Países que liberaram torcida em seus campeonatos nacionais durante a pandemia de Covid-19 (2020-2021)
A incidência de Covid-19 em escala planetária, evidenciou as potencialidades de nossa ordem atual. A arquitetura da globalização permitiu que, em pouco tempo, o vírus alcançasse proporções inimagináveis. Apesar da sensação de que tudo está conectado, o resultado desse acontecimento teve condições particulares em cada país, colocando em voga a desigualdade da ordem vigente. Essa dinâmica também está inserida dentro das quatro linhas, quando observamos o diferente tratamento a esse evento em relação à paralisação de campeonatos nacionais.
Apesar da corrida das vacinas no território brasileiro, o país está longe do controle da disseminação do vírus. Ademais, remando contra qualquer medida restritiva, houve partidas nas quais envolveram a presença parcial do público. Os primeiros jogos a flexibilizar tal prevenção ocorreu na Final da Libertadores de 2020 e final do campeonato carioca de 2021. Cabe ressaltar, que no último caso, envolveu uma presença reduzida de “torcedores”, sendo estes convidados especiais pelos clubes envolvidos na final (Flamengo e Fluminense). Em segundo caso, na final da Copa Libertadores de 2020, realizada em janeiro de 2021, a Conmebol liberou a presença de 2.500 convidados, envolvendo torcedores de ambos os clubes (Palmeiras e Santos).
Atualmente, mesmo com a situação pandêmica mal resolvida, observa-se movimentos de clubes e entidades que buscam viabilizar a presença dos públicos nos estádios. Este fato é comprovado com a presença de torcida na final da Copa América (sediada no Brasil) e a progressiva atuação do poder público[1] em viabilizar esta forma de aglomeração.
Enquanto o Brasil ainda mantém, parcialmente, seus portões fechados para os jogos, no contexto mundial alguns países já contam com público nos estádios. Esse aspecto representa a desigualdade existente no tratamento e resposta ante à pandemia. Ainda no ano de 2020, de acordo com a reportagem do GE, países como Croácia, Belarus, Bulgária, Dinamarca, Nicarágua, Polônia, Rússia, Suécia, Suíça, Sérvia e Vietnã contou com a presença de torcedores, outros como Alemanha, Hungria e Inglaterra abriram seus portões para logo trancá-los em decorrência da gravidade em que o país se encontrava.
Observando o mapa sobre os países que liberaram público nos campeonatos nacionais durante a pandemia, contata-se que mais da metade está na Europa. Entretanto, nem todos os países deste continente são exemplos no tratamento face à pandemia do novo coronavírus, como a Hungria e Inglaterra, que após liberar públicos tiveram que voltar atrás dessa decisão em decorrência do aumento de incidência do Covid-19. Não obstante a este fato, deve-se grifar que não há nenhum registro de país no continente africano que liberou torcida durante o período.
Dito isto, é possível observar as diferentes motivações do retorno dos campeonatos nacionais. Para os países desenvolvidos, o retorno dos certames ocorreu devido ao controle epidemiológico. Em contrapartida, nos países subdesenvolvidos, o motivo para o retorno do público se deu pela pressão econômica exercida pelos agentes econômicos (patrocinadores).
Podemos dizer, na esteira de Kahil (2010), que em nosso momento histórico a mercadoria torna-se o laço social organizador da sociedade. Todo esse conjunto de desejos, hábitos, linguagens e sistemas de trabalho, associados aos padrões de uma época, compõem uma nova psicosfera (SANTOS, 2002), dando novos sentidos e dinâmicas aos lugares. Tudo se torna mercadoria e o consumo torna-se experiência.
A cultura coloca-se como fator primordial no processo de diferenciação dos lugares, uma vez que nas relações sociais é construída uma rede de símbolos e significados que diferenciam uma população de determinado local de outras, criando assim uma identidade. O futebol está incluso nesta lógica: O esporte dá lugar a cultura do espetáculo, o torcedor dá lugar ao turista, os estádios tornam-se verdadeiros totens na paisagem urbana redinamizando os fluxos de seu entorno e sua a racionalidade espacial, atraindo hotéis, restaurantes e empreendimentos para a localidade. Nesse sentido, o espaço é um meio de consumo, seja pela necessidade de construção de moradias ou pela necessidade de acesso à cultura e lazer. Assim, tornado mercadoria no capitalismo, o espaço torna-se passível de parcelamento e comercialização através do direito à propriedade privada.
As instituições e empresas buscam massivamente sua acumulação em diversos setores e no futebol não é diferente. Partindo do pressuposto que para os investimentos serem alocados, é necessário um conjunto de normas para viabilizá-los, nos países que dependem dessas incursões, as leis são facilitadoras para angariar esses recursos, o que resulta, no espectro futebolístico, a dependência com patrocinadores. Nesse sentido, a volta do público aos estádios é decisão restrita aos que tem como ordem o lucro.
Notas
[1] Prefeitura de Belo Horizonte anunciou a volta parcial de público na capital mineira, o governo do estado de São Paulo permitiu a volta de público aos estádios a partir do mês de novembro e o STJD autorizou o Clube de Regatas Flamengo contar com sua torcida em jogos no qual for mandante.
Bibliografia
KAHIL, Samira Peduti. Psicoesfera: a modernidade perversa. Revista do Departamento de Geografia, v. 11, p. 217-220, 2011.
SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002