentes como aquele tênis que custou quatro dígitos. Sem relação com a história do time – afinal, História é matéria para quem gosta da cor vermelha de tom retrógrado. Falaria com o pessoal do marketing. Lá, haveria concordância com a ideia do patrão para vender muito. Afinal, o importante é vender muito. Expor grandes resultados financeiros se tornaria uma obsessão quase sexual. E discordar do chefe não soaria bem naquele tempo de conquistas e reconstrução, pensou o novo rico.

Contrataria os melhores nomes do mercado a peso de ouro. O novo rico só entra para ganhar, não admite fracassos. Faria questão de ter seu nome estampado na camisa do time e sentiria ainda mais tesão ao aniquilar rivais. Não deixaria muito claro que o time era seu, mas todos iriam perceber. Sorrateiro, aos poucos faria questão de vociferar em entrevistas coletivas ao lado dos jogadores e treinadores. Estes perderiam o protagonismo dentro do clube. Afinal, ninguém brilha mais que o novo rico.

Com o passar do tempo, faria pressão na arbitragem, que tenderia a pesar muito mais para resultados que beneficiassem o modelo de gestão moderno e exemplar. Sua administração seria celebrada. Como quem entra numa loja e busca satisfação garantida ou o dinheiro de volta, não admitiria gastar tanto sem ver resultados imediatos. Teria que ganhar muitos títulos, por bem ou por mal. Ai de quem se colocasse no meio do caminho de seus hambúrgueres artesanais, restaurantes refinados, condomínio fechado, agitação nos indispensáveis elevador e vida social. Ele saberia de tudo e ignoraria todas as críticas e ataques. Tudo inveja.

O novo rico sonha em ser protagonista do futebol. Mas ainda não despertou da realidade: nem é tão novo, nem é tão rico.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. O novo rico. Ludopédio, São Paulo, v. 106, n. 24, 2018.
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