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O Palmeiras tem mundial? (parte 3)

Nesta terceira e última parte (veja as anteriores: parte 1 e parte 2) sigo a trajetória do Palmeiras no campeonato e também apresento as análises dos colunistas do Jornal dos Sports sobre os mais variados aspectos do torneio.

Entre as notícias houve uma mudança no regulamento da competição. Havia a possibilidade de empate após a segunda partida da final e estava prevista a divisão do troféu, ou seja, poderiam ter dois campeões. A mudança no regulamento era exatamente para impedir esta possibilidade de ter dois campeões. Neste caso ficou decidido que se o empate prosseguisse após uma prorrogação de 30 minutos que seriam disputadas quantas prorrogações de 15 minutos fossem necessárias até que uma das equipes marcasse um gol[1].

No âmbito da busca pelo reconhecimento da competição como algo importante o Jornal dos Sports publicou uma nota do presidente da CBD, Mario Pollo, enviada ao jornalista Mario Filho:

Ilmo Sr. Mario Rodrigues Filho – No momento em que se inicia o Torneio Internacional de Clubes Campeões, a Confederação Brasileira de Desportos presta ao grande jornalista-esportista a homenagem merecida por ter sido o inspirado idealizador do certame, cujas proporções atingirão o prestigio e o renome do football brasileiro, no concerto mundial das nações. Em futura oportunidade esta Confederação se sentirá muito feliz em reafirmar o justo preito que agora lhe leva. Manifestando, pois, os sentimentos da instituição representativa do football brasileiro, agradeço também a colaboração constante, eficiente, ampla e entusiasta que o jornal sob sua direção vem dando ao êxito do Torneio. Com os protestos de minha particular estima e do meu elevado apreço. Dr. Mario Pollo – Presidente em exercício[2].

O cronista Albert Laurence também elogiava a competição. Destacava a qualidade da equipe austríaca e pontuava o clima de Copa do Mundo que o torneio produziu em suas primeiras partidas[3].

Em meio aos elogios direcionados à competição havia um problema a ser resolvido pelo presidente da CBD, Mario Pollo. Havia uma solicitação do senador Mozart Lago feita via Senado Federal para intervenção para que fossem reduzidos os preços dos ingressos. O presidente da CBD, por sua vez, apontava ser impossível reduzi-los diante das despesas previstas com a Copa Rio[4]. A reunião entre os dois foi apresentado como um encontro amigável e que o senador iria estudar os documentos apresentados por Mario Pollo[5].

Mario Filho entrou em cena novamente para defender a competição. Em sua opinião as pessoas que reclamavam dos preços dos ingressos não eram as que frequentavam os estádios. Desse modo, criticava a postura do senador Mozart Lago. Para Mario Filho, o povo que vai ao estádio não reclamava do preço dos ingressos porque estes sabiam que a renda, em suas palavras, era garantia de prosperidade para o futebol. E os ingressos tinham por finalidade permitir o cumprimento do que havia sido oferecido aos clubes: passagens, ajuda de custo e quota para as equipes participantes (200 mil cruzeiros)[6].

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Equipe do Palmeiras de 1951. Fonte: Palmeiras.

O debate sobre o preço dos ingressos envolveu até José Lins do Rego. Em sua coluna chamada “Esporte e Vida”, entendia a ação do senador como oportunista:

“Uma “torrinha” no Municipal, para uma ópera, custa 100 cruzeiros, e uma arquibancada para uma partida internacional de campeões custa 30 cruzeiros. Tanto a “torrinha” quanto a arquibancada são localidades que devem interessar aos mais pobres. E tanto o Teatro Municipal e tanto o Estadio são de prioridade da cidade, com administração direta da Prefeitura. Por que o senador Mozart Lago não toma às dores pelos clientes da “torrinha”? São apenas umas mil criaturas que não dão para eleger um senador. Mas pedir para os 150 mil pagantes do Estadio, é pedir para uma multidão. Um senador com a experiência do Sr. Mozart Lago, sabe o que faz. Em todo o caso, que examine o nobre representante do povo, as contas da C.B.D., e depois de bem examinados, abra a boca no mundo e diga a verdade”[7].

José Lins do Rego continuava a questionar o posicionamento do senador Mozart. Dois dias depois retomava a questão:

“As cifras e os argumentos do senador Lago esbarram com os fatos e caem de quatro. Acha ele, num tom de lamuria pela pobre bolsa do povo, que a 20 cruzeiros e a Cr$ 10,00 poderia a C.B.D. arrecadar mais do que com os preços atuais, porque muita gente corria às bilheterias só pela diminuição do valor das arquibancadas e gerais. Não é o espetáculo que atrai mais o público, mas a redução da contribuição. Ora, meu caro senador, andaram por aqui dois teams ingleses, o Arsenal e o Portsmouth, e os preços das entradas eram os da sua tabela. Pois bem: lá não foi o povo por que o football que apareceu não prestava. Está bem?”[8]

A estreia do Palmeiras, campeão paulista de 1950, foi contra o Nice, campeão francês e o time era apresentado pelo jornalista Tomaz Mazzoni como um “[…] conjunto dos mais harmoniosos, com uma sólida defesa e uma vanguarda bem ajustada, requisitos indispensáveis a uma boa equipe”[9].

A vitória do Palmeiras por 3 a 0 sobre o Nice apresentou, segundo Tomaz Mazzoni, algumas particularidades. Havia a expectativa em saber o desempenho do jogador Ieso. A reportagem indica que a equipe do Nice era muito inferior ao Palmeiras. Embora o primeiro tempo tenha terminado sem gols, os franceses mostraram que se preocupavam em defender e atacavam apenas em contra-ataques. O primeiro gol surgiu de uma jogada de Aquiles. O jogador do Palmeiras entrou na área e foi derrubado pelo zagueiro Firoud. O próprio Aquiles cobrou e fez 1 a 0 para o Palmeiras aos 8 minutos do primeiro tempo. O segundo gol foi de Ponce de Leon após jogada individual de Jair que driblou alguns jogadores franceses antes de realizar o cruzamento. Aos 30 minutos, Richard que havia substituído Aquiles chutou forte. A bola bateu na perna de Gonzalez e parou dentro do gol francês. Os destaques do Palmeiras foram Jair (mesmo machucado com distensão muscular chutou duas bolas na trave), Fiume, Salvador e Dema[10].

A segunda partida do Palmeiras foi contra o Estrela Vermelha. O Jornal dos Sports deu pouco destaque para este jogo. O foco foi a vitória do Vasco sobre o Áustria Viena, marcando a segunda vitória vascaína pelo placar de 5 a 1. A primeira havia sido sobre o Sporting de Portugal. É apresentada uma decepção em relação ao desempenho do Palmeiras na vitória por 2 a 1 sobre o Estrela Vermelha e que o clube iugoslavo deveria ter sido o vencedor da partida. A análise apontava para uma defesa alviverde vulnerável em que Valdemar Fiúme e Luiz Villa não se entendiam. O Estrela Vermelha abriu o placar e Aquiles empatou o jogo aos 33 minutos. O Palmeiras venceu a partida após cobrança de escanteio de Lima e gol de Liminha.[11]

A terceira partida do Palmeiras foi marcada pela decepção e surpresa. A derrota por 4 a 0 para a Juventus da Itália não poderia ser prevista mesmo que as duas primeiras exibições do Palmeiras, conforme aponta o Jornal dos Sports, terem sido fracas. Com a vitória a Juventus se classificou em primeiro lugar e o Palmeiras sem segundo. A maior crítica ao Palmeiras foi de que apesar “de uma serie interminável de feitos expressivos e que acreditou demasiadamente nos títulos que o credenciavam como um dos mais perfeitos conjuntos nacionais”[12]. Enfim, a derrota apontava que o Palmeiras precisava jogar um bom futebol que, até aquele momento, embora com duas vitórias em três jogos não havia sido apresentada na competição.

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Goleiro da Juventus salta para fazer defesa. Fonte: Palmeiras.

Tal análise também foi compartilhada pelo jornalista Albert Laurence. No balanço da fase de grupos seu destaque era para a Juventus, o Vasco e o Austria (que fora eliminado) e as decepções eram o Estrela Vermelha e o Palmeiras[13].

Com o segundo lugar o Palmeiras pegaria o primeiro lugar do outro grupo, o Vasco. O clube carioca, diferentemente do Palmeiras, vinha de apresentações convincentes em suas três vitórias. O Jornal dos Sports não acreditava em uma reviravolta do Palmeiras em sua forma de jogar conforme pode ser visto nesta passagem:

“Os palmeirenses esperam conseguir a sua reabilitação embora isto pareça pouco provável porque o team dificilmente conseguiria readquirir a homogeneidade que vinha apresentando em seus compromissos anteriores e vai enfrentar um adversário cheio de brio, plenamente convencido de que é candidato real à conquista da ‘Copa Rio’, o Vasco. Acrescente-se a esses fatores psicológicos o bom desempenho que o quadro cruzmaltino vem apresentando, vencendo todos os matches de que participou, com hierarquia, com absoluta autoridade”[14].

Antes da partida os cronistas tentavam, além de analisar o desempenho na fase de grupos, também prever o que aconteceria na tão esperada semifinal entre duas equipes brasileiras. Vargas Netto era enfático em dizer que o Vasco teria um jogo duro contra o Palmeiras, tal como havia tido com os uruguaios do Nacional. Assim pontuava o cronista:

“O Palmeiras vai correr em campo e dar duro do mesmo modo que o Nacional. Os paulistas podem ficar apáticos num match, mas não em todos. […] Cuidado com o Palmeiras, que ele anda mal intencionado. A prova disso foi o seu esforço para levar o Vasco para São Paulo, sem nenhum resultado prático que justificasse o intento. As rendas têm sido muito superiores aqui. O Vasco é o vencedor de sua serie. Aqui o Estádio é mais confortável, cabe muito mais gente. E afinal o troféu em disputa é a Copa Rio, portanto, todas as finais deveriam realizar-se aqui. Se alguém duvida do que eu digo, que vá ao Maracanã, e veja como vai jogar o Palmeiras contra o Vasco”[15].

Mario Filho caminhava com o argumento de que existiam escolas de futebol diferentes sendo possível identificar uma escola carioca e uma escola paulista. E em seus argumentos aproximava a escola carioca da argentina pela sua dimensão artística enquanto a escola paulista era associada a uruguaia pela sua eficiência. Porém, quando era para pensar na busca pelo gol os uruguaios estavam próximos dos cariocas e os argentinos se pareciam mais com os paulistas quando o assunto era jogar contra um grande adversário desprevenido. Ressaltava ainda que o Palmeiras lutará por uma vitória a todo custo[16].

Esse mesmo ponto de vista, da superioridade vascaína e decadência da forma de jogar do Palmeiras era colocado por Mario Julio Rodrigues. Aproveitava para reforçar que independentemente da final que seria definida o êxito da competição estava garantido.

“[…] o êxito da Copa já está garantido. Mais do que garantido. Graças a Deus aliás. Porque não pode existir nada melhor para o torcedor brasileiro do que presenciar estes matches cada dois anos. A próxima Copa, então, deve se constituir em maior sucesso ainda. Com todos os clubes do mundo se esforçando para alcançar a honra de participar da maior competição mundial de clubes”[17].

Mario Filho continuava a buscar a comparação entre o Palmeiras e o futebol uruguaio para explicar, de algum modo, a derrota vascaína no primeiro jogo. Não considerava a vantagem do empate do Palmeiras como sendo uma vantagem. Segundo Mario Filho, sempre que um time joga pelo empate acaba derrotado. Com isso, voltava para a derrota brasileira na Copa de 1950:

“Sucedeu com o Vasco o que tinha sucedido com o scratch brasileiro a 16 de julho de 50. Ou a 28 de junho. A data de 16 de julho parece servir melhor para um símile. Pelo score – o mesmo. Pelos goals – quase os mesmos frangos de Barbosa. Não houve o goal de Schiafino, mas houve dois goals à Gigghia. Duas bolas chutadas com o pé errado. Com o pé esquerdo de Richard, com o pé direito o de Liminha. Quase da mesma posição. O ângulo, pelo menos, era o mesmo. Ao contrário. O que mais força, porem, a memoria a voltar-se para 16 de julho é a grande semelhança entre o football paulista e o uruguaio”[18].

Mario Filho insistia na comparação dos estilos de jogar futebol das equipes paulistas com o Uruguai. Além disso, não poupava críticas ao goleiro Barbosa. O frango aqui desqualifica o goleiro vascaíno que, por sua vida toda, foi acusado de culpado pela derrota. Neste caso, mesmo que a busca pela comparação possa produzir outras interpretações a postura de Mario Filho é a da crítica direta ao goleiro vascaíno que, teria falhado novamente em um momento decisivo no estádio do Maracanã.

A classificação do Palmeiras após o empate sem gols na segunda partida contra o Vasco pela semifinal da Copa Rio pegou os cronistas do Jornal dos Sports de surpresa. Vargas Netto, José Lins do Rego, Mario Julio Rodrigues e Mario Filho falavam sem acreditar que o melhor time da competição não representaria o futebol brasileiro na final contra a Juventus.

Lance do Palmeiras no estádio do Maracanã
Lance do Palmeiras no estádio do Maracanã. Fonte: Palmeiras.

Vargas Netto ao mesmo tempo em que destacava a ânsia do Palmeiras em vencer pontuava que a classificação fora possível pelo erro do bandeirinha que anulou um gol legítimo do Vasco[19].

José Lins do Rego afirmava que os paulistas estavam prosas, convencidos por terem se transformado desde a goleada sofrida contra a Juventus até a eliminação do Vasco[20].

Mario Julio Rodrigues afirmava que o impossível havia acontecido: o Vasco estava eliminado e buscava nas decisões da comissão técnica do time carioca as razões para a derrota. Também afirmava que “[…] por não merecer triunfar os protestos pelo goal anulado – de outras vezes tão enérgicos – não passaram desta feita de protestos formais”[21].

A derrota para a Juventus por goleada também era o mote do posicionamento de Mario Filho. Para ele, tal revés parecia ter tirado o direito do Palmeiras em representar o país. A sua recuperação foi conquistada após eliminar o favorito do Brasil, isso mesmo ele atribuiu esta condição ao Vasco[22].

No dia do jogo da primeira final contra a Juventus os colunistas do Jornal dos Sports procuravam analisar o histórico na competição das duas equipes até chegar ali. A derrota na primeira fase para a Juventus colocava o Palmeiras, nas palavras de Ricardo Serran, com uma vantagem: a de não ser o favorito.

A revanche era vista como a motivação para o Palmeiras conquistar o título de campeão do mundo. A Juventus era a única equipe invicta da competição e a única derrota do Palmeiras havia sido exatamente contra o clube italiano. Assim era encarada a revanche:

“Os cracks alvi-verdes poderão esquecer o feio revés que sofreram por 4 a 0 na partida do Pacaembú. É quase tradição firmada de os brasileiros nunca perderem as ‘revanches’. Façamos votos para que o mesmo aconteça agora diante do cotejo Palmeiras x Juventus. Os palmeirenses devem entrar em campo com a ideia fixa de resgatar os 4×0”[23].

Vargas Netto e José Lins do Rego exploravam que o Palmeiras representava o Brasil e este último falava em vingança pela derrota na primeira fase[24]. Para Vargas Netto, esta representação passava pelos craques brasileiros do futebol, pelo lugar do Brasil no cenário esportivo e por milhares de pessoas que torceriam pelo Palmeiras[25].

O Palmeiras já havia tentado levar uma das semifinais contra o Vasco para o estádio do Pacaembu, em São Paulo. Mesmo com a negativa tentou novamente levar a primeira partida da final contra a Juventus para São Paulo. A Juventus recusou-se sob a justificativa de que a tabela indicava o jogo para o Maracanã[26]. Além deste fato, é óbvio que o time italiano sabia que jogar no Pacaembu se depararia com a torcida palmeirense em massa.

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Jair no Jornal dos Sports.

A vitória por 1 a 0 do Palmeiras sobre a Juventus na primeira partida da final fez com que a crônica esportiva do Jornal dos Sports mudasse sua opinião em relação ao time paulista. Se antes havia um inconformismo pela desclassificação vascaína agora havia um otimismo diante da boa atuação palmeirense. O volume de jogo apresentado e a qualidade ofensiva do Palmeiras não foram transformadas em gols. Três jogadores do Palmeiras foram o destaque da partida. “Jair, Vila e Juvenal estavam em toda a parte, davam a impressão de atrair o jogo para o lugar em que se encontrassem”[27].

A expectativa para a última partida do campeonato trazia a confiança readquirida pelo Palmeiras ao mesmo tempo em que não se deixava levar pela euforia até pelo fato de ter do outro lado a equipe italiana de qualidade[28]. Especialmente porque o Palmeiras da vitória no Maracanã não era o mesmo Palmeiras da derrota no Pacaembu[29]. Um jogador do Palmeiras, Jair da Rosa Pinto, ganhava destaque nas matérias[30].

No dia do jogo as análises dos cronistas voltavam-se para a grande partida da final. Mario Filho recorria novamente para a dimensão de que a não se deveria pensar que jogar pelo empate era uma vantagem. Falava isso em alusão à derrota do Brasil na Copa de 1950 e afirmava que o motivo da derrota daquele 16 de julho era exatamente o empate. Assim analisava as possibilidades:

“A vantagem do Palmeiras não é a do empate: poderá ser a do empate, o que é outra coisa. Se o match terminar empatado o Palmeiras terá conquistado a ‘Copa Rio’. Pela vantagem da vitória. A vantagem do Palmeiras é a da vitória. A da vitória conseguida na primeira das finais. Que coloca o Palmeiras em situação de não se desclassificar na derrota. Se o Palmeiras perder o título será decidido na prorrogação. Ou nas prorrogações. Aí, porém, a vantagem, não do empate, da vitória, estará com o Juventus”[31].

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Gol do Palmeiras na final. Fonte: Palmeiras.

A sombra da derrota de 1950 também estava presente no texto de Mario Julio Rodrigues. Entre as justificativas para a derrota na Copa de 1950 uma delas foi a de que o Maracanã teria dado azar ao time brasileiro e que o Palmeiras teria a chance de provar que isso não era verdade. Além disso, a vitória do Palmeiras “[…] daria ao Brasil um título que o Brasil merecia há um ano atrás”[32].

Mario Filho em sua crônica após o Palmeiras sagrar-se campeão tinha como título: “Adeus do football brasileiro ao 16 de julho”. Era como se a competição de clubes pudesse resolver o que havia acontecido no ano anterior com a seleção brasileira. Era como se pudesse enfim solucionar a difícil equação de que “[…] o football brasileiro era o melhor do mundo mas não era o campeão do mundo”. Havia, decerto, um grande peso daquela derrota presente nos textos dos cronistas dos Jornal dos Sports. Assim escreveu Mario Filho:

“O match colocou o football brasileiro diante de outro dezesseis de julho. Repetindo em quase tudo aquele Brasil e Uruguai. Como se fosse de propósito. Por isso uma grande vitória do Palmeiras sobre o Juventus não significaria tanto. Mais do que a derrota de dezesseis de julho doera a passividade do scratch brasileiro diante do pior. Talvez passividade não seja o termo. O que faltou ao scratch brasileiro depois do um a um e sobretudo depois do dois a um foi cabeça e foi perna. Faltou mais cabeça do que perna. Haveria perna se houvesse cabeça. Eis por que se pode dizer que o football brasileiro precisava mais de um empate assim do que uma grande vitória”[33].

Nessa busca pela resolução da equação Mario Filho entendia que o Palmeiras havia falhado quando poderia falhar. E que cresceu quando precisava crescer. O Palmeiras ficou em desvantagem duas vezes na partida. O primeiro gol da Juventus, segundo Mario Filho, tinha como ingrediente um “frango à la Barbosa”. Só que agora a falha, ou melhor o frango, era do goleiro Fabio. “O Palmeiras recuperou-se do primeiro frango de Fabio e teve de recuperar-se do segundo. Foi o que tornou o dois a dois da finalíssima uma grande vitória”.

O caminho percorrido por muitas dificuldades e superação era o mote da análise de Vargas Netto[34] enquanto Mario Julio Rodrigues ressaltava que o Palmeiras assumiu a condição de representar o Brasil na decisão e honrou ao conquistar o maior título de sua história[35].

Imagem do Palmeiras como campeão do mundo
Imagem do Palmeiras como campeão do mundo. Não foi publicada pelo Jornal dos Sports. Fonte: Palmeiras.

Interessante notar que nenhum título das crônicas fazia referência ao título de campeão do mundo algo que Mario Filho havia defendido antes e durante a competição. A referência a essa dimensão apareceu em uma reportagem sem assinatura em que apresentava os número da competição. Sob o título “Palmeiras, campeão do mundo, e Juventus, vice-campeão” colocava de modo direto o que havia sido pensado desde o início: a realização de uma Copa do Mundo de Clubes. Embora inúmeros contratempos tenham aparecido, conforme tentei mostrar nesta série, foi assim vivido e defendido pelas crônicas do Jornal dos Sports[36].


[1] Na hipótese do empate final não haverá mais dois campeões. Jornal dos Sports, 30 de junho de 1951, p. 8.

[2] A C.B.D. agradece a Mario Filho o idealizador do “Torneio dos Campeões”. Jornal dos Sports, 1 de julho de 1951, p. 3.

[3] LAURENCE, Albert. Estreou maravilhosamente a “Copa Rio” com exibição deslumbradora do Austria. Jornal dos Sports, 1 de julho de 1951, p. 13.

[4] A C.B.D. e a questão de preços para a “Copa Rio”. Jornal dos Sports, 4 de julho de 1951, p. 3.

[5] Entenderam-se os srs. Mario Pollo e Mozart Lago. Jornal dos Sports, 5 de julho de 1951, p. 1.

[6] MARIO FILHO. Demagogia contra o futebol. Jornal dos Sports, 6 de julho de 1951, p. 5.

[7] REGO, José Lins do. O senador e as arquibancadas. Jornal dos Sports, 6 de julho de 1951, p. 6.

[8] REGO, José Lins do. A tabela do senador. Jornal dos Sports, 8 de julho de 1951, p. 9.

[9] MAZZONI, Tomaz. Apresenta-se o Palmeiras na “Copa Rio”. Jornal dos Sports, 30 de junho de 1951, p. 3.

[10] MAZZONI, Tomas. Venceu o Palmeiras sem se render o máximo. Jornal dos Sports, 1 de julho de 1951, p. 7.

[11] Dramática, a vitoria. Jornal dos Sports, 6 de julho de 1951, p. 6.

[12] Soube o Juventus explorar as falhas do Palmeiras. Jornal dos Sports, 10 de julho de 1951, p. 3.

[13] LAURENCE, Albert. Balanço das “eliminatorias”: o Juventus, o Austria (E o Vasco), ainda melhores do que se esperava. Jornal dos Sports, 10 de julho de 1951, p. 5.

[14] Rumo ao Rio para a reabilitação. Jornal dos Sports, 10 de julho de 1951, p. 8.

[15] VARGAS NETTO. A “faixa” não regula aqui… Jornal dos Sports, 11 de julho de 1951, p. 5.

[16] MARIO FILHO. O maior Rio-SP que já houve. Jornal dos Sports, 11 de julho de 1951, p. 5.

[17] RODRIGUES, Mario Julio. O êxito da “Copa Rio” – Victoria do football brasileiro. Jornal dos Sports, 11 de julho de 1951, p. 5.

[18] MARIO FILHO. O que está em jogo no match Vasco e Palmeiras. Jornal dos Sports, 15 de julho de 1951, p. 9.

[19] VARGAS NETTO. A responsabilidade do Palmeiras. Jornal dos Sports, 17 de julho de 1951, p. 5.

[20] REGO, José Lins do. Periquitos. Jornal dos Sports, 17 de julho de 1951, p. 5.

[21] RODRIGUES, Mario Julio. A vez do Palmeiras. Jornal dos Sports, 17 de julho de 1951, p. 5.

[22] MARIO FILHO. Agora o Palmeiras é o Brasil. Jornal dos Sports, 17 de julho de 1951, p. 5.

[23] Com os olhos nos 4 a 0… Jornal dos Sports, 18 de julho de 1951, p. 5.

[24] REGO, José Lins do. Palmeiras. Jornal dos Sports, 18 de julho de 1951, p. 5.

[25] VARGAS NETTO. Palmeiras pelo Brasil! Jornal dos Sports, 18 de julho de 1951, p. 5.

[25] REGO, José Lins do. Palmeiras. Jornal dos Sports, 18 de julho de 1951, p. 5.

[26] A C.B.D. foi até onde poderia ir no caso da pretensão paulista. Jornal dos Sports, 18 de julho de 1951, p. 6.

[27] OLINTO, Antonio. A vitoria do Palmeiras. Jornal dos Sports, 19 de julho de 1951, p. 5.

[28] LAURENCE, Albert. O Palmeiras é o melhor mas o Juventus ainda pode vencer. Jornal dos Sports, 20 de julho de 1951, p. 5.

[29] MARIO FILHO. Vitória ideal para o começo da decisão. Jornal dos Sports, 20 de julho de 1951, p. 5.

[30] SILVA, Geraldo Romualdo da. Jair, “La Piccola Sinistra”. Jornal dos Sports, 20 de julho de 1951, p. 5.

[31] MARIO FILHO. A vantagem do Palmeiras não é a do empate: é da vitória. Jornal dos Sports, 22 de julho de 1951, p. 7.

[32] RODRIGUES, Mario Julio. Com o Palmeiras pelo Brasil! Jornal dos Sports, 22 de julho de 1951, p. 7.

[33] MARIO FILHO. Adeus do football brasileiro ao 16 de julho. Jornal dos Sports, 24 de julho de 1951, p. 5.

[34] VARGAS NETTO. Aos vitoriosos. Jornal dos Sports, 24 de julho de 1951, p. 5.

[35] RODRIGUES, Mario Julio. A conquista do Palmeiras. Jornal dos Sports, 24 de julho de 1951, p. 5.

[36] Palmeiras, campeão do mundo, e Juventus, vice-campeão. Jornal dos Sports, 24 de julho de 1951, p. 9.


Em janeiro de 2019 tive acesso a um vídeo da final. Tem duração de 15 minutos e está disponível no site do Archivo Luce.

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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. O Palmeiras tem mundial? (parte 3). Ludopédio, São Paulo, v. 108, n. 25, 2018.
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