O padrão FIFA e os “estádios brasileiros”
O dia: 5 de Outubro de 2013; a ocasião: 27ª rodada do campeonato brasileiro de futebol da série B; o local: Estádio Maria Lamas Farache[1]; o jogo: ABC Futebol Clube (ABC-RN) versus Sociedade Esportiva Palmeiras; o destaque: poderia ter sido as duas belas viradas[2] que ocorreram na partida, mas não o foi.
Antes mesmo do apito inicial do árbitro, um fato já chamava mais atenção do que a partida de futebol chamaria naquele dia: A superlotação do estádio. As arquibancadas estavam ocupadas de tal forma, que por questão de segurança a polícia militar orientou alguns dos torcedores para que pulassem a grade que separava a torcida do campo. Ao ser abordado pela imprensa, após a resolução do incidente, o então técnico do ABC-RN, Roberto Fernandes, proferiu a seguinte citação:
[…] vai esperar acomodar todo mundo sentado para começar o jogo? Isso não é realidade, não é? Isso aqui não é Copa do Mundo ainda, nem é arena, é diferente, isso é estádio, não é arena.
Para os profissionais que trabalham diretamente com futebol (como técnicos e dirigentes), as diferenças entre estádios e arenas, bem como as normas de condutas que regem cada um desses espaços, parecem estar claras; mas e para os torcedores? Há semelhanças e/ou diferenças na concepção dessas ideias entre torcedores que frequentam estádios que passaram pelo processo de modernização (transformando-se em arenas) e aqueles que frequentam estádios que não passaram por esse processo? O processo de modernização dos estádios brasileiros tem causado influência no comportamento do torcedor que frequenta os estádios periféricos?
A presença do torcedor nos estádios é um tema recorrente no estudo de diversos autores, pois abrange uma série questões inerentes a nossa sociedade. Assim, as mudanças propiciadas pela vivência nesses espaços transcendem o espaço em si e exercem influencia na nação, cidade, bairro, família e no indivíduo.
Mais uma vez estivemos diante de uma Copa do Mundo de Futebol e o país preparou-se para esse evento de uma forma mais intensa do que faria em qualquer competição de outra modalidade esportiva. Para isso, foi necessário que o país passasse por uma série de obras de infraestrutura urbana e de mobilidade, além da reforma e construção de novas arenas esportivas que se adequassem ao “padrão FIFA”.
O brasileiro possui sua maneira de torcer e cada clube tem seu tipo peculiar de torcedor. Pela normatização do padrão FIFA não é mais possível a prática do torcer em pé, predominante nas torcidas organizadas, notadamente mais efusivas e resistentes à lógica de assistir aos jogos em suas respectivas cadeiras numeradas. Nem mesmo assistir da “geral”, visto que esta foi extinta na construção/reforma das novas arenas. Espaço este que garantia, de certa forma, a presença constante do torcedor menos favorecido economicamente; considerando o valor relativamente baixo cobrado para se adentrar neste setor do estádio.
Por fim, assistir um Cruzeiro e Villa Nova com 132.834 presentes[3], como foi em junho de 1997, parece improvável atualmente, considerando que a capacidade atual do Novo Mineirão pouco supera os 62 mil lugares. No entanto, cabe acentuar que, embora haja um intento de se controlar o comportamento desses torcedores, este movimento não se dá de forma passiva, e comporta nichos importantes de resistências e tensões frente a estas mudanças.
Parece difícil questionar que a implantação do padrão FIFA nas novas arenas multiuso tenha causado influência nos hábitos do torcedor em dias de jogos nestes estádios. Mas e quando se refere aos estádios periféricos? O padrão FIFA, de alguma forma, causou alterações nos hábitos dos torcedores que frequentam estes estádios ou as novas práticas do torcer não atingiram esses torcedores?
Incursões a campo recentemente realizadas nos Estádios: Waldemar Teixeira de Faria (Farião – estádio do Villa Nova de Nova Lima) e Municipal Castor Cifuentes (estádio do Guarani de Divinópolis), evidenciam em um primeiro momento que o padrão FIFA não abrange os estádios brasileiros de forma tão generalista como veiculado por alguns meios de comunicação, além disso, nos faz perceber a necessidade de se esclarecer: de qual estádio se está falando? Pode até ser que o padrão FIFA tenha sido implementado nos “estádios brasileiros”, aqueles 12 utilizados durante a Copa do Mundo, pois em estádios periféricos como o Farião e Castor Cifuentes, a realidade se apresenta bem distante de qualquer padrão. São estádios conhecidos no cenário mineiro; ambos com mais de 60 anos de existência (dotados da marca distintiva da tradição); e ainda com estrutura monumental similar, mas estádios que não passaram por esse processo de modernização e que mantém quase inalterados os velhos hábitos, como assistir a partida de pé (sem ser incomodado por outros torcedores e/ou seguranças) ouvindo o jogo no radinho de pilha.
Vislumbrando o torcer como objeto de estudo, muitos trabalhos vêm sendo realizados de forma a investigar como tem se dado o processo de modernização dos estádios nas capitais, e em alguns casos, a percepção dos torcedores em relação a este fato, mas não se evidencia na mesma proporção, estudos sobre a relação que se estabelece entre os torcedores localizados fora desse “centro de mudanças”; o que eles pensam sobre esse processo de modernização? Esse entendimento pode proporcionar melhores condições para se gerir esse processo, além de fomentar novos olhares às discussões sobre a temática do torcer.
[1] Localizado na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
[2] O ABC-RN, que havia inaugurado o marcador, sofreu a virada do Palmeiras por 2×1, ainda assim reagiu e reverteu o placar. A partida terminou em 3 x 2 a favor do time do casa.
[3] Informação extraída de <http://globoesporte.globo.com/platb/blog-do-futebol-mineiro/2012/03/22/publico-recorde-da-historia-do-estadio-mineirao-completa-22-anos/>. Acesso em Março de 2013.