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O Paulistão não pode virar ilusão

Lucas Dorta 13 de agosto de 2020

Após empatar com o Corinthians em 1 a 1 no tempo normal e vencer o rival por 4 a 3  na disputa de pênaltis, no Estádio Allianz Parque, o Palmeiras conquistou no último sábado (8/08/20) o seu 23º Campeonato Paulista. O título veio após dois confrontos de nível técnico baixíssimo, de poucas chances de gol, e que ganhou emoção apenas  por ter contornos dramáticos nos segundos finais da segunda partida com o pênalti do zagueiro Gustavo Gómez no atacante Jô. O primeiro jogo terminou 0  a  0, na Arena Corinthians, servindo de ajuda no sono na noite daquela quarta-feira (5/08/20).

Os campeões terminaram a primeira fase com 22 pontos, tendo a segunda melhor campanha, ficando atrás do Red Bull Bragantino, que fez 23. O alviverde obteve seis vitórias, quatro empates e duas derrotas, sendo o melhor colocado entre os quatro grandes. Já no mata-mata, antes de vencer os corintianos, a equipe ganhou de 2 a 0 do Santo André nas quartas de final e de 1 a 0 da Ponte Preta na semifinal. Mas, apesar dos resultados e da taça, a “comemoração” não pode virar ilusão. Peço até licença ao usar a palavra comemoração, já que a história contará que a final ocorreu no dia em que o Brasil infelizmente ultrapassou os 100 mil mortos pelo Coronavírus e as manchetes dos jornais corretamente deram prioridade para a crise de sanitária, fato que esfriou o clima da decisão. Além disso, as finais aconteceram em estádios vazios e com pessoas precisando evitar ir para as ruas. Acrescento ainda o clima de baixo astral e de incertezas tanto no país  como no futebol brasileiro.

Voltando a abordar assuntos de dentro das quatro linhas, não é exagero dizer que, para muitos palmeirenses, a sensação  de alívio por não perder superou a explosão da euforia da conquista, devido à conjuntura do desempenho apresentado durante o campeonato, principalmente em jogos contra clubes de Série A. Obviamente que na hora da taça o torcedor coloca a emoção acima da razão. Porém, quando passar a ressaca do título e diminuir a euforia, entrará aquele famoso clichê dizendo “venceu, mas não convenceu”. A glória valeu a pena? Sim, e muito. Mas a grandiosidade é mais pelo fato de ser contra o Corinthians do que pelo troféu em si.

Desempenho fraco contra times da Série A

O Palmeiras não ganhou absolutamente nenhum jogo contra equipes da primeira divisão. E, pior, na primeira fase não marcou um único gol nos clássicos. Antes da paralisação por causa da pandemia, 0 a 0 contra o São Paulo em Araraquara no dia 26 de janeiro; em Bragança Paulista, no Estádio Nabi Abi Chedid, derrota por 2 a 1 para o Red Bull Bragantino em 2 de fevereiro; no dia 29 do mesmo mês,  a equipe não saiu do 0 a 0 contra o Santos no Pacaembu; na volta do Paulistão, que aconteceu em 22 de julho, derrota para o Corinthians por 1 a 0, na Arena Corinthians.

Já no mata-mata, o único clássico foi Palmeiras x Corinthians, já que São Paulo e Santos caíram nas quartas de finais. Empate em 0 a 0 na Arena Corinthians, no Allianz Parque 1 a 1 e vitória palmeirense por 4 a 3 somente nos pênaltis, ou seja, seguiu sem vencer times de Série A.

É preciso melhorar o desempenho caso queira sonhar com outras taças, pois pela frente terá adversários difíceis no Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores.

Dificuldade em mata-mata

Desde 2015 o time não conquistava títulos em  mata-mata. O último havia sido a histórica Copa do Brasil. Depois daquele ano, foram 11 derrotas no formato. Uma delas para o Corinthians, nos pênaltis, na final do Campeonato Paulista de 2018, no Allianz Parque.

Apesar da glória no Paulistão 2020, as dificuldades seguiram em confrontos eliminatórios. Nas quartas de final, o adversário foi o Santo André, que chegou a perder mais dez jogadores durante a paralisação. O time do ABC  tinha melhor campanha geral antes da pausa. Parecia missão fácil para o Palmeiras. Só que o primeiro gol saiu só aos 43 do segundo tempo, chorado, de Felipe Melo. Marcos Rocha fez o segundo e fechou o placar aos 49.

Na semifinal, também no Allianz Parque, outras doses de tensão contra a Ponte Preta. Vitória por 1 a 0, gol do promissor Patrik de Paula, aos 46 minutos da etapa inicial, arriscando de fora da área, algo difícil dessa equipe fazer. O bom desempenho no primeiro tempo – talvez o melhor na volta de Vanderlei Luxemburgo – não se repetiu no segundo e Weverton trabalhou evitando o empate.

Sobre a final, nem há o que comentar a respeito dos confrontos. Que  aleatoriedade! Poucas chances de gols na ida e na volta. No futuro ficará apenas a lembrança do drama dos pênaltis e dos segundos finais. Pelo elenco e investimento feito nos últimos cinco anos, o Palmeiras deveria criar mais, ter tentado matar o jogo, ser mais ofensivo e corajoso, pressionar no campo do adversário, fazer o domínio financeiro e técnico aparecer dentro das quatro linhas.

O torcedor fica na expectativa de uma evolução na parte ofensiva, já que o título paulista contra o rival pode ajudar a tirar o peso das costas do grupo de jogadores e comissão técnica.

Falta de criação e pouca agressividade

Gustavo Scarpa, Zé Rafael, Lucas Lima e Raphael Veiga. Nenhum destes meias que tinham se destacado antes de chegarem ao alviverde se firmaram. Tiveram lampejos, só que não se estabilizaram como titulares no meio-campo. Vanderlei Luxemburgo chegou a improvisar Dudu. Na reta final apostou no trio Ramires, Patrik de Paula e Gabriel Menino. Apesar de Patrik e Gabriel darem mais mobilidade e velocidade, o time sentiu falta de um meia de criação mais regular para atuar junto com os dois garotos.

A equipe teve o controle da posse de bola na maioria dos jogos, só que ela não era transformada em agressividade. Houve excesso de trocas de passes sem acelerar o jogo. O time irritava ao rodar a bola no setor da defesa. Precisa de  intensidade em busca do gol e explorar melhor os contra-ataques. A saída de Dudu pode ter sido o principal fator destes problemas. O clube precisa de alguém de velocidade, capaz de quebrar as linhas defensivas, que dê trabalho na área do adversário e arrisque jogadas individuais e dribles. Ronny é candidato a fazer este papel. Até o momento não desencantou, mas pode evoluir.

Resta a torcida também acreditar no garoto Gabriel Veron, de 17 anos, cria da base. 

A promessa de Vanderlei Luxemburgo de mostrar um estilo ofensivo não foi cumprida por enquanto.

Palmeiras com o título do Campeonato Paulista. Foto: Alexandre Battibugli/FPF/Fotos Públicas

Pontos positivos

Meninos da base

Uma das críticas ao ex-gerente de futebol do Palmeiras, Alexandre Mattos, era o pouco uso de jogadores prata da casa em um período em que as categorias de base vêm obtendo sucesso nas competições. Aliás, o alviverde não tem histórico de utilizá-los, salvo raras exceções. Houve  questionamentos de torcedores e jornalistas sobre o motivo de gastar em revelações ou só apostas de outros times enquanto garotos da base não conseguiam ao menos oportunidades ou eram vendidos.

No Paulistão foi diferente. Gabriel Menino, 19, e Patrik de Paula, 20, demonstraram personalidade. Vestiram a camisa nos momentos decisivos como se fossem veteranos. Deram leveza  e velocidade ao meio-campo e sangue novo a um time que terminou 2019 enferrujado.  

No Brasileirão, Gabriel Veron, atacante, deve entrar no elenco. O atleta ficou de fora na fase final do Campeonato Paulista, já que teve de se recuperar de lesão muscular. 

O problema é que, caso continuem se destacando, provavelmente não ficarão muito tempo no Brasil por motivos financeiros e pelo sonho de jogar na Europa, hoje o grande centro do futebol mundial. 

Sistema defensivo funcionou, mas é necessário cuidado  

“Defesa, que ninguém passa”. Nas últimas conquistas este é o trecho do hino que mais simbolizou o futebol da equipe. No Brasileirão 2016, com o técnico Cuca,  obteve a melhor defesa, tomando 32 gols em 38 partidas. Já no título de 2018, que tinha o comando de Luiz Felipe Scolari, foram sofridos apenas 26 gols em 38 jogos. Na campanha do Paulistão 2020 também teve a melhor defesa. Em 12 jogos, sete gols levados.

Mesmo assim é preciso cuidado nessa avaliação, pois o time ainda não foi testado de verdade, já que os principais clubes do Estado de São Paulo estão enfrentando problemas técnicos e financeiros.

Paulistão e suas histórias  

O Campeonato Paulista, assim como outros estaduais, tem de diminuir suas datas, principalmente com o calendário que ficará ainda mais apertado devido ao caos causado pela pandemia. Talvez seja melhor um campeonato utilizado como pré-temporada. Há muitos jogos horríveis, desnecessários e cansativos. Por isso é momento de analisar o tamanho da competição dentro do calendário. É verdade que eles também iludem. Porém, é inegável que o Paulistão proporciona a possibilidade de grandes histórias no interior e na capital, e esse lado social e afetivo é o que dá fôlego ao certame.

O número pode ser menor, mas nos últimos anos o estadual de São Paulo continuou mostrando o time do interior que surpreende, o atleta que se destaca e consegue voos maiores, além das derrotas, vitórias, lances, imagens e jogos inesquecíveis.

São fatos que ficam nas lembranças de qualquer amante do futebol, independentemente dos questionamentos a respeito da real importância do campeonato dentro do calendário de um esporte internacionalizado.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Dorta

Formado em jornalismo, palmeirense, apaixonado por grandes histórias do esporte, principalmente por aquelas fora do "mainstream" e que mostram a relação entre o futebol e determinadas comunidades.Foi estagiário do Jornal Nossa Terra e da Agência Experimental de Comunicação da Fundação Educacional Dr. Raul Bauab,  trabalhou na comunicação da Prefeitura Municipal de Mineiros do Tietê e já escreveu textos para o Observatório da Imprensa.  

Como citar

DORTA, Lucas. O Paulistão não pode virar ilusão. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 30, 2020.
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