O revisionismo científico e o anti-intelectualismo são as pernas de um gigante que acordou no Brasil nos últimos anos. E, ao que tudo indica, quando o gigante tem a bola da vez, ele chuta pra fora. Claro, a distopia do dia a dia brasileiro não poderia deixar de lado o campo, como disse certa vez Arrigo Sacchi, menos importante dentre os mais importantes: o futebol.
A geração que cresceu desenvolvendo seus códigos morais e vínculos sociais mediados pelas redes sociais avolumou a onda reacionária de forma engajada com os pressupostos e convicções avessas às ideias progressistas. Juntam-se aos jovens intoxicados por falsos profetas e cientistas, os veteranos da vida brasileira, marcados com as rugas do patriarcado escravocrata, e, claro, os adultos embriagados de recalque e hipocrisia.
Palavras duras, não é mesmo? Na verdade, é apenas um resumo moderadíssimo de uma mentalidade capaz de concordar e difundir diversas pseudociências e ideias como:
- Terraplanismo
- Nazismo de esquerda
- Negação do Darwinismo
- Negação da dívida histórica escravista
- Negação do aquecimento global
- Combate às vacinas
- Cura gay

No futebol, com raras exceções, como o ex-jogador Juninho Pernambucano, a onda de convicções distorcidas e da falta de bom senso é uma regra. Claro, apesar das lógicas internas pertencentes ao esporte, as simetrias entre certos valores encontrados na sociedade, na câmara de deputados ou no meio do futebol é flagrante.
Diversos apoiadores desse não projeto de governo vestem a camisa de grandes clubes, e, como esperado, potencializa o tsunami moral e ético que faz de Black Mirror ser uma ficção razoável. Nada de novo: o futebol que é um patrimônio da nossa cultura sempre emprestou seu universo de valores e linguagem para a sociedade.
O curioso é quando a linguagem política é apropriada pelo mundo do esporte. Como não se lembrar da Democracia Corinthiana ou das frequentes saudações nazifascistas nas arquibancadas das ligas europeias. Por outro lado, Juninho, indaga a atroz constatação de que atletas e ex-atletas se declarem de (orientação política à) “direita”, apesar de suas origens humildes.
Eis que o Brasileiro mais famoso da atualidade se torna manchete. Mais uma lesão. O assunto volta, agora, de outra forma. Agora não se fala “Neymar cai demais”. O debate que tomou conta dos noticiários é: Neymar apanha demais ou não respeita o adversário?
A despeito da opinião deste colunista sair da pergunta com gatilho binário, o que gostaria de comentar é sobre outro Neymar. O pai. Segundo o Neymar Empresário Majoritário, o menino de 26 anos é fora do comum. Difícil alguém discordar, ele joga e muito. O que é o mais distópico é o conceito que seu mentor crava: é culpa desse sistema socialista de futebol – todos devem ser iguais.

Obviamente, eu não exigiria de Neymar Pai um profundo conhecimento sobre história ou ciência política, mas é risível o uso do termo “sistema socialista de futebol”, que de forma histérica e dissociada da realidade, recai justamente sobre um dos mercados mais lucrativos do mundo.
E diante de toda a excrescência da mentalidade brasileira efusiva, não há terreno mais frutífero para semear mais um grotesco pensamento. Enquanto historiador, poderia destilar palavra a palavra para desconstruir tal afirmativa, porém, eis que reparo no relógio e percebo que acabo de completar uma hora em frente a esta tela, lendo, refletindo e escrevendo este artigo.
E aí, Neymar Pai, caiu-caiu minha ficha. Enquanto eu sentei aqui para pensar sobre o sistema socialista de futebol, caiu-caiu mais de R$ 56 mil reais em sua conta bancária.
A promotoria não tem mais perguntas.
Ops, melhor não usar essa metáfora sobre a justiça.
Morri, mas passo bem.