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“O que eu vou fazer com essa tal modernidade”: os treinadores na mira novamente

Fabio Perina 8 de setembro de 2022

“(…) a banalização da vitória. Tudo se tornou mais importante que os três pontos: a posse de bola, o planejamento, o mapa de calor, a movimentação e todas essas conversas pra boi dormir. De uns tempos pra cá, tenho a impressão de que o objetivo do jogo não é mais a vitória ou a conquista de títulos, mas sim, o “legado”, a “metodologia” ou quaisquer outros termos pomposos.” 

“Como em qualquer atividade profissional, sem exceção, o empregado opta pela melhor oferta e o empregador chuta o funcionário na primeira chance, sem qualquer cerimônia. A diferença é que técnicos de futebol, categoria que ganha muito acima de qualquer categoria e, pois, tem condições de fazer um planejamento para os meses de desemprego, é tratado como coitadinho. Não são. É simples. Todo empregador, vale para clube de futebol, tem que cumprir os contratos e arcar, pois, com as multas acertadas em contrato. Todo empregado, vale para técnico, tem direitos e deveres e pode trabalhar onde bem entender. Só não espere, da minha parte, o discurso fácil de apoio aos coitadinhos indefesos. Doido é quem pede mais tempo.”

Introdução

Esse texto (apesar de parecer) não é para ser uma simples nostalgia a treinadores “medalhões” com suas simples pranchetas e coletes em mãos. Mas tentar entender esse processo no ofício de acelerada troca por um novo perfil com um entorno social de bajuladores em uma “mesa redonda” e com novos meios e métodos de trabalho pegos emprestados de outros saberes como planilhas de análise de desempenho e mapas de calor ou coachs motivacionais e “workshops” rebuscados! Ao que parece, é uma aplicação prática da ideologia implícita de “futebol é um negócio como outro qualquer”. Em outras palavras, sugerindo uma ilustração com a sociologia do trabalho contemporânea através da breve resenha do livro É tudo novo! De novo?. Diante dessa metáfora, a pego emprestada para afirmar que há uma fusão do mundo corporativo ao esportivo através de um fetiche da linguagem empreendedora com o “tatiquês” (enquanto um saber supostamente neutro). Tendo em comum muito alarde pela embalagem, mas pouco conteúdo e principalmente pouco resultado. Ora, se aceitar o vocabulário do adversário já é lhe dar uma grande vantagem de antemão na disputa política, buscarei a recuperação de muitas metáforas contra a corrente do “tatiquês” e “essa tal modernidade” (em aspas mesmo, para evitar sua pretensão de verdade única) permeando toda a linguagem. (Obs: afinal desde décadas atrás, com Cláudio Coutinho e Sebastião Lazaroni, a linguagem é intenso campo de disputa para impor a “modernidade”, vide “galgar parâmetros”, “ponto futuro” ou “overlapping”).

Aliás, esse tal “tudo novo, de novo” é mais profundo do que mera ilustração, pois após o desmonte de um “DEforma” trabalhista, é inevitável um impacto na maioria dos trabalhadores jovens (e não tão jovens no caso dos treinadores) no sentido de aumentar sua informalidade e até intermitência. Através de  restringir sua luta pela própria sobrevivência individual (no caso a manutenção do emprego através do tão falado “resultadismo”) do que algum projeto mais amplo (no caso “essa tal modernidade” no futebol brasileiro enquanto reduzido a um produto de espetáculo) Em suma, um discurso muito distante da prática.

Outro objetivo nesse texto é também retirar a visão supostamente neutra do papel da mídia como mera “caixa de ressonância” e passar a tomá-la como agente ativo na construção dos discursos sobre essa tal modernidade no que diz respeito aos treinadores. Implicitamente será tratado muito mais da mídia monopolista do que das mídias alternativas. (Obs: evidente que nessas mídias alternativas são um “prato cheio” de muitas brechas de humor, para quem pouca importa algum projeto de modernidade. Vide uma “live” “ininterrupta” de influenciadores tricolores por quantas horas fosse preciso à espera da demissão de Roger Machado no Fluminense após eliminação para o Barcelona de Guayaquil pela Libertadores de 2021!)

Esse texto surge como uma réplica a meu texto anterior, cerca de 3 anos atrás, também com um título sugestivo. Certamente desses 3 anos para cá a vigilância-visibilidade sobre treinadores aumentou muito. Naquela ocasião usei como mote uma massiva demissão de 4 treinadores em apenas 2 dias para discutir elementos inerentes do ofício como: instabilidade, visibilidade, espetáculo, emotividade e imediatismo (ou o mais popular “resultadismo”). E também como ressalva menciono que esse texto deve ser lido em um horizonte dos últimos meses e não dos últimos dias, pois não é um sucesso momentâneo de algum treinador aqui tido como fracasso momentâneo que enquanto caso individual tivesse força suficiente para mudar processos bem mais profundos.

Desenvolvimento

Fazendo um breve recuo temporal em cerca de uma década, esses discursos midiáticos parecem ter a ver como uma “ressaca” e uma réplica à humilhação do 7 a 1 de 2014. Das vários possíveis pautas de modernidade no futebol brasileiro, a questão do treinador estrangeiro se tornou mais duradoura embora também superficial e, portanto, reducionista. Vide Parreira em 2012, em seu retorno à seleção como auxiliar de Felipão, em um contexto de rumores do argentino Bianchi ou do espanhol Guardiola como especulações, quando decretou (com toda a “auto-certeza” do mundo!) que nunca a seleção pentacampeã precisou de um estrangeiro! E dessa forma a polarização também atravessa a própria mídia (que nada tem de neutra), pois se confrontam de um lado comentaristas estudiosos de tática e/ou gestão com de outro lado comentaristas ex-jogadores. Ainda mais duas breves menções individuais com declarações recordadas e que ilustram o complexo campo de debates e o tensionam. Vide alguns anos trás, a frequente ironia de Levir Culpi “em off” no início de entrevistas coletivas em que invertia as perguntas que treinadores sempre recebiam de jornalistas: “E aí, tá estudando lá na Europa também ?!” (como quem diz: “Ou está apenas cobrando isso dos outros?!”) Além do frequente sarcasmo de Renato Gaúcho provocando treinadores concorrentes e sobretudo jornalistas: “Quem não sabe vai estudar, e quem sabe vai pra praia!” (Obs: o que aliás Renato ocupa certamente o principal papel de personagem como ‘infiltração’ do discurso ‘boleiro’, portanto ‘anti-moderno’, tão típico de comentaristas ex-jogadores que no seu caso se faz presente como treinador também).

Nesses 3 anos o processo pontual mais relevante foi uma entrada massiva de treinadores estrangeiros no futebol brasileiro e com isso os frequentes atritos culturais. Vide algumas das maiores contribuições fora de campo, cerca de um ano atrás, do argentino Hernán Crespo quando no São Paulo e do português Abel Ferreira quando no Palmeiras foram denunciar o que os treinadores brasileiros se omitiam: que um calendário de partidas insano impede uma cobrança rigorosa por resultado. E sobretudo impede uma cobrança rigorosa por desempenho se sequer há tempo hábil de treino e descanso entre uma partida e outra. (Obs: aliás, curioso que foram dois personagens que criaram motes de marketing pessoal com considerável adesão entre torcedores e aparentemente mais boleiro do que corporativo: respectivamente, “o coração vai onde a perna não alcança” e “cabeça fria e coração quente”). Para além da reivindicação específica, a sugestão geral que o caso deixou é que os treinadores brasileiros tendem a ser hostis com a mídia e outros sujeitos do futebol (e parte talvez como auto-defesa), porém são muito pouco unidos entre si em busca de soluções comuns. E também uma importante menção que conforme se prolonga o sucesso de Abel e ao mesmo tempo se aproxima a Copa do Mundo no final de 2022 também parecem retornar aquele “pachequismo” radical (a la Parreira de exatamente uma década atrás) pelo qual o Brasil supostamente nunca precisou de treinadores estrangeiros para ser pentacampeão mundial. Em suma, disputas culturais intensas em que não há uma narrativa de “mocinhos nem bandidos”, conforme as aparências poderiam sugerir.

Nas disputas discursivas pelo que é e para onde vai “essa tal modernidade” as polarizações são cotidianas entre estrangeiros inovadores x pachequistas ultrapassados. Essa chave de leitura é indispensável para tratar da formação de “seitas” de paixão e ódio a algum treinador. Acrescentar também à síntese dessa polarização é que ocorre uma curiosa ‘dupla moral’ discursiva pela qual a mídia trata um treinador estrangeiro quando fracassa apenas pelo nome próprio, mas quando triunfa como uma vitória de toda a ‘categoria’! De fato houveram experiências bastante vitoriosas com os portugueses Jorge Jesus no Flamengo e principalmente Abel Ferreira no Palmeiras, porém o que a narrativa dominante pouco conta é que seus papéis passaram por uma transição de significados: de contestados (ou até renegados) na Europa para vanguardistas (ou até salvacionistas) aqui. O que sugere que o que compõem um personagem é menos alguma essência intrínseca a ele e mais a inserção em seu entorno social diante de outros sujeitos.

Ora, há um alarde cotidiano da mídia contra o “resultadismo”, vide o uso frequência da expressão “a máquina de moer gente” em uma irônica tentativa de “re-humanização” de um futebol cada vez mais financeirizado. Assim como é uma tentativa dessa mesma mídia se colocar como neutra na questão, porém alimentam tal engrenagem por estarem sempre “como urubus esperando um corpo cair quente para devorar”! Ou seja, é inegável que notícias bombásticas como de demissões após derrotas contribuem a sua audiência. Assim como o seu protagonismo cada vez maior na “antecipação” de demissões. A seguir, diante de duas fontes bem distintas nos fragmentos (Globo Esporte e Ludopédio), seria a “crônica da tragédia anunciada”?!

“Os resultados precipitaram um processo de desgaste, e é sobre ele que deveríamos nos debruçar. A tal “situação insustentável”, expressão que cartolas carinhosamente guardam na manga para que exibam como defesa incontestável após degolarem mais um treinador, é fabricada no Brasil em doses industriais. No ambiente do nosso futebol, tudo concorre para criar a tal “situação insustentável”. Porque nos habituamos a enxergar o treinador como descartável, o elo mais frágil, o primeiro a perder o emprego. Em momentos de crise, há poucas razões para que se gere uma mobilização pela salvação de um trabalho. O que há é o progressivo isolamento do treinador que, na prática, vive uma espécie de aviso prévio dissimulado. Até que se conclua que, de fato, a situação era insustentável.”

“Meu incômodo com a cobertura diária é ver a realidade distorcida ou escondida no canto da sala ao lado da credibilidade de jornalistas gabaritados para defender seus clientes, sem contrato assinado, a todo custo. Numa rápida passada pelo Twitter, é fácil se deparar com comunicadores esquecendo as aulas de Ética e dando um jeito de expor colegas de profissão para defender o rubro-negro ou o alviverde, como se os clubes fossem verdadeiras seitas e a informação tivesse papel secundário na gritaria insana.” 

Abel Ferreira
Foto: Divulgação/Palmeiras

Algumas notas sobre os portugueses “vitoriosos”, embora houveram e ainda haverão os portugueses fracassados. Jorge Jesus, quem no segundo semestre de 2019 entregou muito resultado e muito desempenho, transferiu muito o “sebastianismo” da cultura popular daquele país para o nosso através da legião de “viúvas do mister” que se criou. Principalmente entre flamenguistas, mas mais visivelmente ainda entre jornalistas sempre reaquecendo pautas (na verdade “novelas”) de supostas contratações para grandes clubes em crise. Já Abel Ferreira, principalmente entre 2021 e 2022, entregou muito resultado também, porém bem menos desempenho do que cobra boa parte da mídia monopolista. A seguir, uma baita síntese dessa polarização entre ‘seitas’ abelistas e anti-abelistas:

“Os abelistas consideram toda crítica a Abel como: Perseguição a Abel Desrespeito ao Palmeiras Xenofobia E, por falar em xenofobia, eu achei muito estranho o dia em que Abel externou seu orgulho exacerbado em ser português e europeu. Na disciplina do europeu, o que, implicitamente, aponta os sudacos como donos de talento e sem apego ao trabalho Clichê total.(…) Eurocentrismo é tão grave quanto xenofobia”.

A discussão foi intensamente atualizada pelo caso já não tão recente da demissão do jovem Sylvinho no Corinthians, no início de 2022.  Ocorrida após apenas 3 partidas na temporada de 2022, sendo que sequer teve a desculpa de falta de reforços de peso e falta de tempo para treinar. (Obs: breve menção também ao caso do tão discreto e jovem Mauricio Barbieri, cuja pouca visibilidade por treinar um clube pequeno deixa passar quase despercebida sua proposta de “modernidade” e, por consequência, a sua fixação a estereótipos pela opinião pública). O que faz lembrar não somente do jovem Fernando Diniz como sobretudo do sintomático fenômeno do Dinizismo. Pois foi o caso mais radical desse cenário dos últimos 3 anos quando a sua “seita” de defensores (que o exaltam como o “Guardiola brasileiro”) exalta tanto a filosofia e o desempenho que despreza por completo o fim último do esporte que é resultado! Parecem embriagados pela obsessão de não ser taxado de “resultadista”. Como diz o provérbio popular: “de boas intenções o inferno já está cheio!” Afinal, gera muito discurso e expectativa por mudar o futebol brasileiro, mas sequer corrige os erros básicos da própria equipe que treina.

(Treina? Aqui cabe outra expressão popular bem ao gosto do nostálgico “dilema tostines”: “é o treinador quem treina o time ou o time quem o treina?) Irônico pois o “vanguardista” Diniz defende tanto que treina corretamente o que há de mais ‘moderno’, porém nas partidas fica muito distante de aplicar o que tanto treinou. Ou seja, afirma que o método está próximo da perfeição, porém o responsável que o aplica (ele próprio) está muito distante da competência. Em outras palavras, seu treino parece um mundo paralelo alheio à realidade. Tanto é que mais irônico ainda por Diniz ser formado em psicologia e ainda assim ter causado uma tão recordada humilhação e um assédio moral a beira do campo no seu jogador Tchê Tchê do São Paulo. E como efeito colateral a equipe toda desabar em seu desempenho, sobretudo emocional, nas partidas seguintes custando a liderança e o título brasileiro de 2020. Além de que casos assim escancaram que “essa tal modernidade” parece muito bonita, todos a querem, mas desde que seja testada primeiro “no quintal dos outros” com todos os riscos.

Em suma, o Dinizismo escancarou nas suas seguidas trocas de equipes do Atlético-PR para o Fluminense, para o São Paulo e para o Santos o melhor caso de “bode na sala”: pois ao chegar piorou tanto o ambiente de trabalho e os resultados que bastou sua saída para tudo melhorar novamente! E para alguns mais atentos para além das questões de dentro de campo também escancarou a falácia da meritocracia, por isso a menção inicial à sociologia do trabalho, vinda junto “dessa tal modernidade”. Pois nesse processo entregou resultados piores, porém era sempre “premiado” com cargos melhores! Por isso é inevitável a comparação com “seita” por apresentar resultados medíocres, porém pouco sendo cobrados por isso através dos dirigentes que o contrata. O que sugere que seria muito cômodo aos dirigentes “lavarem suas mãos” diante da prática descartável da demissão de treinadores, embora várias polêmicas e ambientes tumultuados escancarem um clube em todos os escalões corroído pelo amadorismo (mesmo com gastança de dinheiro) e sobretudo por estar fora da realidade nessa obsessão por “essa tal modernidade”.

Fernando Diniz
Foto: Divulgação/Fluminense.

Ora, para que eu não pareça apenas palpiteiro, proponho que o caminho mais sensato desses impasses seria que um jovem treinador desse tipo “estagiário estudioso” precisaria primeiro “ficar calejado” (ou “pegar casca”) com títulos por algum clube pequeno ou médio ou pela categoria de base de algum clube grande para depois poder almejar um cargo mais valorizado no profissional de algum clube grande. Quando finalmente seu supostamente tão valorizado currículo tenha alguma correspondência com o que oferece de resultados.

Pelo menos em um parágrafo fica aqui também uma menção a treinadores atuais, como os casos célebres dos jovens “Lisca Doido” e o vitorioso Fábio Carille, que mesmo sem um discurso explícito cotidiano contra “essa tal modernidade” (ou “anti-Diniz”) acabam tendo uma prática de terem se especializado em ser um “bombeiro“: embalar algumas vitórias cruciais para salvar um time em desespero de um rebaixamento. Principalmente o primeiro é um personagem com frequência encarnado por outros jovens como Vagner Mancini, Zé Ricardo, Argel Fucks, mas também veteranos Celso Roth e Givanildo Oliveira. Alguns que certamente veem no atual estado de coisas um nicho de mercado (no qual nunca faltam empregos ‘tapa-buraco’ e multas rescisórias) ao invés de uma “máquina de moer gente” como a mídia tende a ver como verdade única. Ou ainda Marcelo Oliveira e Dorival Jr. que de promissores uma década atrás logo passaram a “ultrapassados”. Ou até o que fez o caminho inverso de “ultrapassado” a “resgatado” Abel Braga (embora só tenha duas “casas” inquestionáveis para trabalhar: o Beira Rio e as Laranjeiras). Diante de toda essa “fauna” de nomes entre os personagens “não-modernos” (em que o recorte de idade nem sempre é coerente) o que todos têm em comum é que, ainda que nem sempre cumprem os objetivos, mas ao menos tem a seu favor que não geram um abismo da expectativa para a realidade como os casos destacados. Como se diz em outra expressão popular esses são dos que “entregam o que prometem”. Embora são esses casos que costumam ter contra si as principais situações de intermitência, “traições” e abandono de empregos. Ou seja, ainda bem que nem tudo no futebol pode ainda ser controlado por um projeto de modernidade, pois ele com frequência esbarra nos labirintos sobretudo dentro de campo (felizmente ainda a maior prova de verdade) e até mesmo dentro de um vestiário.

Conclusão

Voltando ao paralelo sociológico inicial entre futebol e trabalho, além dessas menções e estudos de casos, outro processo recente e comum à maioria deles que precisa ser analisado foi a infame regra imposta pela CBF para a Série A do Campeonato Brasileiro de 2021 da proibição da demissão de treinadores pelos clubes. Essa curta experiência mostrou tipicamente um caso de “bode na sala” novamente: ora, se a queixa da mídia é que ocorrem muitas demissões, então que os dirigentes lhes dêem um “cala boca” ao apagá-las artificialmente. Mas, como a regra não funcionou, sua revogação ao restituir o estado original das coisas cria a percepção que ele fosse muito melhor antes! Ora, se a instabilidade nas relações de trabalho tem sido a regra no país e no mundo, dessa forma os dirigentes de futebol se adequaram ao linguajar corporativo fantasioso e rebuscado de “colaboradores chegaram a um comum acordo…” como um eufemismo para demissões. Por isso a menção introdutória ao “É tudo novo! De novo?”. Em um sentido mais amplo de como se dão as relações de poder entre dirigentes, esse caso emerge como mais uma dentre tantas decisões “pelo alto” das federações diante dos sujeitos não-dominantes interessados (no caso os treinadores) sendo muito pouco considerados como sujeitos de auto-organização coletiva.

Por fim, para tratar desse tema indo do específico ao mais geral do futebol brasileiro é preciso mencionar que há outro mecanismo ainda mais inusitado. Pelo qual a mídia simula sua própria neutralidade quando alega que a demissão ocorreu porque “o cartola cedeu para fazer a vontade da galera”, ou seja, o que tende a colocar o treinador como vítima do “resultadismo” e do amadorismo de dirigentes e torcedores. Sendo que assim oculta que a demissão muitas vezes é uma vontade de membros da oposição no clube ou da própria mídia e sobretudo oculta que o torcedor tem cada vez menos condições de influenciar na política interna dos clubes. Ou seja, se é possível passar raiva ou humor com tantas narrativas sobre algum treinador renegado, de fato renegado mesmo é o torcedor e a narrativa sobre treinadores ser mais uma fértil ‘cortina de fumaça’ para ocultar sua exclusão progressiva não apenas dos estádios e dos clubes mas do futebol em geral. Diante desse processo de impor uma valorização do treinador estrangeiro, para a mídia parece ser funcional tratar o torcedor como uma massa “incapaz” de racionalidade e, portanto, vulnerável ao “resultadismo”. Mas o que de fato nunca se fala é que os clubes são enclaves de poder ou oligárquicos ou empresariais. O torcedor, que distinto de todos os outros sujeitos do futebol por definição não é profissional, tem todo o direito de juntar o clubismo com o “resultadismo”. Afinal seu objetivo último é comemorar vitórias e títulos com seus semelhantes e provocar seus rivais. O que de tão óbvio precisa ser sempre lembrado a “essa tal modernidade” dentro de estúdios com ar condicionado…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. “O que eu vou fazer com essa tal modernidade”: os treinadores na mira novamente. Ludopédio, São Paulo, v. 159, n. 9, 2022.
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