137.58

O Racismo velado no futebol brasileiro: o caso Cazares

Emanuel Oliveira, Thasya Tomé 26 de novembro de 2020

Na última década se tornou muito comum a vinda de jogadores sul-americanos para o Brasil, podemos visualizar em vários times brasileiros jogadores argentinos, colombianos, equatorianos, chilenos, dentre outros. Ademais, muito desses jogadores vem ganhando grande destaque pelas suas atuações em seus respectivos times, alguns desses jogadores estão assumindo o protagonismo e até mesmo assumindo a mística camisa 10. Diante disso, o Atlético MG é um grande exemplo desses times brasileiros: os últimos três jogadores a vestir a camisa 10 do time, eram estrangeiros e atualmente conta com 6 jogadores estrangeiros em seu elenco.

Nesse cenário, emerge a figura de Juan Ramón Cazares Sevillano, mais conhecido como Cazares, que é um futebolista equatoriano que atua como meio-campista e atualmente joga pelo time do Corinthians. Nascido em 3 de abril de 1992, Cazares começou sua carreira como atleta de futebol em 2009 pelo Independiente Del Valle e em 2015 foi contrato pelo Atlético-MG como uma grande promessa, sua carreira futebolística nos últimos cinco anos foi bastante turbulenta principalmente pelo seu comportamento extracampo. Destarte, as grandes mídias sempre acusaram como principal fator dos seus maus desempenhos dentro de campo terem sido influenciados pelos fatores extracampo, entretanto, em vários momentos o jogador sofreu críticas que poderia apresentar uma interpretação de cunho racista.

Foto: Reprodução Facebook

Historicamente, a arquibancada é o local onde pessoas comuns costumam extravasar suas frustrações. Tradicionalmente, o futebol movimenta paixões imensuráveis pelos quatro cantos do país, transformando-se em um “escape” emocional para muitas e muitas pessoas. Ao mesmo tempo que este papel social do esporte é importantíssimo, por vezes a paixão extravasada lamentavelmente vira violência, física ou verbal, relativizada pelo discurso de que “no futebol tudo pode”. Não pode.

​​Neste último dia 20 de novembro, ‘celebrou-se’ o Dia da Consciência Negra no Brasil, e é importante falar e promover uma reflexão sobre o racismo no futebol. Engana-se quem acha que tal prática esportiva, por carregar inúmeros protagonistas negros ao longo das décadas, torna-se “ambiente seguro” e blindado contra manifestações racistas. Em um levantamento recente 2017 promovido pelo ​Observatório da Discriminação Racial no Futebol, foram constatadas 43 denúncias, salto de mais de 100% em relação a 2013, ano em que 20 episódios de racismo no esporte foram monitorados.

O crescimento do número de denúncias denota uma maior preocupação social com este mal, mas também evidencia que a sociedade brasileira ainda engatinha em sua busca por equidade racial. Contudo, em seus primeiros passos, o futebol carioca se caracterizou pelo amadorismo, com equipes formadas por pessoas da elite. Não havia espaço para mulatos, negros ou atletas pobres. O primeiro jogador a quebrar esta barreira foi Carlos Alberto. Em 1914, o jogador entrou em campo pelo Fluminense Futebol Clube usando pó de arroz no rosto. Ele tinha medo da aristocracia da torcida tricolor rejeitá-lo pela cor da pele. Durante a partida, o suor começou a tirar a maquiagem de Carlos Alberto e, por causa dele, as demais torcidas de times cariocas começaram a definir a torcida do Fluminense como “pó-de-arroz”.

Casos antigos de racismo no esporte ultrapassaram a barreira do tempo e permanecem nos dias atuais. Em gramados, quadras e pistas, o preconceito racial se manifesta nos quatro cantos do mundo, recentemente podemos observar o quanto o movimento antirracista está presente na NBA a liga nacional de basquete dos Estados Unidos, no dia 26 de agosto de 2020 os jogadores se recusaram a entrar em quadra pela fatalidade que ocorreu ao Jacob Blake que foi vítima de violência policial, que levou 23 tiros pelas costas. Outrossim, o futebol como um todo precisa de mais manifestações, precisa de mais posicionamentos, pois pessoas morrem e sofrem dentro do esporte o tempo inteiro. O jogador Marinho do Santos em uma entrevista destinada ao bem amigos programa do Sport Tv se posicionou em relação ao racismo dizendo: “o mais importante é perceber que quando o Hamilton faz isso, quando Lebron faz isso lá, nós estamos unidos, eles têm um respeito. No Brasil se você for fazer isso é muito “mimimi”, “nutella”, isso e aquilo.”

O racismo no Brasil é estrutural. Naturalizado, negado. Urge pôr fim a essa negação e ao falso mito da meritocracia. Jogadores precisam se posicionar. Brancos, reconhecer seus privilégios e unir-se aos negros na luta antirracista. Só juntos poderemos derrubar as estruturas que ele fundamenta. Até que esses passos sejam dados, o racismo não será vencido no futebol e fora dele. Destarte, é bastante válido discutir e aprofundar o que o jogador Cazares sofreu durante esse tempo em que esteve atuando pelo Atlético-MG.

Um dos episódios mais famosos do racismo “velado” sofrido pelo meia em Minas Gerais partiu de um empresário e radialista dono uma rádio do estado. Segundo o mesmo, Cazares deveria fazer uso de uma tornozeleira eletrônica, para controlar o jogador em jogos fora de casa. A explicação dele para a utilização do equipamento de monitoração à longa distância no jogador se dá pelo fato do baixo rendimento do mesmo dentro das quatro linhas.

O Cazares sempre jogou muito mal quando o jogo não era em Belo Horizonte. Ele sempre jogava mal fora de casa. Era uma situação que se repetia. ‘Só tem uma situação para o Cazares. Bota nele uma tornozeleira eletrônica, aí vai controlar mais o Cazares” – disse o radialista, durante um programa de sua rádio.

Após ser bastante criticado pelo seu comentário de extremo mal gosto, o radialista trouxe o assunto novamente ao programa dizendo que tinha sido mal interpretado, teceu críticas ao patrulhamento da internet e ao final ironizou dizendo: “O Cazares jamais seria criticado aqui, mesmo porque ele é um exemplo de profissional e dedicação dentro e fora de campo”.

Foto: Reprodução Facebook

Foi absurdamente problemática a orientação de uso de tal equipamento para um jogador negro que reside em um país em que 66,7% da sua população carcerária formada por negros, mas também é sugestivo pois nos revela o quanto o racismo está enraizado no consciente (até mesmo no subconsciente) da nossa população.

Para ele não houve nenhum problema em relacionar um jogador negro a um dispositivo utilizado exclusivamente para fazer o monitoramento de presos que estão em liberdade condicional. E não houve da parte dele sugestão de uso da tornozeleira eletrônica para outros jogadores (brancos) que vinham tendo problemas extracampo e baixíssimo desempenho no jogos do seu time naquele mesmo período.

A maioria das críticas feitas sobre o jogador são no mínimo questionáveis, levando em consideração as estatísticas durante seu período no Atlético Mineiro. A falta de posicionamento do Clube perante os ataques recorrentes sofrido pelo jogador, também é de se questionar. Apelidos pejorativos, piadas depreciativas e charges de mal gosto, acompanharam o Cazares até a sua saída do time (quando o desenharam puxando uma mala com uma garrafa de cachaça dentro dela, assim reforçando ainda mais estereótipos sobre pessoas negras).

Como foi supracitado no texto, o racismo no Brasil já se encontra naturalizado e enraizado, porém cabe a nós levantarmos debates a respeito do assunto, dar legitimidade e apoio aos atletas negros que estão dispostos a utilizar de suas popularidades para trazer discussões sobre o racismo para seus respectivos esportes. A quem acompanha e torce, não só pode como deve entrar em um processo de questionamentos dos suas atitudes para quebrar este ciclo consciente (ou inconsciente) de constrangimento a outros indivíduos.

 

Referências

ACAYABA, Cíntia. REIS, Thiago. Proporção de negros nas prisões cresce 14% em 15 anos, enquanto a de brancos cai 19%, mostra Anuário de Segurança Pública. Acesso em: 18 de novembro de 2020.

ESPN. NBA: Bucks se negam a jogar em protesto após mais um caso de violência policial e não entram em quadra contra o Magic. Acesso em: 17 de novembro de 2020.

OBSERVATÓRIORACIONALDOFUTEBOL. Relatórios Anuais da Discriminação. Acesso em: 18 de novembro de 2020.

SILVA, Carlos Alberto Figueiredo. A linguagem racista no futebol brasileiro. Niterói RJ: Universo, 2007.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Emanuel Oliveira

Graduando em Licenciatura História pela Universidade Estadual de Montes Claros.

Thasya Rosane Tomé Ferreira

Atleticana fundamentalista e graduanda em História pela Universidade Estadual de Montes Claros

Como citar

OLIVEIRA, Emanuel; TOMé, Thasya. O Racismo velado no futebol brasileiro: o caso Cazares. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 58, 2020.
Leia também:
  • 178.17

    Onde estão os negros no futebol brasileiro?

    Ana Beatriz Santos da Silva
  • 178.15

    Racismo no Futebol: o golaço do combate ao racismo pode partir do futebol

    Camila Valente de Souza
  • 178.14

    Racismo: Vinícius Jr. e a nova fronteira do preconceito no esporte

    José Paulo Florenzano