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O vilão de sete vidas: da “tragédia de 1950″ à “vergonha de 2014″

Leda Costa 4 de agosto de 2014

Somente 2 técnicos retornaram à seleção sem terem sido campeões mundiais em Copa: Telê Santana (1982-1986) e Dunga (2010-2014). Com uma diferença fundamental entre ambos. Enquanto Telê Santana não foi considerado vilão da tragédia de Sarriá e gozava de grande prestígio e popularidade em seu retorno à seleção, para a Copa de 1986, o mesmo não podemos dizer de Dunga que saiu da Copa de 2010 como o grande vilão da eliminação da seleção.

Dunga é o vilão de sete vidas. E seu retorno aponta para possíveis mudanças tanto na forma de se narrar as derrotas da seleção em Copas quanto no que diz respeito a aspectos da organização do futebol brasileiro.

Além desse improvável retorno, há fenômenos absolutamente fascinantes de serem observados após a Copa de 2014.

Em primeiro lugar, chama a atenção o louvor ao futebol alemão feito por grande parte da imprensa esportiva. O futebol alemão que por tanto tempo foi tomado como sinônimo de antifutebol foi compreendido como o exemplo a ser seguido pelo futebol brasileiro, tanto em termos de organização esportiva como no que diz respeito aos aspectos técnicos e táticos.

Jogadores da Alemanha comemoram o gol marcado na final contra a Argentina. Foto: Marcello Casal Jr. – Agência Brasil.

Se pensarmos que há algum tempo atrás o estilo de futebol brasileiro se construiu em oposição ao futebol europeu, concebido como excessivamente pragmático e sem arte, é de se causar certo espanto todos os elogios lançados sobre os alemães.

Não há nada de negativo nessa postura, desde que feita sem recorrer a concepções estereotipadas e em opiniões pouco fundamentadas.

A Copa de 2014 foi surpreendente também por proporcionar eliminações precoces de grandes seleções e ótimas atuações de times com pouca tradição no futebol mundial.

Mas a Copa de 2014 nos deu também a oportunidade de testemunharmos a maior goleada sofrida pela seleção brasileira nos seus cem anos de existência. Goleada sofrida no torneio mais importante de futebol, torneio que tem o Brasil como o país cuja seleção tem o maior número de títulos de campeã.

Alemanha 7 x 1 Brasil foi o resultado final de um jogo recebido por grande parte da imprensa esportiva como a maior vergonha da longa trajetória da seleção nacional.

Algumas capas de jornais do dia seguinte ao jogo Alemanha x Brasil traziam a palavra vergonha estampada. O jornal Lance! publicou uma capa em branco e na parte inferior dizia-se: “indignação, revolta, dor, frustação, irritação, vergonha, pena, desilusão… diga o que estão sentindo e faça você mesmo esta capa do Lance!” (9/07/2014). A mesma tática de não publicar uma capa foi usada pelo jornal popular Meia Hora que dizia “Não vai ter capa. Hoje não dá pra fazer graça, a gente ficou com vergonha. Amanhã nós voltamos” (9/07/2014). Já O Globo estampou em sua primeira página a foto de Davi Luiz chorando e acima a manchete: “Vergonha, vexame, humilhação” (09/07/2014).

Outra constante na recepção da imprensa foi o acionamento da derrota de 1950, algo que já era de se esperar. Esse acionamento foi feito em grande medida com o objetivo de demonstrar que a eliminação da seleção da Copa de 2014, com uma goleada, havia sido uma derrota que redimiria aquela sofrida diante dos uruguaios, em 1950.

Podemos ver esse aspecto nas palavras de José Roberto Torero em sua crônica “Obrigado, diria o técnico da seleção de 1950 a Felipão (Folha de S. Paulo, 09/07/2014) ou nas de Thiago Salata que escreveu em sua coluna no Lance!: “Tragédia de 50 perde espaço para a vergonha de 14 nos livros de história” (09/07/2014, p.13)

Esse viés interpretativo se fez notar de maneira incisiva nos jornais Extra e Diário de Pernambuco.

Ambos usaram a mesma foto em que se  mostra o goleiro Barbosa caído após o gol de Ghiggia e ao fundo Bigode com as mãos na cabeça. O primeiro jornal diz “Parabéns, aos vice-campeões de 1950 que sempre foram acusados de dar o maior vexame do futebol brasileiro. Ontem conhecemos o que é vexame de verdade” (9/07/2014). E o Diário de Pernambuco estampou: “Barbosa descanse em paz.” em referência ao goleiro da seleção, o principal vilão eleito da Copa de 1950. Segundo o jornal se a derrota de 1950 parecia até então “Uma decepção que, pensava-se, jamais seria repetida. Infelizmente aconteceu e foi pior. A goleada de ontem envergonhou a nação, mas redimiu Barbosa” (09/07/2014).

É possível que a goleada sofrida pela seleção brasileira na Copa de 2014 possa lançar alguma perspectiva diferente em relação a derrota de 1950.

Mas na verdade, a recepção da Copa de 2014, realizada no Brasil, demonstra que houve consideráveis mudanças ocorridas no modo de se narrar a derrota da seleção brasileira, o que torna possível considerar que a aproximação de 1950 e 2014 se faz por laços tênues, pois há diferenças importantes a serem levadas em consideração.

Tais diferenças se fazem presentes tanto em termos narrativos assim como se explicita em alguns acontecimentos perceptíveis no campo esportivo.

1950: a derrota mítica e o nascimento de uma nação

A derrota de 1950 é única. A derrota de 1950 é mítica. E dificilmente perderá seu caráter aurático, devido a uma série de aspectos que pouco provavelmente se repetirão novamente.

Primeiramente é preciso destacar que a derrota para o Uruguai em 1950, extrapolou e muito as quatro linhas do campo, sendo compreendida como uma derrota da nação. Como a antropóloga Simoni Guedes já observou, é notável, em alguns momentos da história do país, a passagem “da análise de uma derrota no terreno futebolístico para a análise do povo brasileiro como um todo (Guedes, 1998, p.21). Essa transposição marcou a recepção da derrota de 1950 e esse aspecto fica claro na crônica de José Lins do Rego, publicada no Jornal dos Sports:

Vi um povo de cabeça baixa, de lágrimas nos olhos, sem fala, abandonar o Estádio Municipal como se voltasse do enterro de um pai muito amado (…) E, de repente, chegou-me a decepção maior, a ideia fixa que se grudou de que éramos mesmo um povo sem sorte, um povo sem as grandes alegrias das vitórias, sempre perseguido pelo azar, pela mesquinharia do destino (JS, 18/07/1950).

Apesar de a derrota para o Uruguai ter sido recebida com intolerância, forte descontentamento e tenha provocado discussões, é importante frisar que houve, ao mesmo tempo, uma clara e insistente tentativa de amenizar o impacto daquele fracasso. As manchetes das primeiras páginas dos jornais que tratavam da perda do título para o Uruguai podem causar espanto para nós contemporâneos, acostumados a conhecer aquela derrota pela denominação “tragédia do Maracanã”. O Jornal dos Sports – um dos mais importantes periódicos esportivos do país na época – escreveu em sua primeira página a frase: “Uruguai campeão de fato, mas o Brasil, melhor team do mundo” (18/07/1950). O Globo, por sua vez, conseguiu ser um pouco mais direto: “Campeão o Uruguai” (17/07/1950). Outro importante periódico esportivo, Esporte Ilustrado, escreveu: “Atuando com grande entusiasmo e espírito de luta, a representação uruguaia vence o IV campeonato mundial de futebol” (27/07/1950). Embora tenha havido claras acusações aos jogadores, também foi perceptível a tentativa de minimizar a decepção causada pela derrota, o que se fez notar nas manchetes principais de alguns importantes jornais.

Seleção do Uruguai posa para foto antes da partida contra o Brasil pela Copa do Mundo de 1950. Foto: Wikipédia.

Diferentemente de 2014, em 1950, dias antes do jogo decisivo contra o Uruguai havia a quase certeza de que a seleção brasileira seria campeã mundial, o que se faz notar nas páginas da imprensa esportiva nas quais criou-se um clima de grande otimismo em torno da vitória diante dos uruguaios, como demonstrava a “profética” manchete de a Gazeta Esportiva: “Venceremos o Uruguai” (apud, Perdigão, 1986, 69). Ou então podemos citar a famosa manchete do jornal “Estes são os campeões do mundo” estampada no jornal O Mundo (apud Perdigão, 1986, 68).

A derrota sofrida contra o time uruguaio soou surpreendente, não apenas porque a seleção precisava apenas de um empate, mas também, porque a Celeste Olímpica fez uma campanha modesta vencendo de modo apertado adversários que o Brasil tinha goleado. Em 1950, pela 1a vez a conquista do mais importante campeonato de futebol deixava de ser um sonho distante e se tornava algo não apenas possível, mas até mesmo certo. A seleção brasileira em campo jogava bem, recebia elogios de jornalistas brasileiros e estrangeiros.

A esse aspecto soma-se as circunstâncias do jogo, sobretudo o gol tomado aos 33min30s do segundo tempo, depois de uma bola chutada por Ghiggia. Bola cuja trajetória formava um ângulo com a linha de fundo de cerca de 20 a 25 graus, segundo informou Paulo Perdigão (1986, 145). Condições essas pouco favoráveis a um chute direto, o que fazia parecer impossível que a bola entrasse. Mas ela entrou.

Mas como sabemos a seleção perdeu o jogo decisivo e como Mario Filho disse em crônica “A ameaça da derrota veio no pior dos momentos: quando a vitória se esperava assegurada.” (Jornal dos Sports, 18/07/1950, p.5).

Parecia coisa do destino ao qual José Lins do Rego fez referência. Destino que colocava em xeque não apenas o futebol brasileiro, mas seu próprio país. Aquele mau resultado foi, muitas vezes, tomado como um sinal de que o Brasil era uma nação cujo perfil se desenhava sombrio e marcado pelo fracasso. Tratava-se da encenação de uma questão antiga que se relacionava à “deficiência da raça brasileira, temática que se prolongava desde a época do Estado Novo” (VOGEL, 1982, 99).

A derrota de 1950 transformou-se em uma “tragédia” constantemente relembrada, o que em parte também se relaciona à presença de uma “cultura da memória” na contemporaneidade como propõe Andreas Huyssen. Nessa cultura “nem sempre é possível traçar uma linha de separação entre passado mítico e passado real” (2000, p. 16). Continuando o diálogo com Huyssen a derrota da seleção brasileira em pleno Maracanã tomado por 200 mil pessoas, assim como ocorreu com o naufrágio do Titanic, também foi apropriado pelo “entretenimento memorialístico” (200, p. 14) e não sem motivos a cena do gol de Gigghia pode ser assistida na sala intitulada “Rito de Passagem” do Museu do Futebol em São Paulo.

A derrota de 1950 consolidou a figura do vilão como personagem fundamental às narrativas da derrota da seleção, vilão que foi paradigmaticamente encarnado pelo goleiro Barbosa. Vilão paradigmático porque – mesmo que não seja justa sua culpabilização – a imagem do goleiro jamais conseguiu desvincular-se da derrota de 1950. E a derrota de 1950 jamais conseguiu ser contada sem que no centro de sua narrativa estivesse Barbosa.

 A pouca tecnologia e a ausência das transmissões de TV, com suas inúmeras câmeras, facilitaram a emergência de relatos diversos. Ao longo dos anos histórias vividas e imaginadas compuseram a trama da “tragédia de 1950” que com o tempo se converteu em um momento absolutamente fundamental na composição narrativa da história da seleção brasileira, já que representou a queda trágica, típica aos grandes e que, posteriormente, foi superada pelas vitórias.

1950 é uma espécie de mito fundador do futebol brasileiro.

Alemanha 7 x 1: não há tragédia, há vergonha e o retorno do vilão

Em 2014 o contexto é absolutamente outro. Nele ocorre o que há muito tempo não se via no discurso da imprensa esportiva: o reconhecimento a superioridade do adversário da seleção brasileira e que, portanto, a derrota era algo possível. Essa expectativa negativa se alimentava sobretudo por conta da ausência do principal jogador da seleção brasileira da Copa do Mundo. Nas quartas de final, em jogo contra a Colômbia, Neymar fraturou uma vértebra após sofrer uma falta violenta do jogador colombiano Zúñiga e foi cortado do mundial.

Para agravar a situação, nesse mesmo jogo, Thiago Silva foi punido com cartão amarelo, o terceiro, fato que o suspendia da próxima partida. Sem Neymar e sem o capitão e principal zagueiro, as expectativas de vitória da seleção foram fortemente diminuídas, fazendo surgir a preocupação com as possíveis soluções táticas para fazer a seleção brasileira jogar e ganhar mesmo com a ausência desses dois importantes jogadores.

Na véspera do jogo, Renato Maurício Prado pergunta “Qual será, afinal, o time do Brasil sem Neymar” dúvida que perpassou grande parte das páginas da imprensa esportiva até mesmo porque o técnico Luiz Felipe Scolari não anunciou quem seriam os jogadores que iriam a campo. A ausência de seu mais importante jogador gerou forte preocupação, o que se pode notar em matérias que demonstravam a dificuldade que a seleção enfrentaria. Por isso, segundo a Folha de São Paulo “Sem Neymar, seleção abandona discurso de favoritismo …” (D4, 08/07/2014).

Além dessas ausências, é importante considerar que de um modo geral as atuações da seleção brasileira não foram capazes de despertar muitos elogios da imprensa esportiva, o que reforçou a desconfiança de que a seleção brasileira talvez não conseguisse sair vitoriosa do jogo contra a seleção alemã.

Nesse contexto, a derrota era algo que se fazia possível no horizonte de expectativas de torcedores e de parte da imprensa esportiva. Não apenas possível como até mesmo desculpável. Nos dias que antecedem a partida, a atenção se volta para a contusão sofrida por Neymar, fato extensamente dramatizado pelo discurso da imprensa e pela exibição do vídeo veiculado pela CBF em que o jogador chorando afirma que “Me tiraram o sonho de disputar uma final de Copa do Mundo. Mas o sonho de ser campeão mundial, ainda não acabou”. As máscaras com o rosto de Neymar produzidas pela campanha “somos todos Neymar”, criada por uma agência publicitária, mostra a atmosfera de comoção em torno de sua ausência, sentimento amplamente fomentado por diversas instâncias.

Perder nesse contexto, era algo compreensível. Aspecto incomparável com 1950, quando a vitória era tida como certa.

Em 2014, o que surpreendeu e tornou a derrota inaceitável foi o seu tamanho: 7 x 1. Esse placar elástico, pouco típico em jogos de Copa do Mundo, sobretudo em se tratando da seleção brasileira, é que transformou a perda na semifinal em “Vergonha, vexame, humilhação” (O Globo 09/07/2014).

Jogadores da Alemanha comemoram gol contra o Brasil. Cena se repetiu por sete vezes. Foto: Marcello Casal Jr. – Agência Brasil.

Em relação a ênfase na palavra “vexame” e “humilhação” é válido frisar que essas palavras frequentemente usadas para se definir o resultado Alemanha 7 x Brasil 1, são palavras que fazem referência ao abalo de uma hierarquia, pois têm como pano de fundo o glorioso histórico da seleção brasileira em Copas do Mundo.

Porém, diferentemente de 1950, a derrota em campo, não foi compreendida como uma derrota da nação. Esse tipo de análise seria pouco provável nos dias atuais por diversos motivos entre os quais se destaca a questão de que há um gradativo enfraquecimento da relação entre futebol e identidade nacional, o que significa dizer que “as narrativas em torno da seleção brasileira de futebol já não tratam de forma homogênea o futebol como metonímia da nação” (HELAL,2003, 2) . Portanto, a derrota para a Alemanha não foi compreendida como uma derrota do país, mas como um vexame de ordem esportiva.

Outro fator diferenciador fundamental diz respeito ao recurso às novas tecnologias, especialmente, das mídias eletrônicas. Se em 1950 havia uma carência de imagens e a possibilidade de um discurso mais homogêneo em torno da seleção, hoje em dia, esse fenômeno é bastante dificultado pelas diversas vozes dissonantes que surgem em blogs, sites de relacionamento e diversas outras ferramentas disponibilizadas pela internet.

E nos usos dessas ferramentas destacam-se apropriações humoradas da derrota da seleção brasileira para a Alemanha e os inúmeros memes surgidos, ainda enquanto o Brasil jogava com a Alemanha:

Até mesmo a imprensa recorreu ao humor:

Esse tipo de apropriação da derrota de forma humorada é algo pouquíssimo notável em 1950 quando imperou um tom sério e cerimonioso à perda do jogo para o Uruguai.

Embora seja compreensível que incialmente tenha se recorrido à comparação entre 1950 e 2014, é preciso ressaltar que em primeiro lugar essa comparação somente faria sentido se a seleção de 2014 tivesse chegado à final. Dessa forma teríamos patamares comparativos mais pertinentes. O que não foi o caso. A seleção de 2014 foi eliminada em uma semifinal, o que tem um peso bem menor do que se a derrota ocorresse em uma final de Copa.

Além dessa diferença fundamental, a derrota da seleção em 2014 – na verdade, as derrotas somando-se a da disputa do terceiro lugar – marca uma guinada na história dos vilões das derrotas da seleção e aponta para aspectos preocupantes do futebol brasileiro.

O reinado dos vilões

Se a derrota de 1950 provocou uma série de mudanças na seleção brasileira, o que inclui até mesmo a aposentadoria do uniforme branco que foi substituído pelo agora tradicional uniforme canarinho, as derrotas de 2014 tiveram consequências razoavelmente surpreendentes e que aguardam análises futuras.

Em termos narrativos é possível afirmar que embora tenha sido tomada como vexatória, a derrota de 2014 para a Alemanha não teve um vilão como protagonista. Em grande medida isso ocorreu porque o placar elástico evidenciou que seria no mínimo inverossímil culpar apenas alguns jogadores ou mesmo somente o técnico.

Luiz Felipe Scolari chegou a ser amplamente questionado pela imprensa esportiva, mas não houve um discurso mais incisivo que deixasse em evidência que a responsabilidade da derrota era dele.

Culpabilizou-se a CBF, o atraso do futebol brasileiro, a falta de investimento nas categorias de base e pediu-se mudanças urgentes na estrutura do futebol brasileiro. Pediu-se constantemente por renovação.

Geralmente as pressões vindas da imprensa costumam gerar consequências imediatas, sendo a primeira delas a troca do treinador perdedor. Geralmente essa mesma imprensa costuma recorrer ao respaldo da voz popular trazendo à cena pesquisas de opinião pública. Entre os dias 15 e 16 de julho, em 233 municípios brasileiros, com 5.377 entrevistados, o Datafolha buscou saber qual técnico seria o preferido pela torcida brasileira. Em primeiro lugar com 24% da preferência surgiu o nome de Tite, ex-técnico do Corinthians. A maioria dos entrevistados também disseram ser contra a presença de um técnico estrangeiro à frente da seleção.

De fato Luiz Felipe Scolari deixou o cargo de técnico.

Entretanto… o “novo” técnico da seleção escolhido foi Dunga.

Dunga é apresentado como o novo técnico da seleção após a Copa de 2014. Foto: Bruno Domingos – Mowa Press.

Somente 2 técnicos retornaram à seleção sem terem sido campeões mundiais em Copa: Telê Santana (1982-1986) e Dunga (2010 – 2014). Com uma diferença fundamental entre ambos. Enquanto Telê Santana não foi considerado vilão da tragédia de Sarriá e gozava de grande prestígio e popularidade em seu retorno à seleção, para a Copa de 1986, o mesmo não podemos dizer de Dunga que saiu da Copa de 2010 como um dos vilões da eliminação da seleção.

Após aquela derrota era de se esperar que Dunga nunca mais voltasse a comandar a seleção, ou como disse a manchete de O Globo, seria “O fim (definitivo) da era Dunga” (03/07/2010).

Mas ele voltou. Sem ser redimido por uma vitória, o vilão retornou ao mais alto posto da seleção brasileira.

Embora os vilões sejam personagens das narrativas da derrota da seleção em Copas e carreguem consigo uma dimensão simbólica cujo alcance tem suas claras limitações, é preciso estar atento ao fato de que tais personagens dialogam com dimensões concretas do futebol.

Após 1950 Flávio Costa comandou diversos times importantes, mas jamais voltou a dirigir a seleção brasileira. O mesmo ocorreu com vários outros técnicos cujo insucesso em Copas do Mundo mancharam suas carreiras de tal modo que seu retorno à seleção brasileira se tornou inviável.

Mas com Dunga tudo foi surpreendentemente diferente.

Ele é o vilão de sete vidas, representante de uma nova era. Não sei se exatamente a era Dunga e seu retorno nos faz pensar quais mudanças estão ocorrendo no território futebolístico nacional.

Mudanças preocupantes, pelo visto, pois os vilões de hoje estão ganhando força, deixando de ser somente um personagem fruto de concepções idealizadas em torno do futebol brasileiro e que tinham como função sobretudo dramatizar os efeitos narrativos de uma derrota.

Os vilões de hoje são arrogantes, se inserem e circulam graças a laços políticos escusos de um futebol cada vez mais permeado por interesses particulares.

Mas essas questões carecem de análises futuras mais detidas.

 

Referências

GUEDES, Simoni Lahud. O Brasil no campo de futebol. Rio de Janeiro: EdUFF, 1998.

HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

HELAL, Ronaldo e SOARES, Antônio Jorge. O Declínio da Pátria de Chuteiras: futebol e identidade nacional na Copa do Mundo de 2002. In: Associação Nacional Dos Programas De Pós-Graduação Em Comunicação, XII, 2003, Recife. Compós. Congresso: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2003.

VOGEL, Arno. O momento feliz, reflexões sobre o futebol e o ethos nacional. In: DAMATTA, Roberto et ali. Universo do futebol. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982.

Esse texto foi originalmente publicado no blog Comunicação, Esporte e Cultura e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. O vilão de sete vidas: da “tragédia de 1950″ à “vergonha de 2014″. Ludopédio, São Paulo, v. 62, n. 1, 2014.
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