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O(s) dia(s) do gol mil

Há muitos jogadores que, sem dúvidas, marcaram a história do futebol brasileiros, e Pelé, claramente, foi um desses. O homem que exalava habilidade conquistou o país e até mesmo quem não era santista parava para apreciar todo o talento do camisa 10 do Peixe. Sua consagração era tanta que mobilizou todo o território nacional na contagem do milésimo gol de sua carreira, que pode ter acontecido em dois momentos distintos, mas que não diminui em nada o brilho de ser ‘mil’.

Até àquele ano de 1969, o jogador do time paulista havia conquistado, precocemente, o bicampeonato santista na Copa dos Campeões da América, hoje chamada de Copa Libertadores da América; o bicampeonato interclubes pelo Santos, além, do bicampeonato Mundial com a Seleção Brasileira. Com somente 29 anos, já reconhecido como Rei do Futebol, Pelé via sua carreira seguir rumo às páginas históricas do futebol brasileiro

Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Foto: Wikipedia.

14 de novembro de 1969

Prestes a marcar seu gol de nº 1000, ele foi à Paraíba para comandar o Santos num amistoso contratado pelo governo do estado para que o Alvinegro Praiano, reconhecidamente o melhor time brasileiro daquela década, entregasse a faixa ao campeão paraibano.

O antigo Estádio Olímpico José Américo de Almeida, atual Vila Olímpica Parahyba, recebeu o Santos para enfrentar o Botafogo/PB em um amistoso naquele dia. A equipe paulista vencia a partida por 2 a 0, quando um pênalti foi marcado. Inicialmente, o camisa 10 se negou a cobrar a penalidade, mas Carlos Alberto, batedor oficial do time, pegou a bola e a entregou nas mãos do Atleta do Século. Foi ao som dos gritos da torcida, que clamava seu nome, que Pelé marcou o gol 999.

Pelé enfrentou o goleiro Jurandir diante do Botafogo da Paraíba. Foto: Reprodução/Botafogo PB.

“Eu batia pênalti quando o Carlos Alberto não estava… E saiu aquele pênalti, Carlos Alberto pegou a bola e falou: “Pô, começou, todo mundo começou a gritar. Bate você” Eu falei pô [risos], você que é o batedor. Ele falou: “Bate.” Ficamos discutindo, né?” – Pelé em entrevista ao Globo Esporte, em 2019.

Ainda em terras paraibanas, ele tinha a oportunidade de marcar o milésimo, se não fosse a lesão que o goleiro Jair sofreu, acontecimento que, até hoje, é contestado, afinal, não se sabe se, de fato, uma lesão ocorreu, ou se o defensor a teria simulado para adiar o milésimo gol do Rei. Sem goleiro reserva, o técnico Antoninho, diante da situação, decretou que Pelé deveria defender as redes santistas e o jogador obedeceu, principalmente porque, quando não havia goleiro imediato, Pelé era quem assumia a posição. Um contrassenso imaginar o homem que anotou 1281 gols, em algum momento fosse o responsável por evitar o balanço das redes.

“Eu era o goleiro substituto. Nesse caso eu era o goleiro substituto, porque, modéstia à parte eu fazia muito gol, mas eu era um bom goleiro. Na seleção eu treinava no gol.”

Na Paraíba, o placar terminou em Santos 3 a 0 Belo, sem o gol mil de Pelé. Há quem diga que a marca mais esperada de sua carreira foi atingida naquele dia. Também tem defenda que isso só aconteceu cinco dias depois, diante do Vasco, no Maracanã. Porém, entre esse intervalo de tempo, houve um outro jogo que agitou a busca do Rei pela tal marca grandiosa, ou seria pelo gol mil e um?

O dia do quase gol mil

Era um domingo ensolarado em Salvador, mas não havia sol forte que fosse capaz de afastar as mais de 36 mil pessoas eufóricas da Fonte Nova. Bahia e Santos se enfrentariam pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, de acordo com Osório Villas-Boas, então presidente do tricolor, aquele era o cenário ideal para o time da casa vencer o elenco do Rei do Futebol, com o milésimo gol do camisa 10 santista. Mesmo assim, entre os jogadores, segundo as informações da época, a ordem do técnico Fleitas Solich era simples: bater o adversário e evitar o gol mil.

Depois que o árbitro Arnaldo César Coelho deu início ao jogo, a grande chance de Pelé aconteceu aos 17 do primeiro tempo, quando ele recebeu a bola na entrada da área, tocou para Coutinho e avançou entre os adversários. Antes de receber a redonda de volta, ela bateu no braço de um jogador do Bahia, mas o lance seguiu, Pelé se livrou da defesa com uma habilidade incrível e após dois toques, o goleiro Jurandir ficou no chão. Livre, Pelé tocou para as redes.

Os segundos que marcaram a trajetória da bola após o toque do jogador santista foram eternizados. A torcida baiana, que fervia na arquibancada e tinha mais vontade de presenciar o gol mil do que uma vitória do time soteropolitano, já comemorava com intensidade, até que uma chuteira parou a bola.

Em cima da linha gol, lá estava o pé esquerdo do zagueiro Nildon, mais conhecido como o “Birro Doido”, o homem que adiou o milésimo. Depois daquele momento, Pelé ainda carimbou a trave, mas as redes não balançaram. O placar na Fonte Nova foi de 1 a 1, nas arquibancadas, o Rei viu uma torcida frustrada, e no campo, um goleiro que não quis ser o arqueiro mil.

“Sou pago para defender o gol da minha equipe. É exatamente isso que vou fazer contra o Santos. Acho difícil que ele marque o milésimo em mim”, foi o que disse Jurandir Salvador, goleiro do Bahia, em entrevista ao Jornal da Tarde, momentos antes do jogo, em 16 de novembro de 69.

Cinco dias após o 999º gol

O calendário assinalava 19 de novembro de 1969. Mais de 65 mil pessoas foram às arquibancadas do Maracanã presenciar Vasco e Santos, em partida válida também pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Apesar do time paulista ter começado mais ofensivo e aos 12 minutos do primeiro tempo ver Pelé desperdiçar uma bola área, foi o Vasco que saiu na frente com um gol de Benetti. Depois disso, o Peixe perdeu pelo menos mais duas chances claras de gol, porém a torcida via um camisa 10 sereno em campo.

Elenco do jogo contra o Vasco, no Maracanã. Foto: Reprodução/Acervo Santos FC.

Para o segundo tempo, o Rei voltou com fome de gol. Aos 5 minutos, fez uma bela jogada em cima do zagueiro Fidélis, mas se desequilibrou e Andrada defendeu. Instantes depois, aos 10, Renê marcou contra para o Santos e deixou tudo igual no Maraca.

O time tentava ajudar com passes e tabelas, os adversários se defendiam, a torcida pressionava e, então, tudo isso recaiu sobre Pelé. Todos queriam presenciar o gol mil do Rei do futebol, já passava de mais da metade do segundo tempo e ainda que tentasse as mais belas jogadas, o camisa 10 do Santos não conseguia balançar as redes. Até que…

O relógio marcou 34 minutos e o juiz sinalizou um pênalti. Uníssono, o Maracanã gritava: “Pelé! Pelé! Pelé!”. Ele ajeitou a bola na marca da cal, enquanto todos a sua volta se calaram, respirou fundo e cobrou. Numa explosão de felicidade, a torcida comemorou intensamente na arquibancada. Estava marcado o milésimo gol do Rei, uma marca nunca vista antes no mundo do futebol.

O “arqueiro mil”, como ficou conhecido o goleiro do Vasco, Andrada, provavelmente vivenciou um dos piores jogos com a camisa do clube carioca. Ninguém daquela posição queria levar um gol de Pelé, ainda menos o milésimo. Quando Pelé balançou as redes naquele dia e todos os holofotes se voltaram para ele, Andrada estava inconformado no gramado do Maracanã, num cenário típico de futebol, em que, muitas vezes, alegria e tristeza são como água e óleo.

A dúvida

Dizem que a fotografia é a arte de eternizar momentos e histórias. Eu, particularmente, não discordo, mas, nesse caso, acredito que não há foto que consiga transmitir a felicidade e a energia que as mais de 65 mil pessoas que foram ao Maracanã sentiram. Foi um momento ímpar.

Porém, e se, na verdade, o tão esperado gol mil já tivesse sido presenciado e o pênalti contra o Vasco fosse o 1001 da conta? Certamente, esse seria a última coisa que alguém que viu aquele momento icônico quisesse ouvir. Entretanto, desde 1995, o jornal Folha de São Paulo defende que o Brasil comemora o gol na data errada.

Pelé ao fazer o gol mil. Foto: Divulgação.

O jornal aponta um erro na contagem dos gols de Pelé, que não considerou um tento que aconteceu no início de sua vida no futebol, quando ele ainda fazia parte da seleção militar, em 1959. Então, o gol mil, de acordo os dados resgatados, na verdade teria sido marcado no amistoso contra o Botafogo, quando o Rei converteu o pênalti que decretou a vitória santista por 3 a 0. Comemoração errada ou não, o fato é que, há 51 anos, Pelé chegou ao milésimo num gol de pênalti.

A marca mais recente do Rei é a dos seus 80 anos. Até hoje, sem dúvidas, ele é o futebolista mais inolvidável da história brasileira, fato que dificilmente outro jogador baterá. Todas as homenagens do mundo ainda não são capazes de evidenciar o tamanho da maestria que Edson Arantes do Nascimento mostrou ao mundo.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lúcia Oliveira

Amante da comunicação, da escrita, da fotografia, do futebol, da literatura, do jornalismo, entre outras coisas. Escrevo para eternizar e vivo para escrever.

Como citar

OLIVEIRA, Lúcia. O(s) dia(s) do gol mil. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 26, 2020.
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