29.1

O último combate do Gladiador? – O caso de Kleber versus Felipão – parte 1

Max Filipe Nigro Rocha 1 de novembro de 2011

O evento ocorrido na terça-feira dia 11 de outubro de 2011, em frente a loja de produtos oficiais da Sociedade Esportiva Palmeiras mobilizou parte da imprensa esportiva nessa semana e repercutiu na já abalada estrutura do clube alvi-verde, desestabilizando ainda mais o time. O fato em si resume-se à agressão ao volante palmeirense João Vitor por um grupo de torcedores identificados pela imprensa como “membros de torcida organizada” durante uma discussão entre jogador e torcedores devido ao fraco desempenho do jogador e do time1.

Com base no exposto, a proposta do artigo é apontar algumas leituras dos jogadores, comissão técnica, direção do clube e imprensa esportiva a respeito do acontecimento e seus desdobramentos. O primeiro ponto de destaque é a cobertura realizada pela imprensa que, quase que instantaneamente, substitui o personagem – João Vitor – e o tema – a agressão – pelo confronto instaurado entre Kleber Gladiador e Felipão após a agressão ao volante. Segundo a mídia esportiva, o desentendimento entre jogador e técnico ocorreu dentro do vestiário do clube, local no qual o atacante irritou-se diante da seguinte declaração do treinador a respeito da agressão: “esse tipo de coisa acontece, mas o rapaz está bem, vamos para o jogo.”2

Ao que tudo indica Felipão desconsiderou todo um histórico de agressões da torcida palmeirense em relação aos profissionais do clube. Em 2008, o então técnico do clube, Wanderley Luxemburgo, teve seu braço quebrado por torcedores na chegada da equipe no Aeroporto de Congonhas, no ano seguinte, Wagner Love foi agredido por dois torcedores na saída de uma agência bancária e socorrido pelo goleiro Marcos, ídolo da torcida, além de uma emboscada realizada por torcedores ao ônibus dos jogadores. Em 2011, Marcos Assunção chegou a ser ameaçado ao tomar partido do atacante Luan diante da cobrança de alguns membros de uma torcida organizada no desembarque do time em Porto Alegre. O mesmo atacante em questão teve o seu carro atingido por um coquetel molotov depois da derrota por 6 a 0 para o Coritiba, pela Copa do Brasil. Por fim, no início do mês de outubro, torcedores foram até a casa de Kleber protestar contra o jogador e um boneco do atacante sob o codinome de Judas foi queimado em frente ao Parque Antártica3.

Diante do contexto apresentado, em resposta ao técnico, Gladiador retruca: “(Os torcedores) Foram na sua casa? Foram na minha!” e acusa Felipão de incentivar a indisposição da torcida contra os jogadores com declarações como: “Já fiz a lista de reforços para o ano que vem”, “É a primeira vez em 20 anos que não consigo montar um time” e “Nossos medalhões não estão respondendo”4. Em meio ao desentendimento, o treinador sugere que os jogadores partissem para a agressão física dos torcedores ao provocar: “Vocês são em 25 aqui e eles em 15 lá.”5 A discussão encerra-se e um grupo de jogadores reúne-se para reivindicar melhores condições de trabalho e segurança. As propostas vão desde greve, sumariamente descartada devido ao risco do time perder pontos por W.O., até o cancelamento da concentração para o jogo de quarta-feira contra o Flamengo. Parte dos jogadores apóiam a sugestão de Kleber, mas nenhum deles toma uma medida efetiva e apenas o Gladiador vai para casa. Não há registros de que ele tenha se recusado a jogar o próximo jogo, mas que o treinador se recusou a entrar no ônibus caso o jogador estivesse presente.

Kleber, o Gladiadior. Ilustração: Fernandes/A Academia.

Se de início, tanto a televisão, quanto os jornais, as rádios e os sites da internet deram destaque para a agressão à João Vitor, depois do choque entre Scolari e Kleber, o assunto original some da pauta jornalística. Em primeiro lugar, creio que tal cobertura imediatista visa, sem dúvida, maximizar a audiência das TVs e rádios e a venda de periódicos e os acessos pois busca criar um evento espetacular sempre que possível. Noticias que assumem a condição de cometas, que surgem e desaparecem quase que instantaneamente, dando espaço para o próximo escândalo.

Contudo, a cobertura da disputa de poder entre Felipão e Gladiador supera a simples busca de novas polêmicas. Uma parcela da mídia esportiva que possuiu um caráter mais analítico do futebol e dos acontecimentos que o cercam assume a defesa da restauração da hierarquia e da relação mando-obediência existente entre técnico e jogador – caso da entrevista de Roberto Tirrone para a rádio Eldorado/ESPN e do Blog de Perrone6 – e a condenação da atitude do jogador por meio do comentário de PVC sobre o evento:

“Já estava decidido que o time viajaria na quarta, e já tinha gente indo ao hotel. Então, há a discussão entre Kleber e Felipão, e o jogador vai embora. É diferente de você dizer que vai comandar um movimento porque não se pode admitir que a torcida persiga um jogador, mas não foi isso que aconteceu. Se tivesse sido isso, o Kleber estava certo. […] Se ele tivesse convocando uma greve porque é preciso resolver a situação de segurança dos jogadores em relação a torcedores uniformizados, se fosse isso que tivesse acontecido, ele teria total razão, mas não foi isso”7.

A nosso ver, a exigência de um modus operandi específico do jogador é um subterfúgio, um preciosismo que busca tornar ilegítima a reivindicação de Kleber por mais segurança no ambiente de trabalho. Embora a imagem da greve esteja no campo de considerações de PVC, o comentarista sugere que para ser reconhecida ela deveria passar por toda uma elaboração intelectual improvável, para não dizer impossível, de ocorrer no calor da discussão entre jogador e técnico. No limite, tal posicionamento sugere que Kleber tivesse agendado uma reunião com antecedência para discutir a questão.

Já o caso de agressão ao volante volta a tona apenas diante da tentativa de instaurar uma nova polêmica ao interrogar o jogador a respeito do tratamento e suporte oferecido pelo clube após o ocorrido, criando novos antagonismos e tensões. Em entrevista para a TV Bandeirantes no dia 14/10/2011, no programa Jogo Aberto, João Vitor é estimulado a expor sua insatisfação diante da atitude da diretoria do clube e do técnico de não terem prestado solidariedade ao jogador. A crítica ao acontecido acontece de forma tímida quando o ex-jogador e atual comentárista Denilson chama o caso de agressão de “ridículo”, mas não há iniciativa de analisar a situação e propor intervenções na questão.

A única voz dissonante dessa mídia esportiva – acrítica, restrita ao registro factual dos acontecimentos e, nas poucas vezes que assume um posicionamento no debate, defensora da restauração da ordem – encontrada por nós foi a de Juca Kfouri, embora o jornalista não volte ao tema posteriormente:

“[…] neste caso específico ele [Kleber] está coberto de razão ao exigir de seus empregadores que dêem segurança aos seus funcionários. E já que nossas autoridades nada fazem por mais que saibam muito bem quem são os agressores — sejam os deste caso, sejam os que emboscaram o ônibus do Corinthians anos atrás, os que perseguiram Fred dia desses, os que ameaçaram Ronaldinho Gaúcho ou foram pressionar Kleber em sua casa etc –, parece que a única saída será os jogadores se unirem e darem um basta nisso, simplesmente se recusando a entrar em campo, fazendo uma greve para ver se alguém se mexe e resolve a questão.”8

Diante do exposto, é possível apontar semelhanças entre o discurso da mídia esportiva, da comissão técnica e dos dirigentes. Felipão, na intenção de restaurar a idéia mítica da “Família Scolari”, na qual a harmonia e o respeito à hierarquia imperam, busca restabelecer as relações de mando-obediência que foram desfeitas no confronto com o Gladiador por meio do afastamento do jogador:

“Não sei se ele [Kleber] estava tentando dividir (o grupo) e nem quero saber mais. Agora, é só seguir em frente. Acabou.”9

“A direção sabe meu posicionamento e pronto. Não sei se amanhã, daqui duas semanas o que vai acontecer. Ele [Kleber] não quer jogar, eu não quero que ele jogue e acabou.”

Felipão. Ilustração: Fernandes/A Academia.

Nesse aspecto, o treinador evidencia a exigência do respeito à hierarquia e o seu vínculo com a diretoria, instrumento esse que servirá de pressão para sustentar o controle sobre os demais jogadores. Tal intenção pode ser observada em outras iniciativas do técnico como o questionamento da versão de João Vitor por meio de uma suposta imparcialidade. Se em um primeiro momento ele afirma que “esse tipo de coisa acontece”, em declaração para a imprensa, declara:

“Depois da fita que a gente viu, espero que não se emita nenhum parecer sobre o caso. A polícia vai analisar as imagens. Pode ser que ele (João Vítor) tenha sido desacatado e partido para cima. Depois, o rapaz voltou com os amigos. Não quero ser injusto.”10 (grifo nosso).

Seguindo a mesma linha – a desqualificação do discurso – o técnico inverte o sentido do posicionamento político dos jogadores ao afirmar que está de acordo com as reivindicações, mas que não aceita radicalizações a respeito das torcidas organizadas:

“Só tenho um reparo a fazer: a situação da concentração, porque teríamos jantar, repouso e horários definidos para viagem. Do restante, acho que a postura dos atletas é correta. Até mesmo referindo a participação da associação que fazem parte, que é fundamental. Mas depois que colocamos algumas coisas para eles, que vejam que não dá para radicalizar em relação a torcidas organizadas. Algumas vezes, não são eles totalmente os culpados.”11 (grifo nosso)

 Contudo, o contexto que pode ser resgatado pelos depoimentos veiculados nos meios de comunicação não indica que o movimento dos jogadores liderados por Kleber dirigiu-se aos torcedores, mas sim ao clube – esse sim responsável por garantir a segurança dos profissionais durante o exercício da profissão.

Em outra oportunidade, o treinador palmeirense deixa claro às regras da casa e a necessidade de se instaurar a relação de mando-obediência, fundamental para o sucesso do futebol-mercadoria:

“Tenho tentado, desde que cheguei e ainda não consegui, organizar uma equipe que esteja totalmente à minha disposição e que faça o que desejo. Sempre tem uma situação tumultuando. […] Digo que 70, 80, 90% dos jogadores estão satisfeitos.”12 (grifo nosso)

________
[1]http://terceirotempo.ig.com.br/noticia/Joao_Vitor_critica_declaracoes_de_Felipao_sobre_agressao-54406 acessado em 18/10/2011.
http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2011/10/13/sindicato-quer-protecao-a-jogadores-apos-caso-joao-vitor-e-cogita-greve.htm acessado em 18/10/2011.

[2] http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/10/caso-joao-vitor-kleber-discute-com-diretoria-e-nao-viaja-com-time-ao-rio.html acessado em 18/10/2011.

[3] http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/10/joao-vitor-e-agredido-por-torcedores-na-sede-do-palmeiras.html acessado em 18/10/2011.

[4] http://www.espn.com.br/noticia/219941_kleber-lidera-motim-irrita-felipao-e-afastado-e-nao-viaja-ao-rioacessado em 18/10/2011.

[5] http://terceirotempo.ig.com.br/coluna_materia.php?id=1378 acessado em 18/10/2011.

[6] http://blogdoperrone.blogosfera.uol.com.br/2011/10/kleber-foi-afastado-na-madrugada-para-assegurar-presenca-de-felipao-no-rio/ acessado em 18/10/2011.

[7] http://www.espn.com.br/noticia/220212_video-para-pvc-kleber-nao-estava-certo-quando-tentou-organizar-motim acessado em 18/10/2011.

[8] http://blogdojuca.uol.com.br/2011/10/25477/ acessado em 18/10/2011.

[9] http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/10/felipao-diz-por-que-desistiu-de-kleber-nao-vale-mais-pena.html#equipe-palmeiras acessado em 18/10/2011.

[10] http://www.band.com.br/esporte/futebol/brasileirao-serie-a/noticia/?id=100000461841 acessado em 18/10/2011.

[11] http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/10/scolari-cria-duvidas-sobre-inocencia-de-joao-vitor-em-caso-de-agressao.html acessado em 18/10/2011.

[12] http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/10/scolari-cria-duvidas-sobre-inocencia-de-joao-vitor-em-caso-de-agressao.html acessado em 18/10/2011.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Max Filipe Nigro Rocha

É graduado e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realiza pesquisa de doutorado sobre futebol e política pela USP. Editor do site Ludopédio (www.ludopedio.com.br)e pesquisador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) que integra pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e Unifesp.

Como citar

ROCHA, Max Filipe Nigro. O último combate do Gladiador? – O caso de Kleber versus Felipão – parte 1. Ludopédio, São Paulo, v. 29, n. 1, 2011.
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