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Pertencimento e identificação clubística: o patrimônio do clube no imaginário do torcedor de futebol

Vinícius Triches 10 de agosto de 2020

Quais são os principais elementos que consolidam de forma perene a relação entre o torcedor e o seu “clube do coração”? Por que a decisão de torcer por um clube faz com que se crie automaticamente novos e valentes defensores do seu patrimônio?

Considerado o esporte mais popular do planeta, o futebol é cada vez mais observado em seus diferentes elementos, esses sendo vistos através das partidas, territórios, rivalidades, sentimentos e outras formas de expressão associadas. Em primeiro lugar, será com base nessa perspectiva que Damo (2008) vai buscar compreender o que é um clube de futebol e quais são as formas de associação e relacionamento que esse vai proporcionar aos indivíduos, tanto de forma isolada como coletiva. Em outras palavras, o autor irá destacar que o clubismo foi o que acabou por gerar um público fiel que acabou proporcionando a expressiva popularidade alcançada pelo esporte.

Os vínculos entre o torcedor e o seu “clube do coração” 

Morato (2005) menciona uma série de vínculos entre o torcedor e o seu “clube do coração”, relações essas que são consolidas muitas vezes através de símbolos que acabam por representar o patrimônio do clube como um elemento de reforço contínuo a identificação entre a torcida e o seu clube de futebol. Nesse sentido, o patrimônio, somado aos jogadores e a própria torcida, é o que se chama da tríade fundamental do clube. Sendo os jogadores passageiros e os torcedores permanentes, a conexão entre os dois elementos são fundamentais para o êxito do clube nas competições esportivas que irá disputar.

Todo processo de torcer por um clube passa pelo estabelecimento de vínculos, sendo esses construídos culturalmente com base em relações e experiências. Nesse ínterim, fatores como a influência de algum familiar ou amigo, a identificação por causa da origem ou trajetória, a proximidade local com a sede ou alguma vivência positiva ou negativa fazem com que se escolha um clube em detrimento de outro. Com base na decisão de torcer pelo clube, imediatamente, o indivíduo torna-se um defensor e entusiasta do patrimônio da sua agremiação.

Esse fenômeno acontece porque o patrimônio do clube é o maior tesouro para o torcedor, sendo algo grande e sagrado na sua ótica. Nesse meio tempo, pode-se então entender o patrimônio de um clube como o conjunto de objetos simbólicos que o torcedor “[…] aprende a aceitar, a crer e a defender logo que se concretiza a sua escolha” (MORATO, 2005, p. 78).

Considerando que a escolha por um clube é o marco de um ritual, é por ali que se suplantará a figura do indivíduo e surgirá a do torcedor. Ao mesmo tempo, será percebido que tal patrimônio é representado então por elementos como o clube ou a sede, a história, a camiseta, a bandeira, o hino, o distintivo, o mascote, o estádio e os seus títulos.

A sede ou o clube, sendo social ou de campo, não é considerado um patrimônio de todos os torcedores, mas somente de uma parcela desses. Os privilegiados, neste caso, são os seus sócios, modalidade de torcedores que pagam mensalidades para a instituição esportiva. Mesmo que os torcedores tenham preferência em irem ao estádio do que a sede, muitas vezes nem conhecendo a segunda, esses ainda têm respeito por este local, considerando historicamente como parte de seu patrimônio afetivo.

Ladislau da Guia, o maior artilheiro da história do Bangu A. C., com 229 gols em 333 jogos. Foto: Wikipedia.

Já a história é um patrimônio guardado e normalmente sabido por todos os torcedores, visto que quem torce sempre sabe ou terá o desejo de conhecer as origens e o desenvolvimento do seu clube. Tal elemento é importante para a compreensão das formas de rotulação recebidas por um clube e, consequentemente, da sua própria torcida. Atualmente, ainda são percebidas menções sobre aspectos históricos clubísticos dos diferentes clubes, dado que são frequentemente rememorados nas redes sociais ou nas conversas de bar, na família ou no estádio mesmo.

Simultaneamente, também recebem importância os hinos clubísticos, sendo essas representações sonoras que exaltam e auto afirmam o patrimônio da instituição, ao mesmo tempo em que também servem para fomentar elementos como a garra e a fibra, por exemplo. Os hinos normalmente desempenham um papel forte na união entre os torcedores, do mesmo modo que para muitos soam como uma oração.

Logo depois, pode-se perceber que o mascote também é um símbolo que contribui para a identificação dos torcedores, aparecendo como um elemento que geralmente é idealizado quando da fundação do clube ou que vai sendo incorporado através da sua trajetória, onde “[…] as boas características que eles apresentam são atribuídas às características do time e de seus torcedores numa idealização de estereótipo” (MORATO, 2005, p. 81).

Ferroviário, o Mascote do Nacional/SP. Foto: Wikipedia.

Ao mesmo tempo, o que se observa tradicionalmente é que a camiseta e a bandeira são os maiores objetos simbólicos de um clube de futebol, dado que são eles que carregam as cores e o distintivo da agremiação esportiva.

A camiseta tem normalmente maior importância do que a bandeira para o torcedor. Isto é decorrente do fato de ser um objeto de fácil acesso, sendo carregada junto ao corpo, o que faz com que seja denominado no meio futebolístico como a “segunda pele” do torcedor. O uso da vestimenta demonstra a predileção por um clube e, do mesmo modo, é um canal, de acordo com o mesmo autor, ou seja, serve para negar e agredir simbolicamente os demais, principalmente aqueles que são considerados rivais.

Torcedores da Portuguesa de Desportos no Estádio Canindé. Foto: Wikipedia.

Por outro lado, mesmo sendo um objeto simbólico de muita importância e valorização para o torcedor, a bandeira recebe menor atenção comparativamente a camiseta, visto que essa tem uma restrição maior no que se refere ao acesso por parte do mesmo. Assim, acaba sendo empregada mais frequentemente somente por parte das torcidas organizadas.

Já o estádio do seu clube é considerado pelos torcedores como o seu templo máximo do futebol, tendo as características de um patrimônio querido e irretocável, ou seja, um terreno sagrado. Características essas que não se direcionam ao estádio do clube rival, considerado um “[…] território profano, inimigo. Adentrá-lo requer coragem e também um bom planejamento, como numa batalha” (MORATO, 2005, p. 83).

Estádio Giulite Coutinho, do América/RJ. Foto: Wikipedia.

Por último, os títulos podem ser considerados um patrimônio do clube porque é através deles que se materializam as vitórias no universo futebolístico, sendo motivo de orgulho para os torcedores a sua conquista. Dessa forma, para o autor, a conquista de um título é sempre representada pelo crescimento do patrimônio clubístico.

 


Referências bibliográficas

DAMO, A. S. “Dom, amor e dinheiro no futebol de espetáculo”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, fev. 2008.

MORATO, M. P. “A dinâmica da rivalidade entre pontepretanos e bugrinos”. In: DAOLIO, J. (org.). Futebol, cultura e sociedade. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Vinícius Triches

Bacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Economia. Doutorando em Psicologia Social, com a tese desenvolvida na área da "Identidade Social, Representações Identitárias, Torcidas de Futebol e dupla Gre-Nal". Atualmente também cursa Licenciatura em Sociologia.

Como citar

TRICHES, Vinícius. Pertencimento e identificação clubística: o patrimônio do clube no imaginário do torcedor de futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 22, 2020.
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