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Paris, Barcelona… Futebol e Matemática

Leandro Marçal 1 de agosto de 2017

Odiava aqueles exercícios do primário, quando tinha que escrever por extenso alguns números grandes, pra mais de milhão. Eram mais chatos que os novos ricos com sua mania por ostentação.

Vi as redes sociais de canais esportivos e lembrei os dias em que era proibido escrever à caneta na sala de aula. Nas caminhadas pela rua de terra até o colégio, a mãe dizia que elas escorregavam no papel e não dava para corrigir o que sai errado. Eu não levava lancheiras, só uma mochila.

O espanto surgia a cada compartilhamento de amigos sobre a proposta do PSG por Neymar (quando escrevo estas mal traçadas linhas, o óbvio ainda não está anunciado oficialmente). Números e mais números giram o cérebro de Humanas de cabeça para baixo.

Um monte de zeros se misturando aos pontos que separam milhões de milhares de centenas de unidades. As vírgulas que dividem os centavos das notas que realmente importam só faziam bugar ainda mais a mente do trabalhador comum, que prefere ter pay per view em casa a gastar fortunas para ser escorraçado nos estádios.

Talvez desse para acabar com a fome no mundo, comprar uma ilha, ter dez gerações assoando o nariz com dólares ou euros.

Minhas dúvidas são entre o X-Salada comum ou o hambúrguer mais requintado da lanchonete mais cara. Me pergunto se vou de VLT ou ônibus na consulta médica marcada para amanhã à tarde. Só não cogito topar com o um desses astros pop do futebol pegando um ônibus ou fazendo algo que remeta a povo.

A dúvida entre Paris ou Barcelona para morar – que se dane o futebol por alguns segundos – é mais surreal que meus sonhos bizarros. E eu aqui, tentando ler de uma só vez qual era o valor daquilo tudo sem parar e pensar por alguns segundos e contar quantos zeros ali havia.

14/02/2017- Paris, França- Liga dos Campeões 2017: PSG x Barcelona, no Estádio Parc des Princes. Foto: Team Pics / PSG
Torcida do Paris Saint Germain em partida da Liga dos Campeões 2017 contra o Barcelona. Foto: Team Pics/PSG.

No meu primeiro salário de alguns dias trabalhados em uma grande empresa, pouco tempo depois de largar a vida de estagiário, não sabia o que fazer com aquele tanto de dinheiro. Havia pago as faturas do cartão de crédito para os três meses seguintes e ainda sobrava uma quantia na conta recém-aberta.

Como gastaria tudo aquilo sem ser supérfluo? Tudo aquilo eram três dígitos.

Dava para fazer as compras do mês por toda uma vida sem economizar, alertou a mãe. Trocaria de carro todo ano sem pensar, vislumbrou o pai. Houve quem dissesse que torraria muito em prostíbulos, lojas de roupas, maquiagens, aparelhos de televisão e celulares novos. E ainda sobraria muito. Sem preocupações com os boletos ou datas de vencimento.

Acho até que eu voltaria a ter cabelos, mas não ligaria de ser careca em Paris ou Barcelona. Paris, Barcelona. Planejava uma viagem ao fim do ano com tanta antecedência, será abortada. Queria visitar os amigos e familiares do Rio mês que vem, o bolso não deixa.

Lia comentários sobre o futuro, ser melhor do mundo, a carreira, as chances de bater recordes atrás de recordes no trio com nome de rede social extinta.

Isso importa?

E duas palavras ecoam nos meus ouvidos: Paris, Barcelona. E os valores estratosféricos me fazem pensar se não há limites para dinheiro, ou um nível tão alto que já não faça diferença, pois não haveria tela gigante para mostrar o saldo atual. Doce inocência.

Se uma máquina do tempo me levasse de volta a uma das provas do primário, não saberia escrever aquele número por extenso. Tiraria zero. Um zero solitário.

Ainda odeio Matemática.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Paris, Barcelona… Futebol e Matemática. Ludopédio, São Paulo, v. 98, n. 1, 2017.
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