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O que será do futebol com o presidente Capitão?

Marco Lourenço 26 de novembro de 2018

Em minha última coluna, apresentei um panorama geral em torno das mudanças do Ministério do Esporte anunciadas pelo novo governo eleito por Jair Messias Bolsonaro. Com mais dúvidas e lacunas que propostas para o próximo mandato, o futebol, assim como o esporte em geral, também é objeto de análise dos especialistas e deixo aqui uma pequena contribuição para o debate.

Proposta para o futebol: WO

Mesmo antes do primeiro turno, a preocupação com a ausência de propostas claras para o futebol já apareciam entre os principais analistas da modalidade. Não há qualquer menção ao futebol no programa oficial de governo do candidato eleito ou declaração direta a respeito do tema.

Por outro lado, seus aliados do mundo da política ou do futebol, após a confirmação da vitória no segundo turno, começam a jogar ideias e intenções pela imprensa, redes sociais e nos bastidores da bola. Dentre os assuntos mais relevantes, apresento três: Rede Globo, CBF e Torcida Organizada.

Quebra ou troca de monopólio?

“O povo não é bobo, abaixo à rede Globo!”. A palavra de ordem de manifestações e protestos é antiga, atravessa gerações e, surpreendentemente, se desloca da esquerda à direita na política. Recentemente, o maior grupo de comunicação do país foi atacado pelos seguidores de Bolsonaro, tanto por argumentos concretos, como por seus interesses econômicos nos rumos do país, ou mesmo por afirmações delirantes, como acusar a Globo de comunista.

Fundamental aliado do presidente eleito, a rede Record se tornou o porta-voz do projeto político do grupo liderado pelo PSL e afastou a Rede Globo da articulação política vencedora do pleito eleitoral. Na Nova República, todos os presidentes tiveram que sentar e negociar com a “vênus platinada”, o que nos faz esperar algum tipo de conciliação com o novo governo.

Para o universo do futebol, o enfraquecimento da Rede Globo passa pela influência do principal assessor para assuntos de futebol, Mário Celso Pe­traglia, presidente do conselho deliberativo e ex-presidente do Atlético-PR. Petraglia se tornou um grande cabo eleitoral de Bolsonaro nessas eleições, impondo aos atletas do clube entrarem em campo com uma camisa amarela em referência ao ex-capitão eleito.

Paulo André foi o único atleta a recusar determinação e não vestiu a camisa em apoio ao candidato do PSL. Foto: Gazeta do Povo/Reprodução.

O Furacão pode ser a força contrária à continuidade do monopólio das transmissões futebolísticas no país. Na última negociação, somente o Atlético-PR ficou de fora do acordo, de forma que o clube acabou se isolando na queda de braço com a Rede Globo. Abaixo, reproduzo um trecho de entrevista concedida à Folha, no início de novembro:

“Como fica então a transmissão dos jogos do Atlético-PR? 

Não vai ter. Nem no Facebook. É culpa dessa lei esdrúxula e absurda que existe, na qual os dois clubes precisam estar de acordo com a transmissão, mas a negociação é em pacote, com valor fechado, apesar do direito de transmissão ser individual. Contraria o princípio da liberdade de mercado, da livre concorrência.

Os valores oferecidos não agradam? 

É um absurdo. São R$ 600 mil pelo campeonato inteiro, enquanto tem time de quinto escalão do Campeonato Carioca e do Paulista ganhando cinco, seis vezes esse valor”.

Desta forma, há uma possibilidade real do novo governo interferir deliberadamente nas regras desse mercado, embora ainda sem garantias e sem nenhuma proposta concreta. Por outro lado, além de convencer o novo governo a comprar uma briga deste tamanho com o maior grupo de comunicação do país, Petraglia também terá de contar com o apoio de outros cartolas influentes na política, como José Perrela (ex-presidente do Cruzeiro), ligado aos tucanos mineiros, ou mesmo o presidente do Corinthians, Andrés Sanches, deputado federal pelo PT.

CBF

Principal alvo de críticas de especialistas do futebol brasileiro, da esquerda à direita, a CBF parece estar na mira da pistolinha do seguidor mais ambicioso de Bolsonaro no futebol. Petraglia deseja reunir “forças para aumentar a influência do governo no esporte mais popular do país”. E o que isso significa? Intervenção direta na gestão do futebol nacional, em especial, na Confederação Brasileira de Futebol:

  1. Dar autonomia aos clubes para a criação de ligas independentes, reduzindo as atividades da CBF à seleção brasileira;
  2. Levar à Câmara dos Deputados um projeto de lei que transforme os clubes em sociedades autônomas, para posteriormente, permitir a abertura de capital com ações na bolsa de valores.

Como é de praxe, Petraglia reproduz o discurso moralista e ideológico dos seguidores do novo presidente eleito: combater a corrupção afastando o país da esquerda, que segundo o cartola, governa o país há 24 anos. Aglutinar PT e PSDB num mesmo espectro político não é novidade, tal distorção da realidade vem sendo construída há muito tempo, embora do ponto de vista das políticas fiscais, encontremos muitas diferenças.

Curioso é pensar que o cartola paranaense já foi muito próximo do PDT de Brizola nos anos 1980, partido progressista também associado ao campo da esquerda. Em 1997, buscou apoio da bancada paranaense do governo federal – predominantemente tucana – para escapar das acusações de manipulações de resultados, com relatos, inclusive, de pedidos de propina do ex-diretor de árbitros da CBF, Ivens Mendes.

Já no governo Lula, se aproximou de Edinho Silva (PT), ex-ministro da Comunicação Social e prefeito de Araraquara, onde Petraglia tem familiares e negócios. Durante o período de obras para a Copa do Mundo de 2014, Petraglia criou uma equipe com seu genro, o engenheiro civil Luiz Volpato, o primo, o arquiteto Carlos Arcos, e o filho Mario Keinert Petraglia, que possui uma empresa fabricante de cadeiras, Kangoo, responsável pelo fornecimento de assentos de diversos estádios no país, como o Nacional, em Brasília.

Durante os governos Lula e Dilma, o presidente do Atlético-PR, Petraglia, recebia petistas com entusiasmo na Arena, tendo a ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann e o ex-ministro das Comunicações e do Planejamento, Paulo Bernardo, como espectadores frequentes do estádio. Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Se o novo governo apostar nessas diretrizes do seu principal assessor de assuntos da bola, não haverá caminho tranquilo. Embora alguns influentes políticos da Bancada da Bola não tenham sido reeleitos, como o vice-presidente da CBF, o deputado Marcos Vicente (PP-ES), outras figuras reforçam o conjunto de políticos ligados ao esporte, como o comunicador Jorge Kajuru ou mesmo à ex-atleta do vôlei, Leila.

Ao lado de Romário (Podemos) e Randolphe Rodrigues (Rede), Kajuru, mesmo defendendo o “fim da bancada da bola” para acabar com os esquemas de corrupção e propinas no esporte, terá que formar uma comissão da bola para intervir no futebol e, em especial, na CBF. É mais uma briga gigante que o novo governo enfrentaria, no entanto, ironicamente, boa parte dos maiores críticos e fiscalizadores da CBF estão no campo progressista, e essa será uma grande oportunidade para observarmos sua capacidade de articulação, negociação e pacificação da política nacional.

De um lado, para sustentar o enfrentamento à CBF, o novo governo terá que ressignifcar a sigla, reunindo, os Cartolas Bolsonaristas de Futebol, tarefa árdua, afinal, poucos dirigentes se manifestaram publicamente sobre política nas eleições. Por outro lado, o campo progressista – parlamentares de partidos mais à esquerda, jornalistas investigativos e pesquisadores – terá de lidar com um dilema moral e estratégico. Contestar a hegemonia, monopólio e a impunidade de Rede Globo e CBF, prática permanente dos progressistas, passou a ser usada como narrativa de afirmação dos mais conservadores, e a sua defesa irrestrita e simplista poderá trazer consequências incertas e perigosas.

Destituir o monopólio da Rede Globo é fundamental para o futebol, para o país. Difícil encontrar quem consiga elogiar o status quo. No entanto, sugiro algumas perguntas importantes para nossa reflexão:

  1. Sai Rede Globo e… quem entra?
  2. O controle do futebol sai das mãos da CBF e passa para o controle de quem?
  3. Estaremos abrindo um mercado de transmissões mais democrático?
  4. Ou então, como tanto defendem os liberais, teremos uma livre-concorrência e mercado, fundamental para uma economia mais justa?
  5. Corremos o risco da instituição da hegemonia de empresas estrangeiras de comunicação, caso da FOX e Esporte Interativo, dominando as transmissões e realizando remessas de lucros para fora do país?
  6. Com uma possível abertura de capitais dos clubes, quais as regras desse novo mercado e corremos o risco de um milionário do petróleo comprar um clube tradicional e transformá-lo em franquia?
  7. Ou, ainda, a pretensa república teocrática irá trazer o grupo Record/Universal para um novo monopólio das transmissões?

Uma nova ordem no futebol?

Muito mais perguntas que certezas do futuro do futebol. Falta pouco tempo para começarmos a ver o novo governo em ação, embora seus efeitos já possam ser sentidos em várias áreas. O presidente eleito conta com apoio expressivo de diversos atletas e, de quebra, recebeu apoio ontem de Luís Felipe Scolari, treinador do seu time de coração, Palmeiras, em entrevista coletiva após a confirmação do título, em cima do Vasco, um dos seus outros times do coração: “E espero que o nosso Brasil agora também cumpra ordens sob a nossa nova presidência. E aí a gente vai trilhar um caminho melhor.”.

A palavra “ordem” é também bastante utilizada pelos seguidores do novo presidente. Em sua campanha, até mesmo aqueles que declaravam a intenção em votar no candidato do partido Novo diziam: “em 2018, ordem… progresso, só em 2022, espere sua vez, João Amoêdo”. Diante dessa sinédoque do pensamento político vencedor desse pleito eleitoral, o futuro do futebol parece imprevisível, entre a conciliação com a Globo, negociação com a bancada da bola e cartolas, ou mesmo uma comissão suprapartidária reunindo adversários políticos tão díspares. O progresso, portanto, parece tão incerto quanto distante.

Por outro lado, se há um alvo claramente em risco, é a torcida organizada. O senador eleito por São Paulo, Major Olímpio, um dos maiores porta-vozes do ex-capitão, é autor do Projeto de Lei (PL) 1587/2015 que extingue as torcidas organizadas de futebol e garante que a proposta será retomada agora no Senado. Para o novo senador, as torcidas são “fachadas para o crime”, reproduzindo um certo senso comum que criminaliza tais organizações.

É inegável que o crime organizado também tenha se infiltrado dentro das torcidas uniformizadas. Há quem lembre que o PCC tenha nascido de um time de futebol dentro de um presídio paulista. Não faltam fontes que apontem para a influência da organização criminosa no futebol, seja na várzea, na bancada da bola ou dentro das torcidas.

Em partida pela Libertadores, a torcida do Corinthians protesta contra a Globo, CBF e FPF. Na faixa maior, acima das propagandas pede CPI DA MERENDA JÁ. Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.

No entanto, como diz o ditado popular, não se deve matar a vaca para exterminar seus carrapatos. Sabemos que o crime organizado ocupa diversos segmentos da sociedade e do governo, desde juízes, promotores, políticos, empresários e até igrejas. Em nenhuma destas áreas, se propõe o fechamento de congresso ou da carreira da magistratura, por exemplo. Com as torcidas organizadas, não deve ser diferente, até porque, para combater o poder criminoso, é preciso identificar e punir suas lideranças, que estão longe da periferia ou da arquibancada.

Sendo assim, a conjuntura política do futebol é eminentemente controversa e de poucas certezas. Àqueles que se dedicam ao desenvolvimento do esporte, será preciso ter muita resiliência, sabedoria e força para tomar as melhores decisões, seja pra quem faz parte do governo ou para a oposição. Assim como em outras áreas do Estado, o novo governo segue dando sinais de desconhecimento, despreparo e inabilidade sobre o esporte e o futebol, tanto pela ausência de um planejamento como pela pretensa “nova era” que irá desafiar engrenagens em detrimento da instituição de outros dirigentes políticos.

Seguimos olhando para o esporte com a angústia recorrente… o que será do nosso futebol?

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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. O que será do futebol com o presidente Capitão?. Ludopédio, São Paulo, v. 113, n. 27, 2018.
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