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O segredo dos fracassos europeus no futebol olímpico masculino

Nas atuais Olimpíadas de Tóquio, a Espanha é a única seleção europeia que passou de fase, refletindo um baixo desempenho dos europeus e relembra como times de outros continentes acabam tendo sucesso nos jogos olímpicos. Você sabe o motivo?

Alemanha
Brasil ganha da Alemanha na estreia dos Jogos 2020. Foto: Lucas Figueiredo/CBF/Fotos Públicas

É fato que no futebol moderno, a Europa possui as melhores seleções e sempre vai estar disputando títulos de Copa do Mundo, mas a tradição europeia em Olimpíadas mudou e, no cenário atual, passou a ser uma “terceira força” entre os continentes, atrás da América do Sul e da África.

Só nessa edição, por exemplo, a gente viu camisas pesadas chegando sem muita perspectiva de classificação. A França foi goleada duas vezes, a Romênia ficou em último no seu grupo e a Alemanha não se classificou. Só a Espanha passou de fase, tendo marcado apenas dois gols em três jogos.

Para entender essa queda, precisamos folhear a história dos europeus nos jogos, entender como as olimpíadas funcionam e olhar um pouco para fora do velho continente.

 

Os europeus na história dos jogos olímpicos

Desde a primeira participação, em 1900, o futebol olímpico era amador. Isso foi ainda mais firmado após a segunda guerra mundial e a Copa do Mundo de 1930, quando o esporte passou a ser profissionalizado.

Desde então, a FIFA começou a proibir a participação de atletas profissionalizados nos jogos olímpicos. Entendia-se como amador, aqueles atletas que “não recebiam reembolso por tempo de afastamento”. O leste europeu se aproveitou da condição de militar de seus principais jogadores e criou uma hegemonia por meio do “amadorismo de fachada”. Por isso vemos seleções como Iugoslávia, Hungria e outras com várias medalhas olímpicas.

Em 1960, a FIFA restringiu mais. Jogadores que participaram da Copa de 1958 não poderiam participar dos jogos olímpicos. Isso só foi mudar quando as pessoas começaram a perder o interesse no futebol olímpico. Então, em 1984, jogadores profissionais passaram a ser aceitos, desde que não tivessem participado da Copa do Mundo.

Isso fez com que as seleções passassem, cada vez mais, a enviar jogadores jovens. A partir de 1992, a regra mudou e a competição se tornou sub-23, implementando a “regra dos três atletas de exceção” a partir de 1996. Foi depois desse ponto que a Europa começou a perder a sua hegemonia.

Até 1992, haviam sido 14 finais só entre europeus, apenas duas finais sem europeus, sendo só um podium não composto por países do velho continente. A partir de 1992, só a primeira final foi entre europeus. A Europa não ganha uma medalha de ouro desde aquele ano, veja a quantidade de medalhas por continente a partir de 92:

  • América do Sul: 3 ouros, 2 pratas, 3 bronzes
  • África: 2 ouros, 1 prata, 2 bronzes
  • Europa: 1 ouro, 3 pratas, 1 bronze
  • América Central/Norte: 1 ouro
  • Ásia: 1 bronze 

Nesse período, a cultura de formação de jogadores era diferente na Europa, enquanto na América do Sul, os talentos estavam jogando no futebol brasileiro e despontavam, tendo oportunidades, mais cedo. Isso até ressignifica a hegemonia sul-americana em olimpíadas e até em mundiais sub-20.

Só que as seleções europeias, nessa época, já tinham jogadores com menos de 23 anos que poderiam despontar, além da regra dos três experientes. O baixo desempenho recente passa por uma diversidade de fatores, que fizeram o futebol europeu masculino passar a desvalorizar as olimpíadas.

7 facts about Lev Yashin, the greatest football player in Russia's history  - Russia Beyond
Lev Yashin, goleiro da União Soviética, uma das poucas lendas do futebol a ter um ouro olímpico. Foto: Viktor Shandrin/reprodução redes sociais

A desvalorização europeia das Olimpíadas

O futebol masculino olímpico ser uma competição sub-23 é o motivo primordial pelo qual não vemos muitas das grandes estrelas do futebol mundial em campo nos jogos de verão.

Além disso, o evento não é organizado pela FIFA. Por isso, não há adaptação do calendário à competição e nem obrigatoriedade de liberação dos atletas por parte dos clubes, que se veem prejudicados por não contarem com seus melhores jogadores na pré-temporada.

Nesse período, também acontece a Eurocopa, que é organizada pela FIFA. Ou seja, os clubes já precisam liberar os jogadores para essa competição. Enquanto a Copa América (até 2016) e a Copa Ouro aconteciam em anos diferentes, a Copa Asiática mudou a partir de 2007 e a Copa Africana das Nações acontecia sempre no início do ano.

Há uma lista relevante de grandes jogadores europeus que nunca disputaram as olimpíadas: Iniesta, Casillas, Sérgio Ramos, Vieri, Zidane, Henry, Riebry, Ibrahimovic, Maldini, Paolo Cannavaro, Totti, Baggio, Neuer, Kroos, Kahm, Lahm e muitos outros.

Podemos observar os casos de Alemanha e França. Ambos os times não conseguiram convocar grandes jogadores pra compor o time dos “experientes” e tem muitos jogadores jovens que não são parte das promessas sub23 do país.

França: Teve que convocar Thauvin e Gignac, que atuam no México, como dois dos três experientes. Não contou com vários bons jogadores sub-23, como: Mbappé, Dembelé, Thuram, Koundé, Aouar, Upamecano e outros.

Alemanha: sequer completou o número de convocados, levando só 18, sendo 3 goleiros. Deixou de fora: Musiala, Wirtz, Baku, Moukoko, Harvetz, Kehrer e Katterbach. Tiveram que contar contar com Arnold e Kruse, que sequer figuram no radar da seleção principal, na turma dos acima de 23.

Enquanto isso, a Espanha trouxe um time recheado. Isso porque há uma lei no país que obriga os times a liberarem seus jogadores para a seleção olímpica. Por isso, a Espanha convocou Pau Torres, Pedri, Oyarzabal, Unai Simón, Eric García, Mingueza e até Asensio sem maiores problemas. Eles possuem a equipe mais cara da competição.

Um outro ponto relevante é que, para os europeus, os mundiais sub-20 e sub-17 já contam como competições internacionais de grande relevância no desenvolvimento dos atletas mais jovens. Por isso, os times olímpicos europeus não são tão integralizados com a seleção profissional da federação, como é feito no Brasil.

Isso recobra que o desempenho abaixo dos europeus não é só por causa de como eles enxergam, mas também para o valor dado pelos países ao redor do mundo.

Alemanha Brasil 2016
Alemanha e Brasil na final dos Jogos 2016. Foto: Roberto Castro/ Brasil2016/Fotos Públicas

O cenário atual do futebol olímpico para o mundo

As seleções da América do Sul sempre enviam o melhor possível para a competição, ainda esbarrando nas equipes que não liberam certos jogadores, mas mantendo sempre a tradição. A Argentina é a equipe com mais ouros do continente por isso. Messi tem um ouro olímpico, por exemplo, enquanto Cristiano Ronaldo e outros dos melhores do mundo não têm.

O Brasil, por anos, caçou essa medalha. O “país do futebol” teve que aceitar até 2016 o fato da Argentina ter levado o ouro duas vezes seguidas e de gerações como as de Bebeto, Romário, Ronaldo e outro craques não ter vencido a competição. A tradição tenta ser mantida, se convoca hoje as melhores opções possíveis. No Brasil, só o Flamengo negou a ida de atletas, enquanto na Europa, jogadores de times médios europeus conseguiram liberação, como Paulinho, Matheus Cunha e Diego Carlos. Em outros casos, até convocação dupla (Copa América e Olimpíada) veio: Richarlison e Douglas Luiz.

As seleções africanas e o México não possuem muita tradição em Copa do Mundo, apesar de terem feitos campanhas e partidas boas. Eles sempre chegam com muita força nas olimpíadas e conseguem formar times fortes com o que tem. Não à toa, Egito e Costa do Marfim passaram de fase, deixando Alemanha e Argentina para trás. Enquanto o México, campeão de 2012. montou um time com muitos jovens promissores.

A Ásia sempre está no topo da classificação do quadro geral de medalhas, mas a evolução no futebol de campo foi muito tardia. A única medalha até 2012, quando a Coreia do Sul foi bronze, tinha sido em 1968, com o Japão.

Os sul-coreanos, atuais campeões dos jogos asiáticos de 2018, não contam com suas melhores estrelas entre os 3 experientes, mas traz uma geração promissora liderada pelo meia do Valencia, Lee Kang-In. Passou em primeiro no seu grupo, fazendo duas goleadas e com 6 pontos.

Já o Japão, jogando em casa, faz a melhor campanha da competição. A equipe do jovem promissor Takefusa Kubo, que pertence ao Real Madrid, chegou a participar, com essa base de jogadores, a Copa América de 2019 e até deu trabalho para o Uruguai. E talvez, junto com Espanha, sejam os fortes candidatos a jogar uma final equilibrada com o Brasil.

Tóquio 2020 brasil
Empate equilibrado entre Brasil e Costa do Marfim, nos jogos olímpicos. Foto: Lucas Figueiredo/CBF/Fotos Públicas

Tudo o que foi apresentado explica e elucida sobre como os jogos olímpicos, apesar de não terem a relevância de uma Copa do Mundo, são importantes para o futebol mundial. Mesmo que os europeus não valorizem muito, isso e o olhar do resto do mundo para as olimpíadas faz com que a competição seja mais equilibrada entre os continentes.

Independentemente da queda dos europeus, que agora só contam com a Espanha, Brasil (América do Sul), México (América Central), Egito e Costa do Marfim (África), Nova Zelândia (Oceania), Coreia do Sul e Japão (Ásia), fazem uma fase de quartas de final com uma equilibrada representatividade por continente. Que vença o melhor, nessa imprevisibilidade que da vida pra o futebol nos jogos olímpicos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcus Arboés

Acadêmico em jornalismo na UFRN, narrador esportivo em formação e apaixonado por um futebol bem jogado e com aproximações, no melhor estilo latino! Atuo no Universidade do Esporte.

Como citar

ARBOéS, Marcus. O segredo dos fracassos europeus no futebol olímpico masculino. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 62, 2021.
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