No final de agosto, o futebol brasileiro perdeu dois jogadores campeões mundiais, De Sordi e Gylmar. O primeiro era lateral direito e o segundo foi bicampeão mundial de futebol pela seleção brasileira, em 1958, com Di Sordi, e em 1962. Gylmar foi o único goleiro a conquistar duas Copas do Mundo de Futebol. Quando pensamos em goleiro da seleção brasileira, nós, mais novos, lembramos sempre de Taffarel, campeão na Copa de 1994. Mas era Gylmar o sinônimo de goleiro no Brasil.

Não é qualquer jogador que consegue ser um destaque na seleção de seu país, e ainda se tornar um dos melhores em sua posição jogando em dois grandes clubes rivais. Gylmar é um dos grandes goleiros da história da seleção brasileira e do Corinthians, além de ser o mais vitorioso no Santos. A contribuição do goleiro para a seleção se deu em momento importante, após as consequências da traumática derrota da Copa do Mundo de 1950, no Brasil.

Goleiro Gylmar. Ilustração: Francisco Carlos S. da Silva.

A derrota brasileira para o Uruguai naquele ano teve peso social significativo, sendo considerada a maior tragédia contemporânea do Brasil, ainda que inserida na esfera esportiva, quando se dá início ao que chamamos de saga heroica brasileira no futebol (SALVADOR E SOARES, 2009: p. 16). Jogando em casa, com campanha arrasadora em campo, o país viveu período de luto coletivo, quando no estádio e nas ruas foi possível observar a comoção geral da população.

O futebol nacional caminhou para a notoriedade após as sucessivas conquistas dos Mundiais de 1958 e 1962, quando os brasileiros passaram a ver o esporte como a oportunidade de reconhecimento internacional. O mesmo aconteceu com o goleiro. Com tais conquistas, a população se viu recompensada pela tragédia de 50, deixando de lado o complexo de vira-latas. E Gylmar defendeu elegantemente o escrete nacional nesses Mundiais. Era simpático, elegante, disciplinado e jogava com sorriso no rosto. Quando eventualmente falhava, costumava tirar o pó dos ombros, bater palmas, incentivar os companheiros e prometer que não entraria mais nada em seu gol. E não entrava.

Para Helal, “um fenômeno de massa não consegue se sustentar por muito tempo sem a presença de ‘heróis’, ‘estrelas’ e ‘ídolos’. São eles que levam as pessoas a se identificarem com um evento. Eles representam nossa comunidade, frequentemente sobrepujando obstáculos aparentemente instransponíveis”. (HELAL, 2001: p. 154)

Foram 103 partidas pela seleção e o goleiro quase jogou a Copa do Mundo de 1970. Gylmar já estava perto dos 40 anos quando recusou uma proposta para jogar no América, do Rio de Janeiro, o que poderia garantir sua convocação para a Copa no México. No campo era um líder, um exemplo e acolhia os companheiros de equipe, como fez com Pelé em prantos, numa imagem histórica da conquista na Suécia.

Pelé e Gylmar na Copa de 1958. Foto: Aftonbladet photo – Wikipédia.

No universo esportivo, talento nato e conquistas, legitimam o jogador como ídolo e herói de uma jornada, e no caso do goleiro, os dois primeiros mundiais conquistados pela seleção brasileira foram fundamentais para seu reconhecimento em campo. Natural de Santos – SP, começou a jogar futebol como ponta-esquerda, mas seu porte físico o levou para o gol. Trabalhou numa fábrica de gelo enquanto não conseguia fazer o teste para o time do Santos e mais tarde foi jogar no Jabaquara. Disputou 395 partidas pelo Corinthians e na Vila Belmiro conquistou o campeonato mundial, a Libertadores, entre os muitos títulos. Assim, o arqueiro foi consagrado e sempre lembrado como aquele que melhor defendeu o gol do Brasil.

Gylmar dos Santos Neves faleceu no último dia 25 de agosto, aos 83 anos. Desde 2000 estava debilitado, quando sofreu um AVC. E um enfarte no último mês deixou sua saúde com quadro irreversível. Para os amigos, como o campeão de 1958, Pepe, foi um grande amigo e um cara em quem a torcida confiava. Para os goleiros mais novos, como Taffarel, uma referência.

Referências bibliográficas

HELAL, R. Mídia, construção da derrota e o mito do herói. In HELAL, R.; LOVISOLO, H.; SOARES; A. A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.

SALVADOR, M. A. S. e SOARES, A. J. G. A memória da Copa de 70: esquecimentos e lembranças do futebol na construção de identidade nacional. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

Sinônimo de goleiro no Brasil, Gylmar agora fica na história. O Estado de S. Paulo: Esportes – Pág. D2. 26/08/2013.

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Camila Augusta Alves Pereira

Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com bolsa da Capes, na linha de pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social (2018). Mestre pela mesma instituição (2012). Possui experiência em pesquisa sobre marketing, idolatria, representação, identidade, publicidade, jornalismo, jovem, consumo, rádio e recepção em Copas do Mundo de Futebol. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá (2005), com habilitação em Publicidade e Propaganda. É professora na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso - FACHA. Possui experiência de docência em universidades públicas e privadas nos cursos de Comunicação Social e Gestão Desportiva, em disciplinas teóricas e práticas como Criação em Mídia Contemporânea, Produção para Internet, Comunicação e Cultura, Comunicação e Imagem, Teoria de Publicidade e Propaganda, Marketing Digital, Agência Digital, Direção de Arte, Metodologia de Pesquisa ? Trabalho de Conclusão de Curso, Pesquisa de Opinião e Mercado, Marketing Esportivo, Comunicação Aplicada ao Esporte, Teoria e Fundamentos do Jornalismo, entre outras. Bolsista Qualitec do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura (FCS/UERJ), cadastrado no CNPQ, e do Laboratório de Esporte e Mídia da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa ReC - Retóricas do Consumo (UFF), cadastrado no CNPQ.

Como citar

PEREIRA, Camila Augusta Alves. Por falar em goleiro no Brasil…. Ludopédio, São Paulo, v. 51, n. 5, 2013.
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