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“Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes…”

Natália Silva 3 de maio de 2022
Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial

Apesar de em boa parte do tempo ser pessimista sobre o fim do racismo, não só no futebol, mas na sociedade em geral, enquanto formos dirigidos por homens brancos, héteros e que quase sempre descendem das mesmas famílias que estão no comando há séculos, a frase no título é o que tem me inspirado em meus projetos, pesquisas e produções. E olha que nem é essa a minha música preferida no disco AmarElo, do rapper Emicida, a número um é Eminência Parda, por motivos óbvios a essa jornalista que vos escreve. Mas o ponto aqui é que não existe combate ao racismo sem prestarmos atenção e exaltarmos tudo de bom que o nosso povo construiu no Brasil e no mundo. 

E nem precisa ser coisas imensas como ser o rei e a rainha do futebol, escrever livros incríveis, músicas inesquecíveis ou ser heptacampeão de Fórmula 1. Até porque sempre vai aparecer um privilegiado pra dizer que foi a qualidade do carro que ganhou os campeonatos, que ser boa jogando com mulheres é mais fácil, que na época do rei até eles ganhariam três Copas do Mundo ou que foi a caneta Bic, Compactor ou Faber Castell que fez diferença na qualidade do livro e da música (?). Se você me segue em alguma rede social, sabe que eu estou escrevendo isso rindo muito porque sério, eu não canso de me surpreender com as voltas que os privilegiados dão para justificar suas mediocridades.

Seria até constrangedor, se não soubéssemos que é exatamente isso que alimenta e garante a continuidade do sistema desigual. Quando não sabem o que fazer, tentam frear nossa autoestima, tanto a individual quanto a coletiva. E é por isso que as pequenas coisas importam, aquelas do dia a dia, para que os que estão ao nosso lado e os que vem depois de nós saibam que a cor da nossa pele, onde a gente nasceu, como a nossa sexualidade se manifesta ou a identidade de gênero, não determina onde a gente pode chegar, o que tenta nos impedir todos os dias de alcançar os nossos objetivos é, justamente, a desigualdade do sistema. 

Isso tudo que escrevi foram das primeiras coisas que me vieram à cabeça quando vi as primeiras amostras dos uniformes do Observatório Futebol Clube, o time* do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, porque os dourados presentes em todos os materiais significam tudo de bom que fazemos e representamos, entre outras coisa que verá abaixo. Sim, eu me sinto privilegiada pra C@#$%¨o em poder receber essas coisas em primeira mão e debater essas ideias com a equipe de alto nível que colabora com o projeto. Melhor ainda foi saber que, além dos uniformes, o Observatório lançaria a sua própria bola esse ano.

Hoje eu vim na coluna da ReNEme te convidar pra jogar no nosso time da luta antirracista, leia abaixo o manifesto de lançamentos do produtos, reflita e adquira os seus. Além de ficar muito bem vestide, você vai contribuir para a manutenção de um projeto que luta diariamente pelo fim do racismo no futebol, sabendo que o futebol é uma ferramenta de transformação social com potencial de mobilizar o mundo. 

Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial
Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial

#PorMaisRespeito

A camisa do torcedor antirracista virou a camisa de jogo do Observatório Futebol Clube

O racismo é um sistema de poder que articula as áreas econômicas, jurídicas, midiáticas, sociais etc. No Brasil o racismo contra os negros vem da crença (e na promoção desta crença) de que as pessoas brancas são superiores e por isso podem usufruir de privilégios, entre eles estar nos postos de comando.

No futebol essa crença é reproduzida uma vez que a maioria de jogadores são negros. Porém, não vemos essa mesma maioria fora das quatro linhas, nos cargos de treinadores e dirigentes nos clubes, nas posições de comando das entidades esportivas e nos Tribunais de Justiça Desportiva, desta forma os casos de racismo relacionados ao futebol vão se repetindo, e poucas ações efetivas são tomadas.

Nós do Observatório da Discriminação Racial no Futebol que desde 2014 mapeamos as denúncias e acompanhamos seus desdobramentos, notamos que as relações de poder colocadas em nossa sociedade se desdobram no esporte. Sendo asssim, queremos te convidar para ser parte da luta antirracista de fato.

“Venha jogar no nosso time” é um convite para que você seja antirracista todos os dias do ano, não apenas em determinadas datas, não apenas quando um caso de repercussão ganhar os jornais e inundar as redes com uma nova hashtasg, para que você cobre as instituições a agirem incluindo, especialmente, seu clube do coração, para ser um agente de transformação no futebol brasileiro.

Apesar do racismo ser norma na realidade brasileira, estando presente em todos os espaços, no futebol e fora dele, temos a obrigação de construir espaços de enfrentamento ao racismo em nosso país, continuando na denúncia, mas também pautando mudanças.

A camisa do torcedor antirracista virou a camisa de jogo para que todos entrem em campo na luta contra o racismo. Não fique de fora: vista, espalhe essa ideia, vamos unidos mudar esse jogo.

Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial
Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial

Batizada de Laduma, a bola faz referência ao grito de gol utilizado na África do Sul

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol apresentou a Laduma, sua bola para a campanha antirracista 2022, que fará parte das ações do #VenhaJogarnoNossoTime

Laduma, nome dado à bola, é uma palavra ou expressão sul-africana, que significa algo “barulhento”, como um “trovão”. No futebol, é usado pelos narradores sul-africanos quando um time local faz gol.

A base da bola é branca e o design traz referência às cores utilizadas pelo Observatório em seu logo, mesclando ainda com o dourado-ouro que está presente nas camisa de jogo do Observatório Futebol Clube.

Os filetes na cor do ouro estão espalhados por toda a bola. E significa o ouro que é nossa resistência. Nosso ouro são os saberes ancestrais, a história dos povos aqui e no amplo continente africano, que tem tom de pele demais, que tem história demais.

A Laduma, com seus detalhes na cor do ouro que nos constrói, quer construir uma história com os amantes do futebol que fazem parte da luta antirracista.

#VenhaJoganoNossoTime é um convite para que você seja antirracista todos os dias do ano, não apenas em determinadas datas, não apenas quando um caso de repercussão ganhar os jornais e inundar as redes com uma nova hashtag.

Vamos viver o melhor do futebol que é o gol e, como não existe gol sem a bola na rede, nossa bola se chama Laduma, que é o grito de gol nas comemorações sul-africanas.

Viva o gol! Viva laaaadumaaaaaa!!!

 

*O Observatório não virou clube/time de futebol, é um time de pessoas que acreditam na causa. 

Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Fonte: Divulgação/Observatório Racial

Referências 

DJ DUH; EMICIDA; MAJUR; VITAR, Pablo; VASSAO, Felipe. AmarElo (Sample: Sujeito de Sorte – Belchior). In EMICIDA. AmarElo. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2019. Disponível em: https://open.spotify.com/track/5p3LIyy38s0QQNoSTwbZXX?si=a2a6fc5983c5494f. Acesso em: 01 de maio de 2022. 

DONA ONETE; EMICIDA; RUI; SANTIAGO, Jé. Eminência Parda. In EMICIDA. AmarElo. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2019. Disponível em: https://open.spotify.com/track/2iCQmixyFnDaOSvs0Fszr7?si=151f6ef70d304505. Acesso em: 01 de maio de 2022. 

NOSSOS produtos. Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Porto Alegre, 25 de Março de 2022. Disponível em: https://observatorioracialfutebol.com.br/loja/. Acesso em: 01 de maio de 2022. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Natália Silva

Jornalista, é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), estudando o jornalismo esportivo e a interseccionalidade raça-gênero, através da história oral de jornalistas negras. É membro do grupo de pesquisa Jornalismo Esportivo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Rede Nordestina de Estudos em Mídias e Esportes (ReNEme). Idealizou e produziu o projeto A Negra no Futebol Brasileiro, que fez parte das ações globais Black Lives Matter Football, #FootballPeople e Football v Homophobia, da Fare Network (Inglaterra). Atualmente, é parte do programa Mudjeris di li i di lá (programa de intercâmbio Brasil - Cabo Verde).

Como citar

SILVA, Natália. “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes…”. Ludopédio, São Paulo, v. 155, n. 4, 2022.
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