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O ponta com o distintivo na cabeceira da cama

Rivelle Nunes Carlos 22 de maio de 2020

Sala de embarque em um aeroporto na Argentina. Temas amenos e respostas descontraídas davam o tom da entrevista para lembrar os 40 anos da estreia com a camisa do Atlético. Até a repórter da TV Galo, Kika Branco, falar duas palavras: “dona Zilda”. O entrevistado não conseguiu segurar a emoção. Semblante sério, abaixou a cabeça e desabou em lágrimas ao lembrar da mãe. O ponta-esquerda marcado pelo temperamento tão explosivo quanto a potência do seu chute deixou a saudade falar mais alto ao lembrar de quem havia partido há pouco tempo.

Éder teve na mãe, dona Zilda, uma das maiores incentivadoras. Mais até que o pai, seu Aleixo, ex-goleiro do Asas, time de Lagoa Santa ligado à Aeronáutica, hoje extinto. O incentivo da matriarca dos Aleixo de Assis apareceu, na verdade, após ser perceptível que o garoto, mesmo com as broncas e tapas que recebia em casa, não deixaria de jogar suas peladas na pequena cidade da região metropolitana de Belo Horizonte. Das vidraças quebradas na vizinhança, com a força que começava a aparecer na perna esquerda, saiu para conquistar fama, idolatria, gols, títulos, polêmicas e expulsões que, algumas vezes, custaram caro.

Chegou com 13 anos de idade ao dente de leite do América, em 1970, levado pelo seu descobridor, o treinador Biju, com o sonho de repetir o sucesso do ídolo de infância e conterrâneo Buião, ex-ponta-direita do Atlético. Como atleta do América, foi chamado para as seleções mineira e brasileira de base, teve seu futebol lapidado por treinadores como Orlando Fantoni e se destacou atuando no time profissional. O talento do garoto começou a chamar a atenção de outras equipes na mesma medida em que a insatisfação dele crescia no clube de Belo Horizonte. O temperamento ficava claro nos treinos e, vez ou outra, dava bicos na bola que ultrapassava os muros do local de treinamentos do clube. A revista Placar destacou que uma reunião da diretoria com o elenco, no início de 1977, após uma derrota para o Villa Nova, em um amistoso antes do início do Campeonato Mineiro, selou que o destino do jovem jogador, então com 19 anos, seria fora do clube.

E então, alguém quer sair?

Éder não perdeu tempo:

— Eu não quero continuar.

— Então o senhor irá embora. Está liberado.

— Preciso treinar ainda?

— Só se o Sr. quiser. Do contrário, não precisa.

 

Naquela reunião, terminava a primeira fase da carreira do promissor ponta-esquerda e começava uma disputa pelo passe de Éder. Sport Recife, Botafogo, Flamengo, Atlético e Grêmio disputaram o futebol do jogador. O Atlético largou na frente, mas a histórica dificuldade do clube em conseguir contratar jogadores diretamente do América falou mais alto e Telê Santana, que já admirava o jogador e começava a montar o Grêmio que tinha a missão de interromper uma sequência de oito títulos gaúchos seguidos do rival Internacional, quis levá-lo para Porto Alegre. O preço de Éder foi Cr$ 1 milhão e o passe dos jogadores Beto Bacamarte e Celso. Ficou acordado também um amistoso na capital gaúcha, entre Grêmio e América, com a renda ficando com o clube mineiro. Nesse amistoso, ele estreou com a camisa do time do Sul e marcou um dos gols, na goleada por 4 a 1.

No Grêmio, Éder formou com Tarcísio e André um ataque histórico que atuou em emblemáticos Gre-nais, como na vitória por 1 a 0, no Olímpico, que pôs fim à hegemonia colorada e deu o título gaúcho de 1977 ao Grêmio. Essa é a partida da famosa foto de André, que após marcar o gol, tenta dar uma cambalhota e acaba se contundindo. Éder é, também, o ponta-esquerda no clássico da vitória gremista por 4 a 0, em pleno Beira-Rio, quando o Internacional estreou um uniforme completamente rubro e que ficou aposentado por décadas após o resultado.

Grandes atuações com a camisa do Grêmio levaram-no à seleção brasileira e, nas duas primeiras partidas com a camisa amarela, dois gols em duas goleadas, no Maracanã. Em sua estreia, contra o Paraguai (6 a 0), e sobre o Uruguai (5 a 1). Ao mesmo tempo em que se tornava ídolo e um dos grandes jogadores do Sul do Brasil, casos de indisciplina eram noticiados pela imprensa. As noitadas nas boates de Porto Alegre, expulsões tolas e insubordinações contra o treinador Telê Santana minaram o período de Éder no Rio Grande. A trajetória terminou com mais um título gaúcho, em 1979, além de ser eleito nas três temporadas que disputou com a camisa do Grêmio o melhor ponta-esquerda do estado, figurando em escalações do Grêmio de todos os tempos. Éder iniciaria a próxima década e melhor fase da carreira realizando um sonho: defender a camisa do time do coração.

Éder: maior camisa 11 da história do Atlético Foto: Centro Atleticano de Memória.

“Eu tenho até hoje um distintivo do Atlético na cabeceira da minha cama”, disse à revista Placar, ainda em Porto Alegre, após ter assinado com o Atlético. Trocado por Paulo Isidoro, Éder chegou para ser comandado por Procópio Cardoso no time de infância e viver dois anos espetaculares, em 1980 e 1981, quando o Galo já dominava o futebol nas Alterosas. O ponta-esquerda foi o artilheiro em ambas as temporadas, com 29 e 22 gols, respectivamente, segundo a Enciclopédia Atlético de todos os tempos. Logo na sua estreia contra o São Paulo, em 3 de fevereiro de 1980, foi dele o gol no empate em 1 a 1, no Mineirão.

A primeira temporada foi de glória individual para o ‘bomba de Vespasiano’. Mesmo com a perda do título brasileiro para o Flamengo, Éder foi um dos principais jogadores da campanha, com direito a um cruzamento espetacular para o segundo gol de Reinaldo, na final no Maracanã, além de outras atuações marcantes, como na vitória por 3 a 0 sobre o Internacional, que garantiu o Atlético na decisão do título. Foi também o artilheiro do Campeonato Mineiro, com 12 gols, um a mais que Reinaldo, quando o Atlético conquistou o primeiro tricampeonato no Mineirão. Na partida que valeu o título, goleada por 5 a 1 em cima do América, Éder marcou um dos gols e foi expulso. No clássico que encerrou a temporada e foi de festa para o Galo, marcou os dois gols do triunfo sobre o Cruzeiro e se consolidou de vez como um dos principais pontas-esquerdas do futebol brasileiro.

O ano de 1981 foi marcante para o torcedor do Atlético pela tumultuada desclassificação da Copa Libertadores para o Flamengo, no jogo desempate do Grupo 3, realizado no Serra Dourada. Éder foi um dos cinco jogadores atleticanos expulsos pelo árbitro José Roberto Wright. O ponta foi o artilheiro do time na competição, com três gols marcados. O cartão vermelho no jogo que, historicamente, mais revolta o torcedor atleticano foi apenas mais um de Éder com a camisa alvinegra. Foi expulso sete vezes entre novembro de 1980 e outubro de 1981. Punido pelo Tribunal de Justiça Desportiva, da FMF, pelas expulsões contra América e Cruzeiro, ficou fora de grande parte da fase final do Campeonato Mineiro. Voltou a tempo de estar em campo na partida contra o Cruzeiro que valeu o título de tetracampeão estadual, em novembro. O fato curioso nessa partida é que Éder teve sangue frio para não entrar em uma briga com Nelinho, que o perseguiu pelo gramado do Mineirão após ser expulso. O motivo da surpreendente frieza é que nas cabines estava Telê Santana, técnico da seleção brasileira. A atitude foi recompensada com um dos gols, na vitória por 2 a 0, o 11º no campeonato, mais uma vez artilheiro e com passaporte praticamente carimbado para o torneio que mudaria definitivamente a sua carreira. A Copa do Mundo da Espanha, em 1982.

“O Éder era um jogador moderno taticamente. O Telê repetiu na seleção brasileira de 1982 o 4-2-3-1 que usou no Palmeiras, em 1979. Éder fazia com a camisa da seleção a função do ponta-esquerda que recuava”, disse o jornalista Mauro Beting, em entrevista para a produção deste texto. Essa linha de três era parte da formação de um time que encantou o mundo. Éder jogava ao lado de Zico e Sócrates na escalação sinônimo do futebol-arte: Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Junior, Falcão, Toninho Cerezo, Sócrates e Zico; Serginho e Éder.

“Foi o gol mais importante da minha vida. É muita felicidade para um mineiro só. Eu vinha na corrida e gritei ‘deixa’ para o Falcão. Quando vi que ele abriu as pernas, senti aquele troço que a gente sente quando vai fazer alguma coisa importante, aquele pressentimento que ia dar alguma coisa legal e enchi o pé.”

Capa do Jornal do Brasil, 15 de junho de 1982
Capa do Jornal do Brasil, 15 de junho de 1982. Foto: Reprodução.

Assim, Éder descreveu para o Jornal do Brasil como foi marcar o gol da vitória da seleção brasileira sobre a União Soviética, por 2 a 1, aos 43 minutos do segundo tempo, na estreia da Copa do Mundo, em 14 de junho. Uma verdadeira pintura. Paulo Isidoro trabalhou a bola no bico direito da área. Com a aproximação do marcador, rolou para Falcão que abriu as pernas, Éder deu um leve toque para erguer a bola e com a mesma canhota bateu forte. A bola estufou a rede do goleiro Rinat Dasaev, que não teve reação. O maior elogio pelo lance veio de Pelé, que comentava a Copa do Mundo para uma TV mexicana. O rei do futebol disse em entrevista para o Jornal dos Sports que o gol marcado por Éder foi como se fosse dele próprio.

Na segunda partida, contra a Escócia, outra obra prima com assinatura do mineiro de Vespasiano. Sócrates recebeu a bola de Falcão que passou para Serginho. O atacante viu a entrada de Éder no bico esquerdo da grande área e rolou com açúcar. Quem esperava um petardo, viu o camisa 11 dominar e dar um leve toque por cima do goleiro. “Gol de gênio! De gênio! De gênio… de Éder!” Assim Luciano do Valle narrou, para a Rede Globo, o terceiro gol da seleção brasileira que fazia mágica nos gramados espanhóis. Pena que, no meio do caminho, havia um Paolo Rossi.

Os dois belos gols na Copa ajudaram a fixar a imagem de Éder nos programas de TV e em toda a imprensa. Os lances eram repetidos exaustivamente em todo o Brasil e fotos do camisa 11 da seleção estamparam revistas e jornais de todo o país. A propagação de imagens ajudou a tornar Éder um símbolo sexual e novo ídolo nacional. Em apenas uma semana após a desclassificação da seleção, Éder recebeu cerca de três mil cartas e dezenas de telegramas dos mais diversos locais do mundo. “É bom ver o filho da gente tão querido pelo povo”, disse dona Zilda à revista Placar, em julho de 1982. Éder era muito mais que querido. Era idolatrado, o que por vezes resultava em situações inusitadas. Um fazendeiro chegou a ligar para a casa do atacante oferecendo uma propriedade como dote para que o jogador casasse com sua filha, de 16 anos. Uma verdadeira peregrinação de tietes, crianças e torcedores se dirigia à Vila Olímpica, antigo local de treinamentos do Atlético, somente para conseguir um autógrafo ou uma foto do jogador.

Seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982. Em pé: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Falcão, Luizinho e Junior. Agachados: Sócrates, Toninho Cerezo, Serginho Chulapa, Zico e Éder Aleixo. Foto: Acervo CBF.

As excursões do Atlético para a Europa eram comuns no início dos anos 80 e pouco mais de um mês após a desclassificação da seleção brasileira da Copa da Espanha aconteceu mais uma dessas viagens. O Galo fez 10 jogos na França, Holanda, Espanha, Áustria e Alemanha. O grande nome da delegação era Éder e a presença do ponta causava tumulto nos desembarques nos hotéis e estádios. Segundo matéria da revista Placar, na Holanda uma mulher chegou a entrar no quarto do atacante somente para ver o ídolo e houve um tumulto quando o marido dela invadiu o hotel. Era a confirmação que ao lado de Falcão, Zico e Sócrates, Éder era o jogador brasileiro mais conhecido do mundo.

O futebol do ponta-esquerda do Atlético encantou, também, gigantes do futebol europeu. Após o mundial, Milan, Barcelona, Atlético de Madrid, Sporting e Roma ficaram interessados em comprar o seu passe do Atlético. Todas as propostas recusadas pelo presidente Elias Kalil. Um empresário foi enviado para tentar contratar o jogador por 7 milhões de dólares para o Hajmn, dos Emirados Árabes. A imprensa da época afirmava que seria a segunda maior transferência da história do futebol mundial, atrás apenas da contratação de Maradona pelo Barcelona, comprado do Boca Juniors. A resposta do mandatário atleticano foi, mais uma vez, negativa. A firmeza do primeiro Kalil presidente do Atlético foi elogiada pela revista Placar, que afirmava em sua edição de 9 de setembro de 1983, que o clube não encontraria outro craque como Éder. A recusa em ser negociado não agradou o jogador, que até ameaçou abandonar o futebol caso a transferência não fosse concretizada. O motivo é que, com o não de Kalil, Éder deixou de receber uma fortuna pela transferência.

O não do Atlético pela venda e as constantes discussões com a diretoria do clube fizeram com que Éder começasse a viver problemas com a torcida atleticana que tanto o idolatrou. O futebol do jogador oscilava entre grandes atuações e fases apagadas. Paralelo a isso, as confusões continuavam a aparecer. Em um treino, em 1983, irritado com a forma dura como era marcado pelo companheiro Murilo, Éder o agrediu com um soco. O agredido prestou queixa e, no ano seguinte, o ponta atleticano foi condenado a três anos de prisão. Recorreu e ganhou a absolvição.

Sempre educado e com uma personalidade que vai do tímido ao descontraído fora do campo, Éder parecia outra pessoa quando estava atuando e ele tinha consciência disso. “Eu tento me controlar, mas não consigo. Se um cara me acerta, eu quero logo a forra e nem penso nas consequência”, falou para a revista Placar em janeiro de 1984, quando a publicação o comparou a Heleno de Freitas, lenda do Botafogo e tão craque e explosivo quanto o atleticano.

Má fase e adeus à seleção

A passagem de Rubens Minelli pelo Atlético, em 1984, ajudou para que a fase de Éder fosse muito ruim. Naquele ano, ele não fez nenhuma partida pela seleção brasileira e, de acordo com matéria da Placar de julho, os jogadores do Atlético não levavam os treinos do técnico três vezes campeão brasileiro a sério. A situação começou a mudar com a chegada de um velho conhecido, Procópio Cardoso. Mas Éder, mesmo recuperando o bom futebol, não queria mais vestir a camisa do clube do coração. Em 1985, garantiu que jogaria até o final da Taça Ouro, o Campeonato Brasileiro da época, e buscaria outro clube para continuar a carreira. Ele era o único destaque da Copa do Mundo de 1982 que ainda atuava no país. Zico tinha sido vendido à Udinese, Sócrates estava na Fiorentina, Junior no Torino e Falcão saindo da Roma. Ao contrário dos outros craques, Éder deixou o Atlético para defender a Internacional de Limeira, contratado por magnatas produtores de laranja. Ele voltou a ser presença constante na seleção brasileira que disputou as eliminatórias para a Copa do Mundo do México de 1986, sob o comando de Evaristo de Macedo, que após a conquista da vaga no mundial seria substituído por Telê Santana.

Um churrasco em uma das raras folga concedidas por Telê aos atletas, concentrados na Toca da Raposa, em fevereiro de 1986, terminou com um dos episódios mais conturbados em toda história da seleção brasileira. Mesmo sendo o anfitrião da confraternização, Éder estava focado em jogar sua segunda Copa do Mundo e voltou para a concentração no horário, mas Renato Gaúcho e Leandro não obedeceram o que foi combinado com o rigoroso treinador. Após intensas reuniões, os jogadores foram perdoados, mas Telê deixou claro para a imprensa que estava atento a todas as situações e não aceitaria nenhum tipo de comportamento que o desagradasse às vésperas do embarque para o México. O próximo episódio que irritou o comandante, tirou Éder da disputa do mundial.

Era um simples amistoso, em São Luis (MA), contra um time B do Peru. O ponta-esquerda Sidney, do São Paulo, estava se recuperando de uma contusão e Éder começou como titular. O Brasil já vencia o jogo por 1 a 0 quando o lateral-direito Carlos Castro deu uma entrada dura no camisa 11. O lance seguiu, o próprio ponta brasileiro colocou a bola para lateral e, quando o peruano passou ao seu lado, Éder lhe deu um soco no rosto. O árbitro Arnaldo César Coelho expulsou o atacante e a atitude enfureceu Telê Santana. “O que aconteceu com o Éder não pode acontecer em uma Copa do Mundo”, disse o treinador ao Jornal do Brasil. Não aconteceu mesmo. Dois dias depois da partida, Éder foi cortado e perdeu a oportunidade de disputar a Copa do México. Terminou, naquele 01 de abril de 1986, a trajetória de 52 jogos, 31 vitórias, 13 empates, oito derrotas e oito gols do craque com a camisa do Brasil.

Em homenagem pelo aniversário, o próprio Atlético Mineiro publicou em suas redes sociais uma montagem com foto de Éder Aleixo como um jogador “bomba relógio”. Foto: Reprodução/Twitter/@Atlético.

Em 1986, Éder trocou o interior paulista pela capital e defendeu o Palmeiras, que buscava sair de uma fila de 10 anos sem títulos. “O Éder chegou ao Palmeiras sem as melhores condições físicas e em um elenco rachado. Foi uma passagem curta, mas como palmeirense, me deixou orgulhoso porque sempre o achei um baita jogador”, disse Mauro Beting. A principal desavença do ex-atleticano era com o centroavante Mirandinha. Éder defendia a presença do outro centroavante do elenco, Edmar, no time titular e não se conformava que Mirandinha, o camisa 9 preferido pelo treinador Carbone, não passasse a bola pra ninguém. Na final do Campeonato Paulista de 1986, contra a Inter de Limeira, o treinador escalou o ataque com Mirandinha, Edmar e Éder. O Palmeiras perdeu a final e a chance de sair da fila. Segundo o Almanaque do Palmeiras, foram 28 partidas, com 11 vitórias, oito empates e nove derrotas vestindo verde. Éder marcou cinco gols, sendo um deles olímpico, na semifinal do mesmo Campeonato Paulista, contra o Corinthians, no Morumbi, quando o Palmeiras venceu por 3 a 0. Mesmo sem tirar o clube da fila, há palmeirenses que acreditam que a passagem dele pelo clube valeu exclusivamente por causa desse gol contra o maior rival.

Se a passagem pelo Palmeiras foi curta, pelo Santos foi menor ainda. Éder jogou poucas vezes e não se destacou com a camisa do Peixe, em 1987 e, de lá, foi para o Sport Recife. Pelo time de Pernambuco fez um gol de pênalti na decisão do campeonato estadual, contra o Santa Cruz, mas um empate em 1 a 1 deu o título ao tricolor. Era ano da Copa União e, como o Sport não disputaria o Módulo Verde, considerado a primeira divisão da época, Éder conseguiu um lugar no Botafogo, mas também não fez o sucesso esperado. Depois, o ponta foi, pela primeira vez, se aventurar fora do país, em 1988. Atuou por pouco tempo no Cerro Porteño, do Paraguai, e no Malatyaspor, da Turquia, sem sucesso. Retornou ao Brasil e, em 1989, pediu uma oportunidade à nova diretoria do Atlético. O clube montava um bom elenco, com a contratação do ponta-direita Robertinho, com quem havia atuado no Sport Recife, o lateral-direito do Bahia, Zanata, o centroavante Gerson, ex-Santos, e o técnico Jair Pereira. Conquistou o Campeonato Mineiro mais uma vez, porém, na temporada seguinte, novas confusões marcaram a segunda passagem pelo Atlético.

O Campeonato Mineiro de 1990 foi disputado por 18 times, em turno e returno. Os campeões de cada um dos turnos fariam a decisão. A primeira parte do campeonato foi vencida pelo Cruzeiro. Se o Atlético perdesse o clássico da penúltima rodada do segundo turno para o grande rival, que tinha um time melhor, perderia o estadual daquela temporada sem sequer disputar uma decisão. Em um jogo muito disputado, o Atlético venceu por 2 a 1, com um belo gol de falta de Éder, e passou à frente na classificação. A última rodada reservava um jogo do Atlético contra o Pouso Alegre FC, fora de casa, enquanto o Cruzeiro visitaria o Rio Branco, em Andradas. O Pouso Alegre abriu o placar logo no início do jogo e, antes dos 15 minutos, Éder empatou a partida. Na segunda etapa, o time da casa voltou a ficar à frente, mas Éder marcou mais uma vez e, três minutos depois, deu uma assistência para que o atacante Ílton virasse a partida. Porém, mais três minutos se passaram e o Pouso Alegre voltou a empatar. Éder, revoltado com a atuação da defesa do seu time, imediatamente após o empate simplesmente deixou o campo esbravejando contra a atuação do sistema defensivo atleticano. “A gente se mata lá na frente e leva esses gols aqui atrás!”, disse. Mesmo com o resultado, o Atlético conquistou o returno, mas a atitude do craque marcou a primeira rusga pública com o técnico Artur Bernardes. No domingo seguinte, com Éder em campo, o Atlético perdeu a final do campeonato para o Cruzeiro. Com mais um gol sofrido em falha na jogada aérea.

O Atlético foi à Espanha no meio da temporada disputar e vencer o torneio Ramón de Carranza, com Éder em campo. Em setembro, em um clássico contra o Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro, foi substituído e, mais uma vez, se revoltou publicamente com o treinador Artur Bernardes. Teve o contrato suspenso, foi afastado do elenco por quase dois meses e voltou somente para disputar as quartas de final, contra o Corinthians. Uma derrota e um empate desclassificaram o Atlético da competição. Éder, mais uma vez, não tinha clima para continuar no clube do coração e jogou as duas temporadas seguintes no Atlético Paranaense e no União São João, de Araras. Em 1993, surpreendeu a todos ao assinar contrato logo no início do ano com o Cruzeiro. Éder, que por tantas vezes esteve concentrado na Toca da Raposa com a seleção brasileira, teria no centro de treinamentos do Cruzeiro a sua nova casa.

“Quem apostou em mim, ganhou! Não há nada que apague a emoção de ser campeão do Brasil aos 36 anos!” Com essas frases, Éder saiu de campo após comemorar o título de campeão da Copa do Brasil de 1993, pelo Cruzeiro, após vencer o Grêmio na decisão, em junho. O jogador dava a volta por cima na carreira, mais uma vez, e ajudava o maior rival do seu clube do coração a erguer um troféu de campeão nacional após 27 anos. Na campanha, fez três partidas e marcou um gol, contra a Desportiva Ferroviária, na goleada por 5 a 0, no Mineirão. Foi apenas uma temporada defendendo as cores do clube que ele tanto fez sofrer na carreira e, contra o Atlético, atuou duas vezes, com uma vitória e uma derrota, ambas por 1 a 0. No ano seguinte, Éder brilharia nos gramados pela última vez. Pela terceira vez, voltava ao Galo para fazer uma temporada que, se não foi coroada com título, marcou o imaginário de uma geração de atleticanos que não o viram atuar na primeira metade da década de 1980.

Após uma temporada de 1993 frustrante, quando não conquistara nenhuma das competições que disputara, tivera um elenco muito limitado e fizera um péssimo Campeonato Brasileiro, o Atlético sacudiu o mercado do futebol no início de 1994 ao montar um grande time, pelo menos no papel. A ‘SeleGalo’ prometia e empolgava a torcida que lotava até mesmo os treinos. Éder foi uma das atrações, ao lado de nomes como o meia Neto e os atacantes Gaúcho e Renato Gaúcho. Porém, diretoria e treinadores não conseguiram domar as feras e o primeiro semestre foi decepcionante para o atleticano. Um jovem atacante de nome Ronaldo, que mais tarde ganharia o mundo sendo chamado de fenômeno, não deu chances ao time de estrelas do Atlético no Campeonato Mineiro. A SeleGalo caiu em desgraça e, somente após a chegada de Levir Culpi para comandar o time no segundo semestre, o Atlético deu sinais de melhora. Mesmo assim, no Campeonato Brasileiro, o time teve que disputar uma repescagem com os piores colocados da competição para conseguir uma vaga nas finais. Foi aí que brilhou a estrela do agora veterano Éder. A bomba na perna esquerda voltou a funcionar e graças a gols decisivos no Mineirão, contra Bragantino e Criciúma, além de passes milimétricos para gols contra o Cruzeiro e Vitória, o Atlético passou à fase seguinte do Campeonato Brasileiro. 

Éder voltava a ser notícia nacional. Essa parte da carreira do maior camisa 11 da história atleticana é importante porque filhos(as) dos atleticanos que não viram o ponta brilhar na década de 80 estavam tendo a oportunidade de presenciar aquilo que, muitas vezes, tiveram acesso somente por histórias contadas pelos pais ou em vídeos. O ápice da última apoteose do bomba de Vespasiano aconteceu nas quartas de final, contra o Botafogo, quando mais de 50 mil atleticanos viram a derradeira grande atuação de Éder no Mineirão. Com sua experiência, comandou o time em campo e, com a canhota poderosa, fez explodir o estádio com suas cobranças de falta. No primeiro tempo, um belo gol; no segundo, um petardo que explodiu no travessão e levou o estádio ao delírio. A torcida viu uma apresentação do ídolo, com 37 anos, como nos velhos tempos. A missão estava cumprida e Éder deixou o campo com todo o estádio gritando o seu nome. A torcida depositava nele o sonho do título de campeão brasileiro. Na semifinal, contra o Corinthians, Éder teve boa atuação na primeira partida, também no Mineirão, quando o Atlético venceu por 3 a 2 mas, suspenso, desfalcou a equipe que foi desclassificada no jogo de volta.

O último dos 122 gols com a camisa atleticana foi marcado em 21 de maio de 1995, contra o Democrata de Governador Valadares, quatro dias antes de completar 38 anos. Foram 368 jogos vestido de Atlético. Desses, 219 vitórias, 84 empates e 65 derrotas. Sua última partida defendendo o ‘distintivo’ que tinha na cabeceira da cama foi justamente um clássico contra o Cruzeiro e a trajetória terminou com volta olímpica. A vitória por 3 a 1 garantiu ao Galo o seu 36° título mineiro. Desses, seis contaram com o grande talento daquele garoto que, lá na década de 70, queria realizar o sonho da dona Zilda: chegar em casa com uma faixa de campeão no peito. Éder ainda defendeu novamente o União São João, de Araras, depois o Guará, do Distrito Federal, e o Montes Claros antes de pendurar as chuteiras. A esquerda, com toda certeza, estava mais gasta que a direita.

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Rivelle Nunes Carlos

Jornalista, com MBA em Jornalismo Esportivo, cursando MBA em Comunicação em Marketing. Por tanto frequentar as arquibancadas do Mineirão, foi assessor de Imprensa do estádio em duas oportunidades

Como citar

CARLOS, Rivelle Nunes. O ponta com o distintivo na cabeceira da cama. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 50, 2020.
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