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Obina e Maria Bethânia… ou sobre o flerte do zangão com a abelha rainha

Fabio Zoboli, Elder Silva Correia 4 de maio de 2022

Na sua obra “Futebol no país da Música” o radialista Beto Xavier, menciona o que muitas pessoas não sabem, é que o futebol chegou ao Brasil casado com a música: a esposa de Charles Miller era pianista. Ele também cita outro casamento emblemático entre música e futebol: Elza Soares e Garrincha. Nessa linha argumentativa apaixonada, nossa crônica apresenta uma espécie de flerte entre Maria Bethânia e Obina.

Os personagens de nossa crônica são baianos, reza a lenda que: “baiano não nasce, estreia!”. Dito isso, Maria Bethânia (18-06-1964) e Obina (31-01-1983) são estreantes, ela de Santo Amaro e ele de Vera Cruz. Ela é a “abelha rainha” da MPB, foi a primeira mulher a vender mais de 1 milhão de discos no Brasil. Ele, o “zangão” que aferrou inúmeros adversários com a camisa do Mengão, deixando milhões de torcedores com a cara inchada com a peçonha de seus gols.

Maria Bethânia fez várias peças de teatro, é compositora, poetisa e, logicamente, cantora. Fizemos uso do “logicamente”, pois sua sensibilidade com a arte e com a política borram os limites de sua imagem de cantora. O seu nome é emprestado da “valsa” do compositor pernambucano Capiba (1904-1997): “Maria Bethânia”. Talvez, isso explique a magia dessa filha de descendente indígena pataxó, seu Zezinho, com uma descendente negro-africana, Dona Canô. Cogita-se a tese de que seus pais eram a personificação do deus tupi-guarani Anhum com o orixá Logum Edé. Bethânia é uma mescla de sacralidade e poesia; um misto de magia, com magia e magia. Roubamos da letra da valsa de Capiba o desejo de um dia poder te beijar: “Porém, também sinto, saudades do beijo que nunca te dei”.

Maria Bethânia
Fonte: Wikipédia

Tentaremos compor a trajetória de Obina no futebol, em especial, sua passagem pelo Flamengo, com as letras dessa entidade da música.

Manuel de Brito Filho, o nosso Obina, inicia sua carreira no Vitória da Bahia em 2002, e passa rapidamente por CRB (AL) e Fluminense de Feira (BA) antes de voltar ao Vitória de onde veio para o Flamengo em 2005. “Ó abelha rainha… Faz de mim um instrumento de teu prazer… Sim, e de tua glória” (Mel).

Quando Obina chega ao clube, o Flamengo era carente de um goleador. Obina tinha sido artilheiro do rebaixado Vitória no ano anterior, marcando 19 gols no brasileiro. Apressadamente, Obina estreia, e fora de forma é marcado e xingado pela torcida. “Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz” (Sonho impossível).

Em 2005, o Flamengo lutava fortemente para não ser rebaixado. Nessa época, a torcida do Flamengo se apegou a todas as superstições possíveis. “Quem não rezou a novena de Dona Canô” (Reconvexo). Para não cair “nós não andamos sós”, e então Obina faz as pazes com a torcida ao marcar o gol mais importante de sua carreira com a camisa do Flamengo. Foi o gol da vitória sobre o Paraná (0 x 1) em pleno Pinheirão, onde o Flamengo não vencia há 7 anos. Aquele gol salvou o Flamengo da queda para a segunda divisão. Nesse dia, Obina mostrou à torcida que o “Medo não me alcança, no deserto me acho… Faço cobra morder o rabo, escorpião virar pirilampo” (Carta de amor). Literalmente, nesse dia, pelos pés de Obina, o escorpião virou vaga-lume.

Em 2006, Obina ganharia o título mais importante com a camisa do Flamengo (e o título mais importante de sua carreira): a Copa do Brasil daquele ano. “Das lembranças que eu trago na vida… Você é a saudade que eu gosto de ter” (Outra vez). Quem foi o vice? O de sempre! Vasco da Gama.

O Flamengo venceu o primeiro jogo por “2 x 0”. Obina abre o placar aos 15 minutos da segunda etapa com um golaço. Renato Augusto cobra o corner, o defensor do Vasco tenta afastar de cabeça e a bola sobra para Obina bater de primeira quase de fora da área. Cássio, o goleiro cruzmaltino, só vê a bola entrar “Seu olho me olha, mas não me pode alcançar” (Reconvexo). Segundo Obina, esse foi o gol mais bonito com o manto rubro negro. Quase três minutos depois, Luizão faria de cabeça o segundo gol após cruzamento preciso do lateral Leo Moura. “De repente fico rindo à toa sem saber por que” (Cheiro de amor).

No segundo jogo, o Flamengo vence por “0 x 1” com gol do lateral esquerdo Juan. Com o placar agregado de “3 x 0” o Flamengo afunda a caravela do Vasco com a ajuda de Iemanjá: “A Rainha do Mar anda de mãos dadas comigo… Me ensina o baile das ondas e canta, canta, canta pra mim” (Carta de amor). O Flamengo é bicampeão da Copa do Brasil: É do ouro de Oxum que é feita a armadura que guarda o meu corpo” (Carta de amor).

Além de campeão da Copa do Brasil, pelo Flamengo, Obina foi tricampeão carioca: 2007, 2008 e 2009. Os três títulos foram em cima da equipe do Botafogo. O campeonato de 2007 foi vencido pelo Flamengo nas penalidades após dois jogos entre as equipes de “2 x 2”. Após os 180 minutos e o placar agregado de “4 x 4”, o Flamengo vence nos penais por “4 x 2”. “Tantas vezes eu soltei foguete” (Foguete). O campeonato de 2009 teve roteiro idêntico: as duas equipes empatam novamente em “2 x 2” os dois jogos finais e outra vez o Flamengo se sagra campeão nas penalidades “4 x 2”. “Nosso amor é tão bonito, tão sincero… Feito festa de São João” (Foguete).

O campeonato de 2008 teve um roteiro diferente, mas com o mesmo final: Fla campeão em cima da equipe da estrela solitária. No primeiro jogo, o “urubu rei” vence com gol de Obina “1 x 0”. “E aves de agouro… Tem um doce mistério… Que eu não sei contar” (Água de cachoeira). Na segunda partida, o Flamengo não perdoa, e queima o Fogão pelo placar de “1 x 3” com mais dois gols de Obina e um de Diego Tardelli. “Carcará!… Pega, mata e come… Carcará…Come inté cobra queimada” (Carcará).

O tri em cima do Botafogo nos reporta outra vez ao livro de Beto Xavier. Na obra o autor anuncia que o primeiro disco com o tema futebol foi “Choro 1 x 0”, de Pixinguinha, lançado em 1919. Exatos noventa anos depois, com a conquista do tri em 2009, em cima do Botafogo, é lançado o “Chororô 0 x 3 Flamengo”. Uma música que a nação fez para o time de General Severiano e sua simpática torcida: “E ninguém cala esse chororô… Chora o presidente… Chora o time inteiro… Chora o torcedor”.

A conquista do campeonato carioca de 2009 ficou marcada pela conquista do “penta tri”. No entanto, a conquista também garantiu ao clube rubro-negro a hegemonia de títulos no futebol do Rio de Janeiro. O Flamengo ultrapassou o Flu e passou a somar 31 títulos estaduais contra 30 do Fluminense. “Você não me pega, você nem chega a me ver… Meu som te cega, careta, quem é você”? (Reconvexo)

Obina
Fonte: reprodução

Em 2009, Obina se despede do Flamengo e vai vestir por empréstimo a camisa do Palmeiras. Em 2010, Obina se reapresenta na Gávea, mas 15 dias depois é anunciado como reforço do Galo mineiro. Em 2010, jogando pelo Atlético (MG), Obina faz um dos gols na goleada de “4×1” sobre o Flamengo pelo campeonato brasileiro daquele ano. Mas Obina não comemorou o tento. Na cabeça de Obina tocava: “Negue seu amor, o seu carinho… Diga que você já me esqueceu” (Negue) e na cabeça da torcida ecoava: “Pise machucando com jeitinho… Esse coração que ainda é seu” (Negue).

Antes de parar de jogar em 2016 e se aposentar do futebol em 2018, Obina ainda passou por clubes do Japão, da China e da Arábia Saudita. No Brasil jogou ainda pelo Bahia e América Mineiro. Pois sem você meu mundo é diferente… Minha alegria é triste” (As canções que você fez pra mim).

Em 2006, a torcida do Flamengo passou a ovacionar Obina nos jogos cantando “Obina é melhor que Eto-o”. Samuel Eto’o foi um destacado jogador camaronês que ganhou notoriedade, jogando em grandes clubes da Europa. Apesar de ter conquistado o título olímpico pela seleção de Camarões no ano de 2000, o auge de sua carreira se deu no Barcelona (Espanha) e na Internazionale de Milão (Itália). Não sabemos se Obina foi ou não melhor que Eto-o, o que sabemos é que o africano nunca teve o privilégio de ser ovacionado pela torcida do Flamengo. Oremos para que ele ao menos tenha tido o doce sabor de algum dia ter ouvido uma das canções de Maria Bethânia.

E a você doce Bethânia, você é “abelha rainha”, faz palavras virar mel…. A personificação de Iansã, “O raio de Iansã sou eu… o vento de Iansã também sou eu… Porque Iansã, desde o meu nascimento, tornou-se a dona do meu coração” (Dona do raio e do vento). Maria Bethânia, você é melhor que Eto-o e que Obina juntos. A você nossa respeitosa saudação: “Eparre Iansã eparre Oyá”.

Maria Bethânia
Fonte: Wikipédia

Referências

XAVIER, Beto. Futebol no país da música. São Paulo: Panda Books, 2009.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Zoboli

Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe - UFS. Membro do Grupo de pesquisa "Corpo e política".

Elder Silva Correia

Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Membro do Grupo de pesquisa "Corpo e Política" da Universidade Federal de Sergipe - UFS.

Como citar

ZOBOLI, Fabio; CORREIA, Elder Silva. Obina e Maria Bethânia… ou sobre o flerte do zangão com a abelha rainha. Ludopédio, São Paulo, v. 155, n. 5, 2022.
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