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Os primeiros toques de bola em Goiânia

Djalma Oliveira de Souza 23 de novembro de 2020

A história mais recorrente sobre os primeiros jogos na nova capital de Goiás, ainda pelos idos da década 1930, é a notória narração da escritora Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro na sua obra mais emblemática, “Como nasceu Goiânia”, em que a autora descreve o fato da seguinte forma:

A novel capital de Goiás, viveu, domingo último, dia 12, horas de intensa vibração com a realização do macth intermunicipal de futebol entre a União Americana Sport Clube, local, e o poderoso conjunto do Botafogo S.C., da cidade vizinha de Anápolis. Foi o primeiro jogo do popular esporte bretão que se realizou na cidade menina e os seus organizadores, srs, João Fadú Sáher, Manoel de Oliveira, José Henrique da Veiga Jardim e Maximiano Mata Teixeira, resolveram, num gesto acertado, oferecê-lo aos Drs. Pedro Ludovico Teixeira, Governador do Estado, Coimbra Bueno, engenheiro chefe da construção de Goiânia e Venerando de Freitas Borges, Prefeito na nova capital de Goiás… O placard marcou um honroso empate 1×1, que pode ser considerado uma excelente vitória do recém-surgido team local sobre o seu adestrado adversário Anápolis. (sic.) (MONTEIRO, 1938, p.512.)

Segundo a autora, o primeiro time de futebol da nova capital de Goiás foi a União Americana Esporte Clube fundado em 28 de abril de 1936. Time cuja fundação, segundo Monteiro, seria uma homenagem aos times da antiga capital de Goiás, a Associação Atlética União Goiana e ao América Esporte Clube. Dentre os fundadores, podemos destacar a presença de Elísio Taveira, (presidente) e Jarí Sócrates (secretário) Acácio José e José Henrique da Veiga Jardim, como pessoas responsáveis por atrair sócios e arrecadar donativos ao clube.

A presença de José Henrique da Veiga Jardim, conhecido como Zezé da Veiga, nessa agremiação esportiva fez com que alguns autores afirmassem que o União América seria a gênese do Goiânia Esporte Clube anos mais tarde, porém não podemos afirmar essa hipótese de forma mais contundente levando em consideração que a simples presença de um personagem no ato de fundação de um time seja levado a cabo como uma história definitiva.

De forma razoável e conclusiva, podemos afirmar que, de fato, Zezé da Veiga começou os trabalhos futebolísticos e de grande valor em Goiânia a partir desse período quando chega à nova capital. Substanciando essa afirmação, podemos também narrar outro episódio relacionado aos primeiros jogos na nova capital goiana citando um match que ocorreu meses antes do jogo narrado por Monteiro.

Identificamos que no mês de maio de 1936, dia não confirmado, houve um jogo entre atletas goianos, mineiros e paulistas que, separados em duas equipes, formaram os representantes de Campinas e os representantes de Goiânia. O combate entre os pioneiros do futebol em Goiânia foi disputado em um campo de avião na capital, local não identificado, em homenagem ao diretor do departamento de propaganda Joaquim Câmara Filho.

Com o retângulo campal marcado com cal branco, traves de caibro e fixadas com cimento, material doado pela construtora de Coimbra Bueno e com a arbitragem do prefeito de Goiânia à época, Venerando de Freitas, o jogo, segundo Zezé da Veiga, terminou com o placar de 2×1 pró-capital. Mais relevante que a própria partida foi o grau de importância que o jogo dispôs, pois estavam presentes, nessa partida, ao lado do público da “geral”, várias autoridades da época que, percebendo a força e importância do futebol, fizeram daquela partida um ato quase que oficial.

O jogo, apesar de suas precariedades, é um marco na história do futebol praticado em Goiânia, pois circunscreve de forma governamental os possíveis anseios do poder, dando importância ao ato, mandando seus representantes oficiais ao prélio na qual não havia separação entre rico ou pobre, dessa forma o poder executivo ali representado, ficando ao lado dos despossuídos, em nossa opinião, foi estrategicamente pensada, levando em consideração os problemas da cidade e a força em que o futebol exerce sob as pessoas. É nesse momento que nasce a rivalidade entre os Campineiros do Atlético Clube Goianiense e os Goianos do Goiânia Esporte Clube.

Os bastidores desse jogo foram devidamente fotografados pelas lentes de Alois Feichtenberger e divulgados no Rio de Janeiro por intermédio de João Fadul Saher e Manoel de Oliveira . Estavam presentes pessoas que anos depois seriam os responsáveis, de forma direta e indireta, no crescimento do futebol praticado em Goiânia. Exemplificando: José Henrique da Veiga Jardim, (fundou Goiânia Esporte Clube e Atlético C.G); Lino Barsi (fundou o Goiânia Esporte Clube e o Goiás E.C ); o prefeito de Goiânia, Venerando de Freitas; o Dr. Joaquim Câmara Filho, Neném Nikerson, pai de Nikerson Filho, que foi um importante jornalista esportivo em Goiás nas décadas de 1950, 60, 70 e 80; Antonio Pereira Salgado, pai de Wilson da Silveira, que foi presidente do time Vila Nova na década de 70 e presidente da Federação Goiana de Futebol no período de 1990 até a sua morte em 2007.

Jornal Folha de Goiaz. Década de 1940. Arquivo pessoal Márcia Veiga Jardim, neta de Zezé da Veiga.

Essa fotografia histórica da década de 1930, em face do que a prática futebolística representa, nos fornece possibilidades de entendimento do ato, amistoso, e a presença de autoridades junto com a população mais pobre. Entendemos que esse simples amistoso não foi marcado de forma despretensiosa somente para que pessoas pudessem correr atrás de uma bola. Para a população mais carente de Goiânia naquele momento, o jogo de futebol seria talvez a única diversão, ainda mais levando em consideração que era entre dois rivais políticos, quando a população de Campinas lutava pela sua preservação cultural e conservação de sua tradicionalidade, enquanto que em Goiânia havia um ambiente de renovação.

Não foi possível identificar todos os personagens da fotografia, tanto pela sua qualidade e também, é claro, pela falta de fontes confiáveis. Então, de forma resumida, sabemos que estavam nessa fotografia: o homenageado Joaquim Câmara Filho (outro homenageado foi o Dr. Jorge Diniz que não está na fotografia); os organizadores João Fadul Saher, Manoel de Oliveira, Benedito Zupelli, Aquilino Contart, Pedro Osório, João Santana e Beijo Roriz. O prefeito, Venerando de Freitas, é o da esquerda (de calça preta, camisa branca e boina preta). Estão na foto, ainda, os goleiros, Alemão e Neige. Os jogadores de linha Henrique, José, Beijinho, Carioca, Mansur, Negrinho Trindade, Ditinho, Nenzinho, Chico Ribeiro, Manoel Lazaro, João Leite e Manoel Alves. Demais pessoas não catalogadas, segundo Zezé da Veiga, entraram no quadro fotográfico da máquina porque eram “uns penetras”.

Encontramos, em uma reportagem do jornal carioca Sport Ilustrado, do dia 9 de abril de 1942, uma matéria em que o futebol em Goiás, mesmo sem uma competição oficial, estava acontecendo de forma simples, porém efetiva. De fato, havia por parte dos que buscavam a consolidação do esporte em Goiás, a preocupação em divulgá-lo.

Jornal Esporte Ilustrado. Nove de abril de 1942. Arquivo pessoal do autor

Goiânia, a nova capital de Goiás na década de 1930, foi projetada politicamente com a ideia de mudança e de transformação econômica, social e cultural, na qual, a partir das ideias mudancistas da antiga capital, Cidade de Goiás não oferecia possibilidades de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento que se projetava no país no período em que Getúlio Vargas era o presidente e Pedro Ludovico Teixeira o interventor em Goiás. Havia, naquele ambiente de mudança, a visão que a antiga capital de Goiás representava o atraso. O historiador Nars Chaul, ao analisar o tema em sua obra, “A construção de Goiânia e a Transferência da Capital”, livro publicado em 2001, pela Universidade Federal de Goiás, diz o seguinte sobre o tema:

Na capital, a reação foi fulminante. Protestos, de uma mentalidade mais romântica do que realista, não deixaram ver que uma nova capital não era ideia fixa apenas de um homem no concurso político do estado. Era também a necessidade um país em pleno avanço da frente pioneira que respaldava a ideia de mudança como uma forma de se concretizar tal processo, ou seja, uma nova capital viabilizaria a frente pioneira, nos moldes capitalistas, ao mesmo tempo em que reunia condições de penetração para novas frentes de expansão. (CHAUL, 2001, p.77)

Complementando essa ideia de atraso, os mudancistas projetavam, assim, diminuir o poder dos coronéis que há décadas comandavam o estado de Goiás de forma autoritária e ininterrupta. Ademais, cerceavam os demais que não faziam parte de suas famílias e que não comungavam com suas ideias a permanecerem à margem das decisões políticas e sociais do estado.

Goiânia é a nova capital de Goiás a partir da década de 1930 e ela nasce da esperança da transformação política que diretamente poderia culminar em mudanças econômicas, sociais e culturais. Goiânia surge amparada pelo espírito de mudanças.

No cerne da nova capital pulsa uma vocação à prática esportiva, não somente do futebol, mas também a “bola ao cesto”, o ciclismo, o jiu-jitsu, o tênis e corridas a cavalo no Hipódromo da Lagoinha, construído na década de 1940.

1. Correio Oficial 25/02/1937/ 2. Correio Oficial 23/08/1938/ 3. Correio Oficial 10/09/1938/ 4. Diário do Oeste 3/07/1960/ Arquivo Estadual de Goiás.

A nova capital, que seria construída por várias mãos, é concebida de possibilidades artísticas e culturais nas quais o futebol e outros esportes se destacariam de forma suplementar ao cotidiano dos pioneiros de Goiânia.

 

Referências

MONTEIRO, Ofélia Sócrates do nascimento. Reminiscências: Goiás D’ANTANHO.(1907-1911). Editora Oriente,1974.

CHAUL, Nasr Nagib Fayad. Construção de Goiânia e a Transferência da Capital. 2ª edição Goiânia: Cegraf. UFG, 2001.

CHAUL, Nasr Nagib Fayad. “Goiânia: A Capital do sertão”. Dossiê Cidades planejadas na Hinterlândia. Revista UFG. Ano XI n. 6. 2009.46


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Djalma Oliveira

Professor da Rede Estadual em Goiás.Graduado e Mestre em História.Área de interesse; Futebol/Fotografia/Jornalismo/ Gênero/ Memórias/História de Goiás/Cinema

Como citar

SOUZA, Djalma Oliveira de. Os primeiros toques de bola em Goiânia. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 46, 2020.
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