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O Palmeiras de 2001 e os 20 anos de um quase grande time

Marco Sirangelo 19 de maio de 2021

Para mim, todo o contexto do futebol brasileiro entre, digamos, 1998 e 2002 é fascinante. Mas além de todo o componente nostálgico fortemente envolvido, me parece bastante claro que diversos acontecimentos dessa época explicam muito dos problemas que vemos hoje em nosso futebol. Esse exercício de volta ao passado responde muitas questões sobre da onde viemos e para onde vamos. Uma visão mais geral deste contexto está no capítulo 9 do livro Clube Empresa, organizado por Irlan Simões e publicado pela Corner (aqui). Mas é impressionante como o olhar individual sobre o que se passou com cada clube nessa época é igualmente rico, interessante e explicativo.

O auge do Vasco, a ascensão de São Caetano e Athlético Parananense, o milagre dos meninos do Santos (um pouco mais detalhado aqui), os frutos colhidos por Cruzeiro e, mais tarde, por São Paulo e Internacional (um dos poucos grandes que não fizeram acordos de parceria), Vitória e Bahia — os únicos que efetivamente foram vendidos, e clubes menores como Juventude e Paulista de Jundiaí, pioneiros na estratégia de Multi-Club Ownership. Entre muitos outros exemplos, o que se passou nesses clubes nesse período segue atual até hoje.

O Palmeiras representou o marco inicial de toda a transformação gerencial dos anos 1990 quando assinou um acordo de co-gestão com a Parmalat em 1992. Mais do que ganhar troféus, essa parceria mostrou que a adoção de práticas de gestão mais profissionais dava certo e era possível movimentar muito dinheiro com futebol. Mas desde o início deste acordo já era sabido que ele teria data para acabar: 31/12/2000. Seguindo um cronograma de redução gradativa de investimentos pela Parmalat, a temporada de 2000 foi acompanhada por um desmanche do elenco campeão da Libertadores do ano anterior. Mas mesmo com um time mais modesto, Luiz Felipe Scolari levou o clube para as finais da Libertadores, perdendo nos pênaltis para um Boca histórico.

No segundo semestre de 2000, o desmanche iniciado em janeiro teve sequência com a saída de nomes importantes como os de Roque Júnior, César Sampaio, Rogério, Junior, Alex, Euller e do próprio Felipão, pilares do time, fora coadjuvantes como Pena e Marcelo Ramos. Sob o comando de Marco Aurélio, de pouca experiência e trocado por Scolari no Cruzeiro mesmo após vencer a Copa do Brasil, o novo time era “bom e barato”, como se gabava Mustafá Contursi, e cheio de desconhecidos, como Paulo Turra, Gilmar, Flávio, Lopes (que pouco depois seria suspenso por 120 dias após testar positivo no doping), Juninho e Adriano, além de jovens como Taddei, Magrão e Juliano.

Palmeiras 2000
Camisa estranha e jogadores desconhecidos eram a cara do novo Palmeiras de 2000. Foto: Reprodução Palmeiras
Já garantido na Libertadores do ano seguinte após vencer a Copa dos Campeões, o time jogou sem muita pressão e fez campanha digna na bizarra Copa João Havelange, terminando em 11º na primeira fase, eliminando o São Paulo nas Oitavas de final e caindo diante do finalista São Caetano nas quartas. Não fosse o trauma da final da Copa Mercosul, quando vencia o Vasco por 3×0 no intervalo e conseguiu levar a virada, a temporada de despedida da Parmalat teria sido bastante honrada.

Com ares de recomeço, o Palmeiras começava 2001 com a camisa limpa e sem a presença da co-gestora endinheirada, mas com grandes ambições. A primeira delas estava na disputa do Mundial de Clubes na Espanha em julho e, para não fazer feio, havia promessa de um time forte. Por fim, aproveitando o mercado de parcerias aquecido, as conversas com a ISL andavam bem. Com contratos com Flamengo e Grêmio, a maior agência de marketing esportivo do mundo na época (inclusive responsável pela organização do Mundial da Fifa) se interessava pelo Palmeiras e seria essencial para concretizar um grande sonho do presidente Mustafá — reformar o estádio Palestra Itália.

Allianz Parque
Os planos de um novo estádio existiam mais de uma década antes do Allianz Parque. Foto: Divulgação Palmeiras

Mustafá, inclusive, dizia confiar em seu planejamento para o período pós Parmalat e afirmava ter bastante dinheiro em caixa. Isso até se confirmou quando o clube de fato montou um time interessante, com as chegadas do lateral-craque Felipe e do atacante Fabio Júnior e a volta de Alex. Junto com referências como Marcos, Arce (que esteve à venda e sem contrato até a renovação em março), Galeano e um inesperado Lopes, além de bons valores em Magrão, Fernando, Tuta e Basílio. Até Falcão do futsal tentou a sorte, sem muito sucesso. Apesar de menos estrelado em relação aos anos anteriores com a Parmalat, havia expectativa no time.

Anos mais tarde, Alex afirmaria mais de uma vez que Marco Aurélio foi um dos piores técnicos com quem trabalhou, principalmente graças ao péssimo relacionamento com os jogadores. A declaração é confirmada com a saída do treinador no começo de março, antes mesmo da Libertadores começar, após conflitos com basicamente todos os principais atletas do elenco. Para seu lugar chegou Celso Roth, 10 anos mais jovem que Felipão, mas igualmente gaúcho, turrão e bigodudo. Com títulos recentes por Internacional, Grêmio e Sport, Roth assumia um time em 13º no Paulistão e estreou com vitória na primeira rodada da Libertadores graças a dois gols de Lopes contra a Universidad de Chile.

O novo treinador melhorou o time, mas não foi suficiente para retomar o tempo perdido no estadual, terminando em sétimo, dois pontos do quarto colocado. Além disso, já era criticado pelo estilo considerado defensivo demais. Na Libertadores, porém, o Palmeiras fez a segunda melhor campanha da primeira fase, passando invicto e com apenas um empate no grupo. Sem muita sorte no sorteio de chaves da segunda fase, pegou o São Caetano nas oitavas, em clima de revanche pela eliminação no Brasileiro passado. Um golaço aos 38 do segundo tempo que fez o desconhecido colombiano Muñoz virar talismã levou o jogo para os pênaltis, vencido pelo time de Roth.

As quartas de final reservavam uma pedreira, o Cruzeiro de Felipão. Turbinado com dinheiro da Hicks Muse, a mesma parceira do Corinthians, o time mineiro era um dos favoritos da Libertadores e, além de astros como o argentino Sorín, contava com vários ex-Palmeiras do ciclo de 1999/2000, como Cléber, Oséas, Neném, Jackson e Marcelo Ramos. Após sofrer 2×0 no primeiro tempo, buscar o empate e levar o terceiro aos 38 do segundo tempo, Lopes fez seu terceiro gol no jogo já nos acréscimos, decretando o 3×3 na ida. A volta não seria menos emocionante e, após novamente um gol de empate aos 39 do segundo tempo, a decisão iria para os pênaltis, com o Palmeiras não tendo estado à frente em nenhum momento nos 5×5 agregado nos dois jogos.

Contando com uma isolada de Jackson que definiria o confronto e três defesas de Marcos, o Palmeiras passou adiante para as semifinais novamente de forma dramática. Pela frente, agora, o Boca, em revanche da final do ano anterior. Com boa parte da base campeã mantida, o time argentino chegava às semis após passear contra o Vasco, com direito a 3×0 na Bombonera.

Dois jogos e dois 2×2 depois, novamente a disputa seria por pênaltis. Antes disso, porém, muitas polêmicas de arbitragem e uma voadora de um torcedor que conseguiu atravessar o fosso do velho Palestra e deixou desacordado o bandeirinha. Mesmo assim, o Palmeiras buscou o empate após estar perdendo por 2×0 em uma das mais brilhantes exibições da carreira de Riquelme. Os erros de Alex, Basílio e Arce nos pênaltis classificaram o Boca para a final, sagrando-se bicampeão, também nos pênaltis. Nas três edições seguidas de Libertadores que disputou entre 1999 e 2001, o Palmeiras esteve envolvido em oito disputas de pênaltis e perdeu apenas as duas que teve contra o Boca.

Menos de dois meses antes da derrota para o Boca, nas semanas dos jogos de oitavas de final contra o São Caetano, o Palmeiras também viu a Fifa adiar o Mundial marcado para julho. Os motivos eram o iminente processo de falência da ISL que, por consequência, também paralisaram os planos de reforma do estádio Palestra Itália.

Vale lembrar que Mustafá Contursi, mesmo campeão continental em 1999, aceitou abrir mão da vaga do Mundial de 2000 com a garantia de participação no ano seguinte. Já a reforma do estádio só viria a acontecer mais de uma década depois e a contragosto do cartola, que até hoje exerce papel de influência no clube. Um acordo de patrocínio com a Pirelli, no entanto, mesmo motivado pelo Mundial, saiu do papel para o segundo semestre e duraria até o fim de 2007.

O segundo semestre de 2001 daria início a um longo período em que o Palmeiras trocaria o protagonismo de grandes jogos e conquistas pelo de vexames. A começar pela demissão de Celso Roth no final de outubro, em quinto em um Brasileirão que liderou por um bom tempo, mesmo já sem figuras importantes como Felipe e Alex. Apesar de aliviar a torcida que não poupava gritos de burro, a troca por Marcio Araújo deu muito errado e o time terminou o ano em 12º, longe do grupo dos 8 classificados para a próxima fase e eliminado na primeira fase da Copa Mercosul.

No final das contas, por não participar de nenhuma final, 2001 foi o pior ano do clube logo após sair da fila em 1993. Esse posto de pior ano seria logo tomado por 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado para a Série B. E tudo começou com o que era pra ser o ano de afirmação internacional e que faria o clube andar com suas próprias pernas. Acabou ficando no quase. Quase campeão continental, quase participante do mundial, quase com o estádio reformado e quase classificado no Brasileiro. Quase inesquecível.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Sirangelo

Marco Sirangelo é Mestre em Gestão Esportiva pela Universidade de Loughborough (Inglaterra) e Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, foi Analista de Marketing do Palmeiras entre 2009 e 2010 e Gerente de Projetos da ISG, de 2011 a 2016. Atualmente é Head de Projetos na consultoria OutField.Twitter: @MarcoSirangelo

Como citar

SIRANGELO, Marco. O Palmeiras de 2001 e os 20 anos de um quase grande time. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 34, 2021.
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