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Os mundialistas Uruguai e Equador: a velha e a nova potência na América do Sul

Fabio Perina 17 de novembro de 2022

Comentar sobre o futebol uruguaio e equatoriano implica muito mais do que tratar de dois países de pequeno território separados por uma diagonal no continente por milhares de quilômetros e uma imensa cordilheira. Nessa coluna já tratei de textos específicos dos últimos 15 anos para a seleção uruguaia e dos últimos 30 anos para a seleção equatoriana.

Salta aos olhos uma coincidência recente quanto ao tema megaeventos: com Montevideo e Guayaquil como as sedes das últimas finais únicas da Libertadores. Além do Equador ser sede oficial da próxima Copa América de 2024, enquanto o Uruguai é candidato oficial (junto com Argentina, Paraguai e Chile) a sede da Copa do Mundo de 2030. Visando comemorar os 100 anos da primeira edição mundialista justamente no país. Também implica ir além da coincidência nos giros eleitorais da esquerda para a direita na conjuntura política: o Uruguai passou de Tabaré Vasquez a Lacalle Pou; enquanto o Equador passou de Rafael Correa a Guillermo Lasso (tendo no meio do caminho o traidor Lenin Moreno).

Diante de um horizonte curto, as últimas Eliminatórias sul-americanas foram consideradas “sonolentas” para a maioria dos espectadores. Por conta de Brasil e Argentina terem obtido suas vagas mundialistas com sobras sobre os demais quanto a resultado (e ainda invictos) e desempenho (e se credenciando a chegarem no Catar como favoritos ao título). Embora para espectadores mais atentos houve uma acirrada disputa pelas vagas de 3º, 4º e 5º lugar. Além das grandes decepções de Chile e Colômbia com grandes elencos, mas sem de fato formarem grandes times que sequer alcançassem a repescagem. E infelizmente o 5º colocado Peru, do grande treinador argentino Ricardo Gareca, não conseguiu vencer a repescagem contra a Austrália e obter mais uma vaga sul-americana no Catar, como era de praxe em outros mundiais.

Seleção Uruguai
Seleção uruguaia comemora classificação para a Copa do Mundo. Fonte: reprodução Twitter

Já as campanhas de Uruguai e Equador foram opostas, havendo inclusive uma vitória para cada lado em confronto direto. La Celeste teve um início muito oscilante e com frequentes críticas ao esgotamento do trabalho do “maestro” treinador Oscar Tabarez e seus consagrados veteranos como Muslera, Cavani e Suarez. Mas conseguiu com a troca pelo jovem treinador Diego Alonso desse rápido resultado em uma campanha de recuperação para obter um 3o lugar sem sustos na reta final. Enquanto La Tri, pelo contrário, disparou no início do torneio através do trabalho do treinador argentino Gustavo Alfaro, se credenciando como a principal escolta aos líderes Brasil e Argentina (e ainda conseguindo arrancar dois empates e duas derrotas por placares apertados), porém na reta final administrou uma perigosa “gordura” de pontos. Um plantel com nomes tradicionalmente equatorianos como Preciado, Quinonez e Valencia e também novos nomes exóticos como Hincapié e Estupinan. E mais emoção ainda para uma vaga não somente conquistada em campo, mas pendente de ser confirmada fora dele com a tensão nos últimos meses do Chile tentando anular “en escritorio” sua vaga mundialista. Sob a alegação de fraude na documentação do jogador Byron Castillo que teria nascido na Colômbia ao invés do Equador. Felizmente o que foi conquistado dentro de campo se manteve.

Escrevendo essa crônica às vésperas da Copa no Catar é inevitável tratar da expectativa das duas potências sul-americanas em seus grupos. O Uruguai tem boas recordações, pois irá dividir o grupo com adversários derrotados em mata-mata no auge da era Oscar Tabarez nos últimos mundiais: Portugal em 2018  e Coréia do Sul e Gana em 2010. Sendo esse último para muitas opiniões o partidazo mundialista mais agônico dos últimos tempos com seus elementos inolvidáveis: o “manotazo” de Suarez, o pênalti perdido de Assamoah Gyan e o pênalti definitivo da vitória com a “cavadinha” (ou “vaselina” em espanhol) de Loco Abreu. Há portanto uma forte expectativa que a Celeste com seus veteranos confirme o favoritismo diante de adversários que já venceu recentemente. Já o Equador possui um pareamento similar após o sorteio, pois irá enfrentar um europeu, um asiático e um africano, cada um deles de forma inédita: Holanda, Catar e Senegal. Havendo uma forte expectativa aos olhos do mundo todo de que participará da abertura do torneio contra a monarquia catari. La Tri chega como sempre com uma geração bem jovem e com muita força e velocidade (e até mesmo mais técnica do que de costume) que imprimem como local em suas partidas na altitude de Quito, não devendo apresentar dificuldades de impor um ritmo forte também no deserto do Oriente Médio. Assim como a expectativa de também se impor fora de campo com sua torcida (se inspirando nas recentes viagens épicas de seus vizinhos colombianos e peruanos para a Copa na Rússia de 2018) para tornar algum artificial “estádio-palacete” catari em uma provisória e pulsante “casa amarilla”.

Por outro lado, é diante de um horizonte longo que se justifica mais claramente o título da crônica. Como sempre defendo, não se compreende por completo o panorama da seleção de algum país sem o paralelo com seus clubes. E o ponto de ruptura é justamente na virada dos anos 80 a 90.

Pois foi nos anos 80 um importante ciclo vitorioso ao futebol uruguaio: para a seleção, títulos da Copa América de 83 e 87 e classificações mundialistas de 86 e 90; e sobretudo, para os clubes, os vários títulos de Nacional e Peñarol na Libertadores e na Copa Intercontinental. Desde então, apesar das classificações mundialistas terem se repetido desde 2010, o fracasso dos clubes uruguaios na Libertadores vem sendo constante com eliminações cada vez mais precoces. Por isso o título de velha potência.

Independiente del Valle
Independiente del Valle em 2019. Fonte: reprodução / independiente del valle

Por sua vez, aquela mesma época destacada por contraste também marca o despertar do futebol equatoriano em uma sequencia cumulativa de conquistas. Em 90 e 98, primeiras finais de Libertadores com o Barcelona de Guayaquil (e recente semifinalista constante). Em 2002, a primeira classificação mundialista com La Tri (seguida das classificações de 2006, 2014 e claro agora de 2022). Entre 2007 e 2010, a fase “rey de copas” da Liga de Quito (mais conhecida no Brasil como LDU) ao obter uma Libertadores, uma Copa Sul-Americana e duas Recopas. E por fim, em 2019 e 2022, com o tão humilde Independiente Del Valle se tornando um modesto e atual “rey de copas” ao obter nas duas vezes a Copa Sul-Americana. Por isso o título de nova potência.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Os mundialistas Uruguai e Equador: a velha e a nova potência na América do Sul. Ludopédio, São Paulo, v. 161, n. 17, 2022.
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