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O PSG Galactique

Marco Sirangelo 24 de junho de 2019

Símbolo da transformação comercial do futebol no início do Século XXI, o Real Madrid prometia a contratação de ao menos uma superestrela por ano a partir de 2000, quando Florentino Pérez, ambicioso empresário do ramo da construção civil, foi eleito presidente. Assim, nesta ordem, Figo, Zidane, Ronaldo, Beckham, Owen e Robinho desembarcaram em Madrid a cada início de temporada, entre 2000 e 2005, e faziam jus à fama.

Apesar de um começo vitorioso, após 2003 o período Galáctico colecionou mais fracassos do que troféus, resultado de um grande amontoado de craques desmotivados e desorganizados tanto dentro, quanto fora de campo. Pejorativamente, esse momento ficou conhecido como a era em que Zidanes e Pavones estiveram em campo, sendo o fraco zagueiro Pavón símbolo de um grande desequilíbrio de um time que perfilava grandes craques no ataque ao mesmo tempo em que sofria do meio para trás.

O clube somente voltou a levantar títulos após a renúncia de Pérez, ocorrida em fevereiro de 2006. Ramón Calderón assumiu a presidência pouco depois e logo tratou de encerrar a gastança galáctica ao privilegiar times mais balanceados, porém menos estrelados. Apesar de um fim de mandato precoce e melancólico, fruto de irregularidades administrativas graves, Calderón presidiu o clube na última vez em que o Real Madrid venceu dois títulos consecutivos de Liga, entre 2007 e 2008, vitórias que representariam o fim do período de ouro do Barcelona de Ronaldinho. Além disso, foi o responsável direto pelo acordo com o Manchester United para a transferência de Cristiano Ronaldo.

A renúncia de Calderón no início de 2009 resultou no retorno de Florentino Pérez ao poder. Dessa vez, o empresário pareceu ter aprendido a lição. Levou os créditos pela contratação de Cristiano, trouxe a superestrela Kaká, mas também investiu pesado em nomes menos badalados, mas importantes para a engrenagem do time, como o volante Xabi Alonso. Quase vinte anos após assumir a primeira vez como presidente merengue, Pérez superou o fracasso de Zidanes e Pavones com um período glorioso, simbolizado por duas conquistas de Liga, duas Copas do Rei e, principalmente, quatro Ligas dos Campeões.

Outro presidente histórico do Real Madrid, Santiago Bernabéu é apontado como peça essencial para a fundação do Paris Saint-Germain, em 1970. Bernabéu teria aconselhado os principais empresários interessados no processo de fusão que envolveu dois clubes, o Paris FC e o Stade Saint-Germanois, tendo como principal objetivo finalmente estabelecer um clube importante na capital francesa. Quase vinte anos após sua fundação, o PSG consolidava-se como um clube importante no país após ser adquirido pelo Canal+, poderoso conglomerado de mídia francês, em um ambicioso projeto que prometia ampliar a então singela galeria de troféus do clube.

A década de 1990 marcou de vez a presença do PSG no cenário futebolístico europeu, com conquistas em âmbito nacional e internacional, contando com jogadores renomados, como Raí e George Weah. No início dos anos 2000, altos investimentos foram realizados para aquela que deveria ter sido outra grande geração do clube, liderada pelas estrelas Anelka, Ronaldinho e Okocha. Desta vez, porém, o PSG acumulou seguidos fracassos, que ocasionaram em uma diminuição considerável nos investimentos.

Pouco depois, em 2006, época em que figurava principalmente do meio da tabela para baixo e era mais famoso pelo mau comportamento de seus torcedores do que pelos resultados dentro de campo, o PSG foi novamente vendido – desta vez para uma controladora de cassinos americana, que falhou em causar impacto na gestão do clube. Em 2011, porém, tudo mudou com a chegada da Qatar Sports Investments (QSI) ao clube, transformando, da noite para o dia, o clube de Paris em um dos mais ricos do mundo.

O futebol europeu vivia neste período uma fase de estabelecimento dos projetos de aquisição com elevada injeção financeira em clubes. Dois desses principais casos atingiriam seus objetivos esportivos ao fim da temporada 2011/2012, o Chelsea com sua inédita e cobiçada Liga dos Campeões e o Manchester City com seu primeiro campeonato inglês após 44 anos. Nesse cenário, a nova direção do PSG apostou no brasileiro Leonardo para liderar o projeto esportivo na equipe.

Leonardo, então diretor esportivo do PSG, na apresentação do contratado Ibra. Foto: Jean Francois Fournier. (CC BY 2.0)

Jogador com passagem pelo próprio PSG, Leonardo fez carreira fora dos gramados na direção do Milan até tornar-se diretor esportivo do clube italiano. Marcado por ótimo relacionamento com o dono Silvio Berlusconi, comissão técnica e jogadores, tomou uma decisão curiosa ao virar treinador do clube para a temporada 2009/2010. A aventura como treinador não deu certo, fazendo com que ele deixasse o clube pouco depois. Após curta passagem na Internazionale, justamente no grande rival do Milan, aceitou o desafio no PSG, voltando a ser somente um diretor.

Com o brasileiro à frente, o clube francês iniciava seu período milionário e, sempre tendo a Liga dos Campeões como objetivo principal, cumpria as etapas naturais de crescimento até que pudesse efetivamente ser considerado um dos favoritos ao título continental, processo que geralmente demora anos. Nas três primeiras temporadas dessa nova fase, de acordo com o site Transfermarkt, quase 400 milhões de euros foram investidos em contratações de jogadores, que variavam desde grandes nomes como Ibrahimovic, Thiago Silva e Cavani, até jovens apostas como Lucas Moura, Marquinhos e Verratti. Até Beckham fez parte dessa construção de time.

Amigo de Leonardo e com grande prestígio internacional, Carlo Ancelotti foi o treinador responsável pelas primeiras conquistas e realizava bom trabalho, incluindo uma honrosa eliminação nas quartas de final da Liga dos Campeões diante do Barcelona e o título do campeonato francês até decidir mudar-se para o Real Madrid. A saída de Ancelotti decepcionou a QSI. Os árabes julgavam estar no mesmo patamar dos clubes gigantes e não entendiam como essa mudança poderia ser mais atrativa para o treinador italiano.

Não foi somente Ancelotti que deixou o clube ao fim da temporada 2012/2013. Após agredir o árbitro em um jogo do campeonato francês, Leonardo sofreu uma punição que também lhe custou o emprego. Em suas primeiras entrevistas após o incidente, o brasileiro afirmou que, caso não se envolvesse nessa confusão, assumiria o lugar de Ancelotti como treinador.

Novamente, Leonardo deixava clara sua intenção de se estabelecer como um treinador, e não como um diretor esportivo. Existem conflitos relevantes nessa conduta, uma vez que são cargos com atribuições e responsabilidades totalmente diferentes. Além disso, há uma relação hierárquica entre as funções, estando o treinador logo abaixo do diretor esportivo na camada gerencial dos clubes. No mundo empresarial, esse movimento observado com Leonardo no Milan e no PSG não faria nenhum sentido, mas, no futebol, talvez possa ser explicado pelas diferenças de salário e glamour, geralmente muito maiores para o treinador do que para o diretor esportivo.

Demonstrando sinais de estagnação após mais três temporadas obtendo apenas sucesso no âmbito nacional, o clube vivenciaria um fracasso retumbante na temporada 2016/2017. Sob o comando do treinador espanhol Unai Emery e com um time um pouco menos estrelado, passou vexame diante do Barcelona na Liga dos Campeões e perdeu o título francês para o Mônaco que, apesar de também ser controlado por um milionário, tinha investimentos muito inferiores aos do PSG.

Sedento por uma mudança de postura, a QSI apontou o português Antero Henrique, de carreira no Porto, como diretor esportivo para a temporada seguinte. Famoso por contratar jovens desconhecidos e vendê-los auferindo grande lucro, Henrique assumia com a responsabilidade de fazer o PSG finalmente dar o salto de qualidade tão desejado. Para tanto, concretizou a chegada de Neymar e Mbappé, que juntos custaram 400 milhões de euros, valores astronômicos para qualquer clube de futebol.

A existência do Fair-Play Financeiro imposto pela Uefa como forma de limitar a gastança desenfreada no futebol europeu impossibilitaria ao PSG realizar mais contratações relevantes, ao menos nos próximos dois anos. Com pouco orçamento disponível, restou ao clube montar o restante de seu elenco apostando em jovens da base e em jogadores baratos ou livres de contrato, como Buffon, Choupo-Moting e Lass Diarra. Desta forma, apesar de estar reforçado por duas das principais estrelas mundiais, havia no time um grande desequilíbrio técnico, evidenciado pela presença de demasiados jovens inexperientes, como Nkunku, Dagba e Nsoki, e obrigando soluções táticas pouco ortodoxas, como a presença do zagueiro Marquinhos como volante.

Os resultados foram duas temporadas marcadas por títulos franceses sem grande emoção, além de melancólicas derrotas na Copa da França e na Liga dos Campeões. Fora de campo já foi possível presenciar escancarados problemas de relacionamento entre os jogadores do elenco. Ou seja, quase vinte anos depois da experiência galáctica do Real Madrid, o PSG revisita Zidanes e Pavones, dessa vez com Mbappés e Dagbas.

PSG e seus jogadores. Foto: Валерий Дед/Wikipédia.

Após duas experiências curtas e não muito bem-sucedidas, uma como treinador do mediano Antalyaspor, da primeira divisão da Turquia, e de um retorno ao Milan, Leonardo também retorna ao PSG para a próxima temporada – a princípio como diretor esportivo. É esperado que o time treinado pelo não muito prestigiado treinador alemão Thomas Tuchel receba grandes investimentos e que conflitos internos sejam melhor contornados.

Quase dez anos após ser adquirido pela QSI, o PSG já despejou mais de um bilhão de euros em contratações, mas permanece uma incógnita quanto a ser um real candidato ao posto de campeão europeu. O projeto milionário começou equilibrado, com um grande nome no comando técnico e contratações que visavam o curto e o médio prazo. A consolidação deveria já ter ocorrido, mas como não foi o caso, uma ruptura brusca no processo natural de evolução resultou em uma equipe estrelada, porém frágil. Resta saber se o tamanho da paciência da QSI é igual ao de seu bolso.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Sirangelo

Marco Sirangelo é Mestre em Gestão Esportiva pela Universidade de Loughborough (Inglaterra) e Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, foi Analista de Marketing do Palmeiras entre 2009 e 2010 e Gerente de Projetos da ISG, de 2011 a 2016. Atualmente é Head de Projetos na consultoria OutField.Twitter: @MarcoSirangelo

Como citar

SIRANGELO, Marco. O PSG Galactique. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 33, 2019.
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