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O Pacaembu é nosso!

Victor de Leonardo Figols 21 de agosto de 2017

No último mês de junho a Prefeitura da Cidade São Paulo publicou no Diário Oficial um edital para concessão à iniciativa privada do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Estádio do Pacaembu. A ideia da “gestão” atual da cidade é reduzir os gastos de manutenção em cerca 9 milhões de reais. Nas dependências do estádio também funciona o Museu do Futebol, gerido pelo governo do Estado, e, portanto, fora do edital da prefeitura.

A proposta do gestor, empresário, prefeito e político João Doria é transformar boa parte da arquitetura do Estádio do Pacaembu. Doria entende que a fachada deve ser respeitada, mas que a instalação de uma cobertura retrátil se faz necessária. Outro ponto é com relação ao tobogã, que para o prefeito deveria ser demolido. Vale lembrar que o ali havia a concha acústica, retirada em 1970, para dar lugar ao tobogã.

Além do Estádio do Pacaembu, o político-gestor quer promover “O maior programa de privatização da história de São Paulo” (veja o vídeo). Ao todo, o projeto visa a privatização de 55 lotes, como por exemplo, o Autódromo de Interlagos, o Complexo do Anhembi, o Parque do Ibirapuera e o Mercado Municipal, e os 29 terminais de ônibus, além do Bilhete Único, da iluminação pública e do Serviço Funerário da cidade.

O argumento central da prefeitura é diminuir gastos passando boa parte dos bens públicos para a iniciativa privada. Entretanto, como outras experiências históricas aqui no Brasil, principalmente os exemplos da década de 1990, com Fernando Henrique Cardos, esse projeto neoliberal de privatização não resolve o problema da dívida pública, e pior do que isso, agrava o abismo da população mais carente em ter acesso aos recursos básicos.

No caso do Pacaembu, o projeto de privatização do estádio apresenta dois grandes problemas. O primeiro diz respeito ao fato deste ser tombado como patrimônio cultural. E o segundo, pensando se o projeto vir a ser efetivado, diz respeito a expulsão das camadas mais populares desse espaço.

Desde 1994, todo o complexo do estádio e a praça Charles Miller tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). Isso significa dizer que o bem deve ser preservado devido ao seu valor histórico, cultural e arquitetônico, impedindo, por exemplo, que venham a ser destruídos ou descaracterizados.

Diante do projeto de privatização, e consequentemente, de modernização promovida pelo político-gestor, a construção sofrerá impactos significativos em sua estrutura. Como um bem tombado, o estádio não pode passar por nenhuma obra, por menor que seja, sem a aprovação dos órgãos responsáveis. Isso, por ora, garante a integridade do estádio, mas como vimos com o Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, um bem tombado pode ser demolido e dar lugar a outro ou complemente descaracterizado, basta o interesse e a vontade de empreiteiras e desejos pessoais de destombar um bem. E isso é perigoso, para a arquitetura do lugar sem si, mas também no impacto que uma alteração desse tipo pode causar na relação entre o bem e a população.

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Fachada do estádio do Pacaembu. Foto: Paula Marina Castro/Flickr (CC BY-SA 2.0).

Inaugurado em 1940 por Getúlio Vargas, o Pacaembu fez parte da história da cidade de São Paulo e do futebol. Em 1950, recebeu jogos da Copa do Mundo de Futebol, em 1963, recebeu algumas modalidades dos Jogos Pan-Americanos. O gramado foi palco de jogos marcantes do futebol regional e nacional. Hoje é palco das decisões da Copa São Paulo de Futebol Júnior, um dos maiores torneios de futebol sub-20 do mundo. É a casa da Seleção Brasileira de Futebol Feminino em São Paulo, e recentemente recebeu alguns jogos de rugby. Além disso, abrigou os principais clubes da cidade, como o Palmeiras, São Paulo, Corinthians, e até mesmo o Santos.

O Pacaembu é, sem dúvida, é uma das casas do futebol paulista, há toda uma relação entre o estádio e os torcedores. É bem verdade que foi a casa do Corinthians por um bom tempo, mas os outros torcedores dos outros clubes também construíram uma memória afetiva com o estádio. Clubes como Palmeiras, São Paulo e Santos também fizeram jogos memoráveis e decisões de campeonatos ali.

Hoje o Estádio do Pacaembu não tem recebido a devida atenção dos governantes, e mesmo dos clubes que ali fizeram história. Mas é possível dizer que o Pacaembu é um local de resistência no futebol paulista. Diante do processo de arenização que os estádios do Brasil sofreram devido a Copa do Mundo de 2014, o Pacaembu se mantém, guarda ali uma forma de torcer única, que não pode ser reproduzida em qualquer outro estádio.

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Projeto prevê teto retrátil. Foto: Divulgação.

O projeto do político-gestor Doria de privatizar e modernizar o Pacaembu fere não só as leis de tombamento, mas também uma forma de torcer que não existe igual na cidade. Além disso, transformar o estádio em uma arena acirraria o processo de elitização das arquibancadas que vemos hoje em todo o Brasil, e acabaria com as formas de torcer ali existentes, em outras palavras, alteraria significativamente a relação dos torcedores com o estádio.

Atualmente o estádio é aberto para as pessoas fazerem caminhada ao redor do gramado, na praça existe uma feira livre famosa pelos seus premiados pasteis, nas proximidades e no estacionamento há reuniões de diversos grupos, de skatistas, patinação, de aeromodelismo e automodelismo. Dentro, funciona o Museu do Futebol que recebe diversos visitantes durante toda a semana. Isso significa dizer que o estádio e seu entorno não estão ociosos. Do ponto de vista futebolístico, o estádio precisa de um destino prático, que não seja a privatização e a arenização. Os grandes clubes poderiam mandar alguns jogos no Pacaembu, por exemplo. Isso reforçaria a identificação não só com o próprio clube, mas também dos torcedores com o estádio. Outra proposta é transformar o Pacaembu na casa do futebol feminino, uma saída possível para que o estádio continue a receber jogos de futebol.

Em outras palavras, o caminho para evitar que o Pacaembu seja privatizado é ocupá-lo. É mostrar para a gestão do político Doria que o estádio possui muita história e valor simbólico para a população de São Paulo. O destino do Pacaembu não pode ter um fim trágico e semelhante ao do Maracanã.

O Pacaembu é nosso!

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. O Pacaembu é nosso!. Ludopédio, São Paulo, v. 98, n. 22, 2017.
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