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Personagens de um título: O Menino, os meninos, o Rústico e o Flaco

Sem medo algum de nos tornar repetitivos, o palmeirense mais uma vez gritou É CAMPEÃO em 2023! Diante de 41.444 pessoas no Allianz Parque, recorde de público do estádio, e mais outros tantos milhões que acompanharam pela TV, o Palmeiras massacrou a valente equipe do Água Santa no Domingo de Páscoa (09) pelo placar de 4×0, conquistando seu 25º título estadual.

A história escrita nos últimos anos da equipe palmeirense faz com que nossas únicas dúvidas, longe de qualquer arrogância ou falsa modéstia, sejam quais são os próximos recordes a serem batidos, quais idolatrias serão construídas ou qual será o tamanho definitivo da já aclamada Terceira Academia. É desfrutar da história sendo escrita diante de nossos olhos.

Esse caminho de glórias, iniciado em 2015 e ainda mais pavimentado a partir de 2020, tem diversos personagens que merecem destaque. Sobre alguns, já falamos. Sobre outros, ainda falaremos. Para hoje, escolhemos estes: o Menino, os meninos, o Rústico e o Flaco.

Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

O novo “velho” Gabriel Menino

Entre os jogadores da base que subiram para o profissional entre o fim de 2019 e início de 2020, ninguém causou melhor impressão logo de cara do que o volante/lateral. Menino foi alçado rapidamente a condição de titular da equipe de Luxemburgo e manteve tal condição com Abel Ferreira. Chegou a ser chamado por Tite para a Seleção Brasileira, fez partidas espetaculares (como o inesquecível 3×0 frente ao River Plate na Argentina pela semifinal da Libertadores) e, da mesma forma que teve essa ascensão meteórica, caiu de rendimento pelo ano de 2021, tornando-se apenas mais um reserva da equipe.

O momento de maior questionamento em relação a sua carreira, sem dúvidas, foi a disputa do Mundial de Clubes no início de 2022, no qual acabou nem sendo inscrito. Estava claro que o ótimo jogador não correspondia no trabalho do dia-a-dia, na mentalidade e na competitividade de um time sabidamente operário. Mas ainda em 2022, algo mudou.

Gabriel parece ter ganhado consciência de que, por mais talentoso que fosse, apenas uma mentalidade de trabalho forte o devolveria à condição de jogador importante dentro do elenco de Abel Ferreira. E, durante todo o Brasileirão do ano passado, ainda como reserva, foi pouco a pouco conquistando seu espaço com atuações cada vez mais consistentes.

A sua grande chance, porém, chegou em 2023. Com a transferência de Danilo para o futebol europeu e a política de poucas contratações da diretoria palmeirense, estava aberta a disputa pela vaga no meio campo da equipe. Inicialmente o favorito parecia ser Jaílson, que voltava de grave lesão no joelho na temporada anterior. Menino, porém, elevou o nível e rapidamente conquistou a posição.

A personalidade de Gabriel Menino faz com que ele seja um jogador de grandes jogos. Já havia sido contra o Flamengo na final da Supercopa do Brasil em janeiro, com dois gols. Após um bom Campeonato Paulista, mais uma vez seu poder de decisão apareceu, marcando mais duas vezes no jogo derradeiro contra o Água Santa, conquistando o prêmio de melhor homem da partida.

É impossível saber se esse nível será mantido pois, como já vimos até aqui na carreira do jogador, se existe o lado marcante do talentoso e decisivo meio campista, também existe o lado instável de um garoto de 22 anos, que inclusive deu as caras no primeiro jogo da decisão e foi motivo de corneta de Abel na entrevista pós título. Mas, caso mantenha seu mantra de “mentalidade forte”, Gabriel Menino tem tudo para ser peça-chave da equipe palestrina por todo ano de 2023 como um dos grandes meias do Brasil.

Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

Os meninos: a base que vence no profissional

Quando falamos da reconstrução palmeirense a partir de 2015, inevitavelmente falamos do investimento na base. Investimento este que já deu frutos, mas que hoje talvez nós estejamos vendo de forma mais clara e presente na equipe. Se antes pensávamos em alguns jogadores de forma pontual, como Gabriel Jesus, hoje olhamos para diversos jogadores que ajudam a formar o elenco vencedor da equipe.

A primeira geração que teve tal impacto foi a de Gabriel Menino e cia. Junto com Patrick de Paula, Verón, Wesley e Danilo, formou-se uma base sólida para a conquista de tantos campeonatos entre 2020 e 2022. Apenas Menino se mantém hoje na equipe, que já conta com uma segunda geração conquistando seu espaço. A geração que conquistou a Copa São Paulo de 2022.

Apesar de óbvio e já debatido, é preciso falar de Endrick. São cinco gols como profissional aos 16 anos: dois contra o Athlético-PR em Curitiba (jogo pré-título Brasileiro), um contra o Fortaleza (jogo do título Brasileiro) e dois contra o Água Santa (um em cada final). Na final da Supercopa contra o Flamengo, participou de um gol e sofreu um pênalti. Ainda contra o Água Santa, fez grande jogada e sofreu a falta que resultou no primeiro gol do 4×0. Na base, fez gol em finais de Copa São Paulo, de Brasileiro sub 20, do Torneio de Toulon com a Seleção e outras tantas que já nem cabem mais aqui. Fenômeno puro e simples.

Mas o destaque dado à base precisa ir muito além do que falamos sobre Endrick. Vanderlan conquistou espaço como reserva imediato de Piquerez durante o Brasileiro de 2022 e, com a lesão do uruguaio no primeiro jogo da final, foi o titular da última partida. Apresentou uma atuação simples e impecável, seguro na defesa e eficiente no ataque. Tem apenas 20 anos.

Fabinho (21 anos), Garcia (21) e Jhon Jhon (20) foram outros garotos que entraram no decorrer da partida. Giovani (19) e Naves (20) também foram relacionados, mas não saíram do banco. Contra o Bolívar pela Libertadores no meio da semana, ao poupar titulares, Abel relacionou os garotos Pedro Lima (20), Ian (19), Kevin (20), Kaíque (19), Michel (19) e Luís Guilherme (17), sendo que os dois primeiros também ganharam alguns minutos, e todos estes ainda pertencentes ao elenco atual do sub 20.

A confiança e rodagem cada vez maior dada a esses jogadores é um importante trunfo do projeto palmeirense, que prefere encontrar na própria base as soluções de composição de elenco ao invés de contratar jogadores mais caros no mercado. Afinal, uma boa base não é aquela que revela apenas craques ou fenômenos, e sim aquela que consegue suprir as necessidades do elenco profissional.

Rony Rústico: um início de ano para chamar de seu

O camisa 10 do Palestra já conquistou de todas as formas possíveis o coração do palmeirense. Não é mais necessário enumerar suas qualidades, sua força de vontade, sua raça, sua entrega, sua doação para o funcionamento da equipe. Rony já é um dos grandes jogadores dessa vencedora geração, e fatalmente será um dos grandes ídolos da história do clube.

Mas por trás de todas as conquistas, talvez ainda faltasse um campeonato para chamar de “seu”. Isso porque o Palmeiras, em todos esses últimos anos, tem uma característica coletiva acima das individualidades. A cada momento parece ter um jogador diferente se destacando. Já foram Dudu, Veiga, Scarpa, Danilo, Wéverton, Goméz… talvez agora, finalmente possamos falar do campeonato do Rony.

O atacante palmeirense fez 6 gols no estadual, sendo um no clássico contra o Santos, dois no Derby contra o Corinthians e um nas quartas de final contra o São Bernardo. Apesar de ter apenas 1,66m, cinco dos seis gols foram marcados de cabeça. Contribuiu também com uma assistência na final para Flaco Lopéz fechar o placar e participou do gol de Endrick, o terceiro tento palestrino.

Após a partida, o treinador palmeirense revelou que Rony precisaria passar por uma cirurgia por conta de uma fratura no antebraço, e que jogou os dois jogos finais já com este problema. Segundo Abel, o jogador insistiu para que não o tirasse do time, mesmo com o risco de agravamento da lesão. A cirurgia já aconteceu, e o atleta deverá desfalcar o time por aproximadamente 45 dias. Gigante.

Por fim, em meio ao estadual, Rony recebeu sua primeira convocação para a Seleção Brasileira, conquistando logo de cara a posição de titular e fazendo bom jogo contra o Marrocos. Um prêmio merecido a este grande jogador, que superou todo o tipo de desconfiança para forjar um lugar de honra entre os ídolos do clube. É o Rústico!

Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

Flaco López: as coincidências nem tão casuais assim

O último tópico que trazemos é sobre o autor do último gol do campeonato. Na verdade não bem sobre ele em si, mas sobre a situação. O cronômetro já passara dos 20 minutos do segundo tempo quando Flaco López entrou na vaga de Endrick.

O argentino de 22 anos entrou bem no jogo e precisou de oito minutos para deixar seu gol e fechar o placar. López, que foi contratado no meio de 2022, ainda não caiu nas graças da torcida, mas pôde marcar um gol em jogo de título e deixar sua marca na história palmeirense.

Mas chamemos a atenção para outro fato. Pela terceira vez na passagem de Abel pelo Palmeiras, um jogador reserva e pouco utilizado entra numa final, marca um gol e se coloca na história do clube. Nas três vezes, esse jogador também aproveitou a chance que teve no jogo anterior.

No jogo anterior à final da Libertadores de 2020 entre Palmeiras e Santos, a equipe de Abel Ferreira foi a campo com seu time reserva enfrentar o Vasco pelo Brasileirão. O jogo terminou 1×1, com gol de Breno Lopes. Seu primeiro gol na equipe.

Na mesma situação, menos de um ano depois, a equipe reserva do Palmeiras enfrentou o Atlético-MG pelo Brasileirão, sendo esta a última partida antes da final da Libertadores diante do Flamengo. A partida terminou em 2×2, e adivinhe quem fez o segundo gol palmeirense? E ele mesmo, Deyverson.

Agora em 2023, antes da final do Paulistão, o já citado Bolívar derrotou os reservas do Palmeiras por 3×1. Flaco López foi o autor do solitário gol alviverde. Aproveitou a chance que teve e fez história dias depois, na decisão do título.

É claro que as situações não são as mesmas, afinal López fez seu gol quando o título já estava decidido, diferente de Breno e Deyverson. Mas é interessante observar os padrões que se repetem, e entender que se eles se repetem, não podem ser coincidência. Torcemos para que seja também uma virada de chave para Flaco, que possa se desenvolver e aumentar seu desempenho na equipe palmeirense.

É agora que o ano começa de verdade!

Indiscutivelmente, o Palmeiras passou com êxito pela primeira parte da temporada de 2023. Porém, os mais difíceis campeonatos começam agora, junto de maratonas de jogos e grandes viagens. Um time do tamanho do Palmeiras precisa sempre entrar para brigar por tudo, ainda que conquistar tudo seja praticamente impossível. De qualquer forma, os dois títulos conquistados dão ainda mais segurança e confiança de que, novamente, a equipe entra como favorita para tudo que disputar. Que mais títulos venham em 2023!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. Personagens de um título: O Menino, os meninos, o Rústico e o Flaco. Ludopédio, São Paulo, v. 166, n. 12, 2023.
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