13.3

Pelada, o filme

Pelada Movie 12 de julho de 2010

Fora dos estádios profissionais, das luzes dos holofotes e campos bem cuidados, há um outro lado do futebol. Escondido em becos, ruas secundárias e pátios de concreto, as pessoas fazem o jogo improvisado, fazendo os gols a partir pedras ou capacetes de construção ou garrafas de Coca-Cola, traçando linhas na areia ou na poeira. Cada país tem uma palavra diferente para isso. Nos Estados Unidos, nós chamamos de futebol “pick-up”. Em Trinidad, é “taking a sweat”. Na Inglaterra, é “having a kick-about”. No Brasil, a palavra é “pelada“, que significa literalmente “nu”, o jogo despido até sua essência. É essa a versão do jogo praticado por qualquer pessoa, em qualquer lugar.

Pelada é um documentário que acompanhou Lucas e Gwendolyn, ex-jogadores universitários de futebol que  não conseguiram se tornar profissionais. Um casal que se conheceu no campo, Luke trabalhava em uma empresa de outdoor e Gwendolyn vivia com uma bolsa auxílio. Mas os dois ainda jogavam de noite, jogando 1 contra 1 no estacionamento do prédio de seu apartamento. Ainda sem saber o que daria, eles abandonaram seus empregos para percorrer vinte países ao redor do mundo, a procura desse fenômeno global que fala sobre gênero, raça, religião e classe.

O filme segue a longa jornada deles de um ano, o conto deles entre muitos. Embora seja um tipo diferente de jogo daquele do colégio que Lucas e Gwen conheciam enquanto competiam, eles descobrem que as apostas foram certeiras. Na Bolívia, eles subornaram seu caminho dentro da prisão masculina mais famosa do país, onde a cocaína é traficada, as pessoas são detidas sem julgamento, e os jogos de futebol revelam uma raiva única na quadra principal – e um preso diz: “Aqui não temos nada. Nossa vida é jogar”. No Quênia, eles vão para Mathare, a mais antiga favela da África, onde os jogadores apostam vinte shillings em jogos aos sábados. O campo, que costumava ser um depósito de lixo, está no centro da favela, e todo mundo vem para ver – um cervejeiro ilegal confidencia, “Aqui, todo mundo pensa que você é apenas outro bêbado, mas depois quando você chegar ao campo, as pessoas dizem, ‘Oh, essa pessoa pode jogar´”.

Para Luke e Gwendolyn, o jogo é o que os deixa entrar, achando lacunas na cultura, experiência e linguagem. O grande poder do futebol é a habilidade em criar intimidade entre estranhos, e isso é particularmente verdadeiro nos campos improvisados. Sua última parada, o Irã, é talvez o maior teste. Quando Luke vagueia até uma quadra no centro de Teerã e diz em persa pouco fluente, “Está tudo bem se eu jogar com vocês?” Os iranianos o chamam para o campo com as duas mãos. Luke aponta com o polegar por cima do ombro em direção a Gwendolyn e diz timidamente: “ela também?”

Esta é uma história que nunca foi contada: ninguém jamais focalizou o futebol improvisado –  e esse olhar faz vermos pela janela vidas por todo o mundo. Dos empresários que jogam sob os telhados de Tóquio, às mulheres que cuidam dos rebanhos de lhamas nas montanhas do Peru, dos brasileiros de oitenta anos de idade,  aos árabes e judeus, que ocupam o mesmo espaço, em Jerusalém, mas se recusam a jogar na mesma equipe, Pelada conta a história das pessoas que jogam futebol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

MOVIE, Pelada. Pelada, o filme. Ludopédio, São Paulo, v. 13, n. 3, 2010.
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