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Operação penalidade máxima: sobre comprometimento no futebol

Pedro Zan 18 de maio de 2023

O texto desta semana poderia ser sobre o momento surpreendentemente bom do Santos no Campeonato Brasileiro. Finalmente o time parece ter uma cara na temporada, e é a cara do Odair: uma equipe reativa, que deixa o adversário ficar mais com a bola, mas sólida na defesa, combativa e com uma transição rápida para o ataque. Poderia falar sobre (mais) um novo raio da Vila Belmiro, o nosso Presidente Deivid Washington, menino de 17 anos, escalado para substituir o outro menino de 19 que foi para a Seleção sub-20 disputar o Mundial, e que já soma dois gols marcados em duas rodadas como titular no Brasileirão. Poderia escrever sobre a possibilidade de a temporada do Santos finalmente tomar um rumo promissor, seguro, que não só evite a degola como permita pensar e sonhar com vôos mais altos. Seria um texto muito bom, mas infelizmente o próprio Santos não deixa.

Na última semana, estourou o escândalo da “Operação Penalidade Máxima”, do Ministério Público de Goiás, mas que já ganha contornos nacionais. A operação investiga uma quadrilha que aliciava jogadores dos diferentes níveis do futebol brasileiro visando conseguir lucrar em apostas esportivas nos famosos “Bets” que surgem como mato no Brasil inteiro. A ideia era pagar aos jogadores uma determinada quantia em troca de cartões amarelos, vermelhos, escanteios e laterais cedidos. Com isso, os apostadores garantiam um excelente retorno com as mais diversas “odds” dos sites de aposta. O esquema já vinha sendo investigado desde as divisões inferiores, mas, nas últimas semanas, finalmente atingiu as duas principais divisões do país. E o primeiro nome de relevância que foi divulgado na imprensa? O de Eduardo Bauermann, zagueiro titular do Santos, um time de primeira divisão.

Conversas entre o zagueiro e a quadrilha foram divulgadas na imprensa, e Bauermann claramente, além de aceitar as propostas, se propunha até a aliciar outros companheiros de time para o esquema. O atleta foi pago para levar cartões amarelos e até um cartão vermelho, na partida contra o Botafogo pelo Brasileiro do ano passado. Nem sempre conseguiu cumprir, e isso levou a um problema maior. Como as conversas mostram, Bauermann vinha sendo ameaçado pela quadrilha, que inclusive colocava sua própria família em risco.

A partir da divulgação do nome de Bauermann, começou o caos, e dezenas de jogadores de times importantes da Série A do futebol brasileiro começaram a ser identificados como fazendo parte do esquema. O Santos apenas afastou o zagueiro quando este se tornou efetivamente um acusado, o que ocorreu no início da última semana (desde então, o Santos venceu dois jogos com boas atuações. Coincidência? Provavelmente sim).

Eduardo Bauermann
Eduardo Bauermann zagueiro do Santos. Foto: A.Paes/Depositphoto.

O texto aqui não se propõe a atacar Bauermann, que sequer é o maior culpado, muito menos o único. Não se trata de tentar pensar em como isso afeta o Santos. Mas sim, trazer uma reflexão mais ampla, especialmente sobre o momento atual das apostas esportivas no futebol brasileiro e, mais importante, sobre o comprometimento dos atletas com seus clubes e com o esporte em geral.

Desde o boom de sites de apostas, sempre tive uma “pulga atrás da orelha”: como um país que passou pela histórica “Máfia do Apito” em 2005 aceitava com tanta tranquilidade os diferentes “bets” patrocinando clubes e campeonatos nacionais (ao ponto de termos, hoje, uma “Série Betano” em andamento)? As apostas esportivas sempre existiram e, mesmo se fossem “ilegais”, muito dificilmente seriam evitadas. Mas já vimos o que casas de apostas são capazes, e ver a relevância que esses sites adquiriram no futebol brasileiro (e mundial) nunca me cheirou bem. E, claro, desde muito tempo era possível ver suspeitas e casos estranhos nos níveis inferiores do futebol brasileiro, pois, para muitos jogadores, mais valia garantir um bom cascalho com uma “odd” do que depender do salário de clubes das últimas divisões nacionais e estaduais.

Porém, a revelação dessa prática se dando nos principais clubes do país chama à atenção. Não estamos falando necessariamente de jogadores que passam por necessidade. Talvez Bauermann, que construiu a maior parte da sua carreira na Série B, nunca tenha tido o dinheiro suficiente para um bom pé de meia, mas com certeza não vive no vermelho. Diferentemente, talvez, do que podemos ver em casos de jogadores das últimas divisões do país, a questão não diz respeito apenas ao dinheiro. Há uma questão do comprometimento.

Uma declaração recente que chamou muito a atenção foi a de Moraes, lateral que também passou pelo Santos e foi citado no escândalo. O jogador pediu desculpas pois “não sabia que era um crime”. Muito porque o que foi feito não foi entregar um gol, ou até mesmo um jogo, mas apenas conseguir um cartão amarelo. De que forma isso afetaria drasticamente a equipe? Outro exemplo interessante foi o de Ferreira, jogador do Grêmio, que postou em seu Instagram uma “fezinha” feita em que o atleta apostava na sua própria equipe. Como isso prejudicaria o clube (sobre isso, inclusive, recomendo o vídeo no canal do Ubiratan Leal sobre o caso)?

De fato, talvez financeira e esportivamente uma decisão como essa não afete a equipe diretamente. Você pode muito bem apostar em si mesmo ou levar um cartão amarelo e mesmo assim ajudar seus companheiros a vencerem a partida. Mas isso denota uma falta de comprometimento. O clube não está à frente das suas apostas, do seu dinheiro, isto é, de si mesmo. O que esse comportamento de diversos jogadores do futebol brasileiro (e muito provavelmente mundial) denota é que, antes de mais nada, vem o individual. Bauermann, talvez o zagueiro mais seguro do elenco do Santos, deixou claro que entre jogar da melhor maneira possível e assegurar um troco com um cartão amarelo cavado, prefere a segunda opção. E, além disso, o que o escândalo mostra é a facilidade que os jogadores têm para convencer seus companheiros de profissão para entrarem no mesmo esquema. Se o zagueiro do Santos poderia conseguir mais “dois ou três”, isso signifia que pelo menos três jogadores do elenco atual do time não possuem o comprometimento com o clube (e, considerando o momento atual do Santos, pode-se pensar em muita coisa). 

Eduardo Bauermann
Eduardo Bauermann em partida do Campeonato Brasileiro pelo Santos. Foto: A.Paes/Depositphoto.

Segundo os setoristas do alvinegro, todos os jogadores do elenco e, especialmente, Odair, que trabalhou com Bauermann no Internacional, ficaram muito sentidos com as revelações, e imagino que muito por isso. Perceberam que seu companheiro não tinha, de fato, uma preocupação com eles e com a camisa que veste. E o mesmo se passou, com toda a certeza, com os atletas de Juventude, América, Ceará e de todos os outros times que tiveram jogadores citados e acusados pelo esquema. Infelizmente, jogadores de futebol, no Brasil e no mundo, não conseguem discernir entre sua posição de atleta e sua posição enquanto cidadão que pode fazer sua “fezinha” de vez em quando. Infelizmente, alguns jogadores não entendem o que os clubes de fato significam, o quanto são importantes e o quanto é necessário ter comprometimento para representar essas cores.

O Governo Federal tem buscado pensar uma maneira de regularizar as casas de apostas, isentas de imposto desde seu surgimento. Claro que é um passo importante. Mas esse escândalo exige também pensar em como quem de fato está envolvido no esporte deve ser punido em casos desse tipo. E, para além disso, deve trazer uma reflexão para todos os jogadores sobre o que significa e o porquê de ser, sim, um problema apostar quando se está no meio do futebol, mesmo que em si mesmo.

O futebol segue, e o Santos também, ainda bem que na 7ª colocação. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Zan

Quase formado em Filosofia na Unicamp, mas bom mesmo é falar de futebol. Santista desde sempre, também tenho um podcast, "Os Acréscimos", e sou um dos administradores da página "Antigas Fotos do Futebol Brasileiro".

Como citar

ZAN, Pedro. Operação penalidade máxima: sobre comprometimento no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 167, n. 19, 2023.
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