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Paris: um ano depois

Rodrigo Koch 24 de agosto de 2022

Este artigo presenteia os leitores com um breve epílogo da série Cultura, Identidade e Futebol (KOCH 2022a, KOCH 2022b, KOCH 2022c, KOCH 2022d, KOCH 2022e, KOCH 2022f, KOCH 2022g, KOCH 2022h), quando estive avaliando as condições e produtividades da Futebolização (KOCH 2020) em território europeu, através da observação e das fotografias. Retornei à Paris um ano depois de ter passado pela capital francesa, quando Messi havia recém-chegado ao Paris Saint Germain FC. Neste texto, descrevo como se encontra a cidade luz após a primeira temporada do maior vencedor do troféu FIFA de melhor jogador de futebol do mundo e, como verifiquei as marcas identitárias e comportamentais – principalmente – de crianças e jovens em relação ao futebol.

As produtividades e o efeito Messi dentro e fora dos gramados

Considerado por boa parte dos fãs e da mídia especializada contemporânea como o maior jogador de futebol do mundo, Lionel Messi desenvolveu praticamente toda sua carreira profissional no FC Barcelona. Após uma extensa lista de conquistas pelo clube catalão, o craque argentino demonstrou o interesse de deixar o time espanhol em 2020, mas o imbróglio com a direção do FC Barcelona foi resolvido somente em agosto de 2021 quando o clube espanhol anunciou em comunicado oficial que o jogador não seguiria no elenco. Após meses de especulações, Messi foi anunciado oficialmente pelo PSG no dia 10 de agosto. O argentino assinou contrato até o final de 2023, com opção de renovação por mais uma temporada.

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Fachada da loja do PSG na Champs Elysees em agosto de 2022 e, exatamente, um ano antes quando Messi havia sido recém contratado. Fotos: Rodrigo Koch

Logicamente, a expectativa do time francês com a chegada do melhor jogador do mundo seria finalmente conquistar a Europa. No entanto, a primeira temporada de Messi no PSG – comparada com as conquistas que obteve no FC Barcelona – foi tímida ou no mínimo abaixo do esperado. O argentino – que ainda desfruta de uma condição de destaque e ímpar no futebol mundial – marcou apenas 11 vezes pelo campeão francês, mas contribui com inúmeros gols. Nos últimos 15 anos, no contexto local, o Paris Saint Germain adquiriu uma certa hegemonia em território francês que por vezes parece até ter se tornado monótona para o estrelado grupo de jogadores. No entanto, o time ainda não conseguiu traduzir a mesma condição para o Velho Continente, pois há adversários em igualdade técnica.

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Produtos pirateados do PSG vendidos por ambulantes e lojas de souvenirs em Paris. Fotos: Rodrigo Koch

Fora de campo, Messi agregou valor ao PSG, potencializando a marca do clube na venda de uma diversidade de produtos e somando a sua imagem a de outras celebridades, como Mbappé – apontado como um dos possíveis sucessores de Messi na disputa pelos prêmios de melhor jogador do mundo –, Neymar – com quem havia atuado no FC Barcelona –, e Sérgio Ramos – lendário defensor da seleção espanhola e do antigo rival Real Madrid CF – entre outros.

Visitei novamente a loja do PSG na principal zona comercial de Paris. O estabelecimento literalmente ‘fervilha’ de fãs e seguidores em busca de qualquer artefato que remeta ao clube. Estão dispostos a pagar o preço que for e, aguardar nas filas tanto para entrar no local como para, posteriormente, passar no caixa. Percebe-se que, novamente, os aficionados se enchem de esperanças pelo título da Champions League – troféu perseguido pelo Paris Saint Germain FC na última década. Não só nas ruas de Paris, mas na Europa num todo são vistas inúmeras crianças completamente fardadas com os variados uniformes do PSG, seja em versões originais ou pirateadas.

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Loja do PSG com uma extensa variedade de produtos futebolizados. Fotos: Rodrigo Koch

Seria o Paris Saint Germain FC o ‘time da moda’ no momento, como já ocorreu com o FC Barcelona anteriormente? Deixo esta questão para ser explorada em futuros trabalhos acadêmicos e para as análises de pesquisadores e investigadores.

Mas, Paris não é somente Paris Saint Germain FC. De acordo com as observações que realizei, poderia dividir os aficionados do futebol que circulam pela capital francesa em quatro ou cinco partes (que não apresentam exatamente o mesmo percentual e que por vezes se mesclam, pois penso que neste espaço a Futebolização atua de forma marcante, ou seja, produzindo mudanças de tempos em tempos). Há um primeiro grupo – de maior número, mas não hegemônico – de fãs e seguidores do Paris Saint Germain FC, no qual estão inseridos tanto cidadãos locais, como turistas e imigrantes; uma segunda coletividade de aficionados do Manchester United FC, com vínculos do passado e talvez fisgados novamente pela presença de Cristiano Ronaldo ainda no clube inglês; um terceiro agrupamento de seguidores de FC Barcelona e FC Bayern München, que dividem esta fatia com percentuais de manifestações espontâneas bastante semelhantes; e por fim uma grande diversidade com os demais clubes e seleções dos cenários francês e europeu, além de seleções africanas – estas últimas vinculadas, especialmente, aos recentes imigrantes. Há ainda um grupo de fãs e seguidores das celebridades, ou seja, vestem as camisetas do Messi (Argentina, Paris Saint Germain FC e FC Barcelona), do Cristiano Ronaldo (Portugal, Manchester United FC, Juventus FC, e Real Madrid CF), do Mbappé (França e Paris Saint Germain FC) e, em menor medida do Neymar (Brasil e Paris Saint Germain FC), bem como de outros jogadores do PSG, como Verrati e Sérgio Ramos.

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A futebolização em Paris. Fotos: Rodrigo Koch

Ainda, como registro curioso, vale o destaque para um quiosque em uma galeria próxima à loja do Paris Saint Germain FC, que vende réplicas de camisetas históricas de futebol. Ídolos mundiais do passado são reverenciados neste espaço que comercializa os artefatos à preços altos, tornando os produtos ainda mais valiosos para os fãs dos craques de antigamente, como Zidane, Cantona, Maradona, e Ronaldo entre outros.

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Loja especializada em camisetas retrô/vintage de celebridades do futebol mundial. Fotos: Rodrigo Koch

Palavras finais

As conquistas europeias em terras longínquas nos continentes africano, americano e oceânico sempre tiveram por objetivo uma certa europeização do planeta em séculos passados, e na contemporaneidade (somado à série de processos globalizadores) me atrevo a incluir neste circuito – que está em constante movimento – o fenômeno da Futebolização.

[…] la europeización del mundo reflejaba el impuslo de Europa de rehacer el resto del mundo según sus propios fines, sin ninguna mala conciencia. (BAUMAN 2009, p.27)

Tais aspectos citados acima, em grande medida, permanecem em aberto. Tenho mantido os olhares e análises voltados para o futebol contemporâneo – espetacularizado e mercantilizado –, na tentativa de explicar estes processos culturais e identitários pós-modernos.

Referências

BAUMAN, Z. Europa: una aventura inacabada. Traducción de Luis Álvarez-Mayo. Buenos Aires, Argentina: Editorial Losada, 2009.

KOCH, R. Futebolização: identidades torcedoras da juventude pós-moderna. Brasília, DF: Trampolim Editora/Ministério da Cidadania, 2020.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebol na Europa contemporâneaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 10, 2022a.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Península Ibérica: Lisboa e ValènciaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 25, 2022b.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Europa Ocidental: França, norte da Itália, e SuíçaLudopédio, São Paulo, v. 154, n. 28, 2022c.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização em BudapesteLudopédio, São Paulo, v. 155, n. 18, 2022d.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização nas capitais do DanúbioLudopédio, São Paulo, v. 156, n. 15, 2022e.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na CroáciaLudopédio, São Paulo, v. 156, n. 27, 2022f.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização no Norte da Europa: Bélgica e HolandaLudopédio, São Paulo, v. 158, n. 5, 2022g.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Renânia do Norte-Vestfália. Ludopédio, São Paulo, v. 158, n. 17, 2022h.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

KOCH, Rodrigo. Paris: um ano depois. Ludopédio, São Paulo, v. 158, n. 25, 2022.
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