Os lances inesquecíveis da Copa de 1970
Provavelmente nenhuma outra Copa do Mundo foi tão cinematográfica quanto a de 1970. No primeiro Mundial registrado em imagens coloridas, a Seleção Brasileira produziu momentos que pareciam saídos dos melhores roteiros.
Recheada de craques, a equipe de Zagallo foi protagonista e ficou marcada por seu futebol arte de jogadas plasticamente bonitas. A qualidade técnica dos gênios do Tri esteve presente em todos os jogos da Amarelinha o que resultou numa campanha excepcional.
Porém, em algumas partidas aconteceram jogadas que foram eternizadas no imaginário futebolístico. Além de ajudar na conquista de vitórias, ao apresentar a beleza do futebol artístico no Mundial, o Brasil encantou a torcida e o povo mexicano que queriam ver cada vez mais os lances inesquecíveis.
Contra a Tchecoslováquia, “o gol que Pelé não fez”
A história do jogo você já conhece: estreia na Copa, o Brasil saiu atrás, mas com talento conseguiu virar e venceu com tranquilidade por 4 a 1. Porém, os dois tentos de Jairzinho e as vezes em que Rivelino e Pelé balançaram as redes tchecas não são recordadas com tanto brilho quanto um “quase gol” que entrou para a história.
O jogo estava empatado em 1 a 1 e os brasileiros já tinham o controle das ações ofensivas, o gol de virada não era mais uma dúvida de se aconteceria, mas sim quando aconteceria.
Clodoaldo desarmou um ataque tcheco e a bola sobrou mansa para o Rei do Futebol que levantou a cabeça, viu o goleiro Viktor adiantado e decidiu tentar o gol dali mesmo. Pelé estava cinco metros atrás da linha do meio-campo dentro do círculo central e chutou.
Uma eternidade cabe no intervalo entre o momento em que a bola sai do pé direito de Pelé, viaja fazendo Viktor correr desesperado para evitar o gol, a torcida em um uníssono de expectativa até que a redonda caprichosa passa ao lado da trave esquerda do aliviado goleiro tcheco. Anos depois, Viktor contou como foi viver o outro lado da jogada:
“Ele chutou de surpresa, eu não tinha chance. Tentei voltar para o meu gol, mas a bola estava mais rápida do que eu. Dei sorte de ela ir pra fora. Eu estava adiantado porque achava impossível alguém tentar um chute de tão longe. Mas o que me surpreendeu é que a bola estava muito rápida por causa da altitude do México. Se a bola tivesse entrado, Pelé seria mais famoso e seria horrível para mim”.
O efeito do lance foi imediato. No segundo seguinte em que a bola toca o chão, a percepção da eternidade do que Pelé acabara de fazer se espalhou pelo estádio e os locutores faziam o trabalho de gravar o lance na memória até de quem ainda nem havia visto.
Assim, o chute se eternizou como o “gol que Pelé não fez”, não como um demérito, mas como um marco de ousadia e genialidade por tentar algo tão inusitado e inédito.
Por isso, a jogada é imitada e perseguida por atletas há 50 anos. Anotar um gol do meio-campo não é uma façanha para qualquer jogador e quando acontece é a senha para que narradores de todas as gerações colem o selo do feito inatingível no craque da ocasião.
A imortalidade, porém, foi alcançada definitivamente com a crônica “O Grande Sol do Escrete”, escrita por Nelson Rodrigues no calor do lance recém executado:
“Por um fio, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados — viram a bola tirar o maior fino da trave. Foi um cínico e deslavado milagre não ter se consumado esse gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol”.
Assim descreveu Nelson Rodrigues e não seria preciso dizer mais nada.
Inglaterra: a defesa do século de Gordon Banks, a defesa da Copa de Félix e o Furacão da Copa
No jogo mais difícil da Copa, a Seleção Brasileira também produziu lances incríveis, mas que acabaram abafados pela “defesa do século” de Banks no cabeceio de Pelé. O lance completo é uma bela jogada iniciada com um passe magistral de Carlos Alberto Torres explorando a velocidade de Jairzinho.
O Furacão da Copa se esforçou e na linha de fundo conseguiu um bom cruzamento para Pelé. O Rei saltou mais que seu marcador, alcançou a bola e cabeceou perfeitamente forte e para o chão. Seria um gol certo não fosse a espetacular defesa de Gordon Banks.
Pouco se fala, mas Félix foi fundamental para a vitória frente ao English Team. Pouco depois de Banks operar um milagre no cabeceio de Pelé, a Inglaterra conseguiu um ataque pelo lado esquerdo da defesa brasileira.
O cruzamento tinha destino certo, pois na entrada da pequena área estava Francis Lee, o camisa 7 inglês. Quando a bola passou por Piazza no primeiro pau, Lee arrumou o corpo para o arremate e cabeceou forte. Félix precisou de muito reflexo e condição física para alcançar a bola e fazer a defesa parcial.
Como se não bastasse a grande defesa na cabeçada de Lee à queima roupa, o arqueiro brasileiro ainda teve coragem para se jogar nos pés do atacante inglês.
Na disputa, Lee acertou o rosto de Félix que confessou ter ficado “zonzo até o final do primeiro tempo”.
O gol de Jairzinho garantiu a vitória sobre os ingleses, fez o time ganhar confiança e apesar de ser apenas a segunda rodada, uma mística já havia sido estabelecida no Olimpo do futebol: Jairzinho faria seus gols em todas as partidas e se tornaria o Furacão da Copa.
Uruguai: a cotovelada escondida do Rei e o não gol mais incrível da história do futebol
Plasticidade não faltou na partida semifinal entre Brasil e Uruguai.
No quesito fotografia, Pelé dominou a semifinal e travou um duelo particular com Mazurkiewicz, o goleiro uruguaio. Primeiro, devolveu de primeira uma cobrança de tiro de meta mal feita pelo arqueiro e depois, com um espetacular drible de corpo sobre Mazurkiewicz, o Rei do futebol fez o não gol mais bonito da história das Copas.
Por motivo completamente diferente das grandes jogadas daquela Copa, outro lance entrou para a galeria de momentos inesquecíveis. Foi uma agressão, um raro revide de Pelé, que foi caçado pelos uruguaios durante a partida e decidiu mostrar suas armas numa disputa.
O lateral uruguaio Fontes aposta corrida com Pelé e o brasileiro desfere a inesperada cotovelada.
O gol do Capita, a materialização do futebol arte
A Seleção Brasileira proporcionou um espetáculo na decisão da Copa do Mundo. Os quatro gols brasileiros surgiram da união do talento com a inteligência dos jogadores. Porém, o quarto gol foi a síntese de tudo que o Brasil 1970 representou para o futebol.
O chute de Carlos Alberto Torres depois da jogada em que apenas Brito e Félix não tocam na bola, coroou a campanha de um time mágico.