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O meu, o seu, o nosso Pacaembu: contra a destruição da memória do futebol

Flavio de Campos 4 de setembro de 2017

A recente decisão da Câmara dos Vereadores de São Paulo, permitindo a privatização do complexo do Pacaembu, representa uma grave violação ao patrimônio histórico, cultural, arquitetônico e futebolístico brasileiro.

Entre os projetos a serem implementados, cogita-se a construção de um edifício para abrigar um hotel (talvez um hotel boutique esportivo com direito a uma ampla e elegante praça de esportes e um campo de futebol de valor incalculável, por onde brilharam uma legião de craques), cobertura no estádio (para sua transformação em arena para shows), estabelecimento de um complexo de lojas, restaurantes, bares e outras intervenções que descaracterizariam irremediavelmente o conjunto esportivo do Pacaembu.

Em primeiro lugar, cabe denunciar A DESCARADA APROPRIAÇÃO PRIVADA DO ESPAÇO PÚBLICO EM UMA DAS ÁREAS MAIS VALORIZADAS DA CIDADE. Cabe também ressaltar que os custos com o Pacaembu não devem ser considerados como prejuízos. São custos sociais, decorrentes de áreas que devem servir ao interesse público, promovendo a recreação, o esporte e o lazer da população da cidade. Portanto, investimentos sociais.

As intervenções propostas significam o descumprimento do seu tombamento histórico e uma agressão à memória do futebol brasileiro, porque o Pacaembu não é apenas patrimônio da cidade de São Paulo, mas palco da História política do país e um dos principais cenários da História do nosso futebol. QUEM AMA O FUTEBOL PRESERVA SUA MEMÓRIA.

07-06-2014- Brasil - São Paulo - Museu do Futebol que fica no estádio do Pacaembu. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
Palco de duelos históricos, o estádio do Pacaembu é um dos patrimônios da cidade de São Paulo. Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas.

Aos arautos da modernidade excludente e da gentrificação, devemos responder de maneira firme: não precisamos e não queremos uma nova arena. ABAIXO A DITADURA DA ARENA!

Além do assalto à sua estrutura arquitetônica, tal ofensiva privatizadora representa mais um lance no sentido do silenciamento das torcidas e da presença popular nas arquibancadas, nos alambrados e no Tobogã, que abrigaram, por décadas, os setores que hoje são alijados dos espaços de expectação. ATENTADO À MEMÓRIA TORCEDORA.

Que o seu complexo esportivo seja preservado e que seja ampliada a sua utilização popular, como palco para a prática de clubes amadores das periferias da cidade. Que se possa transformar o Pacaembu em um CENTRO DINAMIZADOR DO FUTEBOL FEMININO, com suas estruturas utilizadas para alojar e treinar as atletas e times de mulheres e para atender aos necessários incentivos e investimentos. Que o seu campo de futebol não seja mera paisagem para quartos privilegiados ou lugar de recreação de hóspedes endinheirados. Que seja o principal lugar social e esportivo do futebol feminino no Brasil.

Por todas essas razões, estabelecemos um chamamento a todxs que compreendem a importância do futebol para a cultura brasileira para que lutemos CONTRA A DESTRUIÇÃO DO PACAEMBU.

Esse texto, composto a partir de uma troca de ideias entre integrantes de coletivos, ativistas, pesquisadores, estudiosos e torcedores de futebol, procura somar-se a outras iniciativas já em curso para que possamos fortalecer a campanha popular contra essa afronta ao futebol brasileiro.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Flavio de Campos

Professor do Departamento de História da USP. Coordenador científico do Ludens (Núcleo interdisciplinar de pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas). Integrante do AGIR (Arquibancada ampla, geral e irrestrita).

Como citar

CAMPOS, Flavio de. O meu, o seu, o nosso Pacaembu: contra a destruição da memória do futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 99, n. 4, 2017.
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